A crise na perspectiva da classe trabalhadora

imagemTela-mural “Manifestación” (1934), do pintor argentino Antonio Berni.

OLHAR COMUNISTA

A atual crise global gerada pela proliferação do Coronavírus, em toda a sua gravidade, se apresenta também como oportunidade de reflexão e iniciativas, na perspectiva dos interesses da classe trabalhadora, não apenas sobre como enfrentar a pandemia, mas também sobre o quadro pós-crise e os rumos a perseguir na luta de classes.

A explosão da pandemia gerou um quadro semelhante àqueles das guerras e períodos pós-guerras e de grande recessão econômica, deixando claros os efeitos das políticas liberais vigentes, há algumas décadas, em grande parte dos países, principalmente após a queda da União Soviética e o consequente desmonte das inúmeras conquistas sociais até então ali existentes, como o pleno emprego, a seguridade social universal, o desenvolvimento educacional, cultural, científico e tecnológico. Conquistas que influíram, pesadamente, na pressão por direitos sociais nos países capitalistas europeus após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Hoje, os sistemas públicos de saúde e seguridade, em grande parte dos países, estão fragilizados. Há milhões de trabalhadores e trabalhadoras desempregados, precarizados, imigrantes ilegais, o que vem debilitando as representações sindicais, ainda que venha ocorrendo uma retomada das lutas populares. As estruturas estatais estão sucateadas, e as políticas dos governos atendem as necessidades do mercado, fazendo avançar esse quadro de empobrecimento e desamparo social em larga escala. São mais evidentes as desigualdades internas em cada país e entre os países.

É sobre essa base que se dão as respostas para o enfrentamento à pandemia, o isolamento social por um período prolongado, a mobilização do setor de saúde, a divulgação de orientações quanto a ações de prevenção à propagação do vírus e para a identificação dos sintomas. Caberia aos governos a manutenção do funcionamento dos setores essenciais para a garantia da vida, como o abastecimento, o transporte, a produção e a venda de medicamentos, a saúde e a seguridade social, a polícia, as comunicações e outros, além de medidas como o confisco de recursos e instalações privadas para a fabricação de insumos e a montagem de hospitais de campanha, a manutenção do pagamento dos salários dos trabalhadores, a provisão de renda mínima para os trabalhadores precarizados, o abrigo para as populações de rua e o provimento de cobertura financeira para evitar a quebra de empresas. No entanto, as ações dos Estados, hegemonizados pelos monopólios capitalistas, voltaram-se, prioritariamente, a socorrer empresas e bancos. Em contrapartida, são muito relevantes as ações de solidariedade promovidas por entidades e grupos diversos para a ajuda mútua e o atendimento aos mais carentes.

Muitos governos hesitaram em reconhecer a gravidade da ameaça e dar início ao seu combate, como nos casos da Itália, Suécia e Estados Unidos. À medida em que as respostas começaram a materializar-se, também ficaram claras as diferenças entre países, no que tange à atuação dos sistemas de saúde e de pesquisa científica, à abrangência e eficácia da cobertura social, à capacidade de mobilização dos governos e da sociedade.

Destacam-se, nessas questões, os países que dirigem a sua economia e mantêm sistemas robustos de seguridade social. A China superou a crise, garantiu a sobrevivência de sua população, mobilizada em comitês de bairro e outras formas de organização e participação, mostrou sua capacidade de produzir conhecimento científico e de produzir materiais, equipamentos e medicamentos adequados. A China está próxima da produção de uma vacina contra o Coronavírus e vem dando um grande exemplo de solidariedade internacional, enviando médicos e equipamentos para diversos países, apoiando intensamente o trabalho da Organização Mundial de Saúde.

Cuba e Vietnã responderam de igual modo com rápida eficácia no combate à pandemia, demonstrando, com seus poderosos sistemas de saúde pública, a enorme superioridade do socialismo no atendimento às necessidades do povo trabalhador. No caso de Cuba Socialista, há ainda o exemplo histórico da solidariedade internacionalista, mais uma vez presente em meio a esta crise sanitária mundial.

Países que chegaram a dispor de sistemas de bem-estar mais desenvolvidos, como França e Inglaterra , demonstraram capacidade de resposta, dada a herança dos serviços públicos que, mesmo diminuídos e sob ataque liberal, ainda mantêm parte de suas estruturas anteriores. Há ainda o caso dos países mais pobres, principalmente na África, que, sem ajuda externa de monta, poderão chegar à catástrofe sanitária com o avanço da pandemia.

Os Estados Unidos, onde há muitos milhões de desempregados e trabalhadores/as sujeitos