Bolívia: avançar para derrotar de vez o golpismo

imagemVitória consagradora do MAS é a vitória da organização popular

Olhar Comunista

A incontestável vitória do MAS nas eleições presidenciais de 18 de outubro, com mais de 55% dos votos, prontamente reconhecida pela autoproclamada presidente interina Jeanine Añez e pelo candidato Carlos Mesa, segundo colocado, de passado golpista e com posições de direita liberal, representa a derrota do projeto golpista da direita boliviana, apoiada diretamente pelos Estados Unidos, é a vitória da organização popular. O MAS obteve, também, clara maioria nas duas casas do congresso.

Os números são tão significativos que mesmo a Organização dos Estados Americanos (OEA), dominada pelos interesses estadunidenses, também teve que reconhecer a vitória da chapa Luís Arce / David Choquehuanca. Apenas o candidato Camacho, de extrema direita, terceiro colocado, negou-se a reconhecer os resultados. Superou-se o ambiente extremamente tenso que prevalecia no país, nas semanas anteriores ao pleito e durante o dia 18, em meio a incessantes rumores de que haveria um novo golpe de Estado em caso de vitória do MAS e de que Evo estaria organizando um esquema de fraude nas eleições.

O marcante resultado eleitoral começa a virar a página do golpe desferido contra Evo Morales em 2019, após a sua vitória, no primeiro turno, nas eleições para a presidência da República. Na ocasião, Evo foi alvo de denúncias diversas, artificiais e infundadas, como a de que não teria o direito de participar das eleições e de abuso de poder, todas amplamente divulgadas por fake news em redes sociais e ações jurídicas manipuladas, no chamado lawfare.

Em meio a uma atmosfera de grande tensão e movimentações de segmentos policiais e militares, a ação intensa da embaixada dos EUA e as articulações da OEA de Luís Almagro em oposição a Evo levaram a uma forte crise institucional que desembocou na anulação das eleições e instigaram Morales à decisão de deixar o país e exilar-se na Argentina. Essa resolução foi tomada, segundo ele, para evitar um banho de sangue como resultado do confronto que se avizinhava entre as forças golpistas e a forte resistência popular que já tomava as ruas da capital La Paz e de diversas outras cidades do país. No entanto, a saída de Evo deixou, no país, um vazio de liderança para os setores populares nos primeiros dias e favoreceu a ação golpista.

A crise permitiu que a senadora Jeanine Añez, apoiadora do golpe, tenha se autodeclarado presidente interina da Bolívia, com a missão formal de organizar novas eleições, mas que, na prática, promoveu uma guinada na política interna, com a implementação de medidas ultraliberais e de aproximação com setores de extrema-direita, incluindo-se grupos paramilitares, além das posturas racistas e elitistas e dos atos golpistas. Nos últimos meses, o governo desferiu violenta repressão contra os movimentos sociais e as manifestações populares que ocupavam as ruas exigindo a realização de eleições, com prisões de muitos de seus líderes, o que levou a numerosos pedidos de refúgio em embaixadas.

O governo de Añez tentou tornar o MAS ilegal, para impedir a sua participação nas eleições. No plano externo, o comando golpista participou do grupo de Lima e atuou em alinhamento ideológico com os Estados Unidos de Donald Trump. Ao mesmo tempo, o governo demonstrou grande omissão e incompetência no enfrentamento da pandemia da Covid-19, com denúncias de corrupção na compra de equipamentos como os respiradores, e foi desastroso na gestão da economia, o que desagradou à grande maioria da população boliviana.

A vitória do MAS, com o apoio decisivo de Evo, da Central Obrera Boliviana, a central sindical mais importante da Bolívia, do Pacto de Unidade – um conjunto numeroso de movimentos populares, do bloco político liderado pelo Partido Comunista e outros segmentos, foi a vitória, também, do reconhecimento dos avanços obtidos nos governos do MAS. E estes não foram poucos: a Bolívia ascendeu a um patamar superior de soberania nacional, promoveu-se a sua transformação em Estado Plurinacional, com o reconhecimento da cidadania dos povos originários e a sua inclusão nos processos de decisão política, a nacionalização de empresas privadas estrangeiras que exploravam recursos naturais bolivianos, dos serviços de fornecimento de água em La Paz e outras regiões, o forte combate à pobreza, a melhoria das condições de vida, a promoção da educação pública, o crescimento econômico, a ação internacional para o restabelecimento das relações diplomáticas, econômicas e políticas com Cuba e Venezuela e para a possibilidade de formação de um novo bloco progressista na América Latina, com a retomada de projetos como a Alba, a Unasur, a Celac e outras.

Ao longo dos governos de Evo, a Bolívia, assim com os demais países latino-americanos que integraram – e alguns ainda integram – o chamado processo Bolivariano, obteve inegáveis avanços para os trabalhadores, para os indígenas e para a sua população, reduzindo significativamente a enorme desigualdade que marca o país, em que pese a presença forte da oligarquia boliviana, predominante em regiões como Cochabamba e Santa Cruz da Serra, claramente mais ricas, e controladora de importantes setores da economia.

O novo governo da Bolívia reverte a movimentação do país na esfera internacional que caracterizou a passagem de Jeanine Añez pela presidência, em que se reuniu com o Grupo de Lima e apoiou ações de enfrentamento ao governo Maduro, submissa às intenções golpistas e intervencionistas dos EUA na Venezuela. Sai, assim, fortalecido, o campo formado por Argentina, México, Nicarágua e Cuba, contrário à ação intervencionista, e reforça a possibilidade de vitória da oposição progressista no Equador e do governo Maduro nas próximas eleições.

O novo governo assumirá sob condições distintas daquelas em que Evo governou. Hoje há uma crise sanitária e uma crise econômica, com recessão mundial. Além disso, o Brasil tem um governo de extrema-direita que se alia de forma subserviente aos Estados Unidos.

Esse quadro deverá forçar o governo Arce a ampliar sua base de apoio, para afastar de vez o risco de golpe e retomar o processo de desenvolvimento econômico, buscando atender as questões sociais. Abre-se, também, a possibilidade de retomada de uma ofensiva reformista-progressista e de haver novas conquistas no campo da luta de classes na Bolívia, em meio à complexidade de sua formação social.

A vitória do MAS significou a derrota do projeto autocrático – de corte liberal – subserviente aos EUA e favorável aos interesses da alta burguesia boliviana, para quem deve prevalecer o modelo exportador de matérias primas, concentrador de renda e excludente, e a vitória do projeto democrático, reformista e progressista, chamado por muitos de modelo social-comunitário, atenta contra a manutenção de seus privilégios.

Assim como demonstrado nas outras experiências do gênero nas duas últimas décadas na América Latina, esse processo tem um “teto” claramente demarcado, no campo político, pelos limites da democracia burguesa, que restringem o exercício do poder diretamente pela população organizada, e, no campo econômico e social, pelas limitações impostas pela estrutura capitalista do país.

O novo governo enfrentará o desafio de retomar o processo anterior, fortalecendo a organização popular a fim de superar de vez a ameaça golpista e avançar nas conquistas populares. Tem como se valer das potencialidades econômicas que se apresentam, como a exploração do lítio e de outros recursos naturais, de forma soberana, associada à produção industrial para atendimento às necessidades de seu povo. Para ter sucesso nessa empreitada, o governo Arce precisará manter mobilizada a população, com vistas a obter a aprovação das medidas transformadoras e garantir a sua implementação.

O caminho é a construção de um poder popular efetivo e a consolidação de um bloco de forças políticas e sociais composto pelos povos indígenas, por trabalhadoras e trabalhadores do campo e das cidades e suas diferentes representações, capaz de liderar o processo de lutas anticapitalistas no rumo da alternativa socialista.

Secretaria de Relações Internacionais do PCB
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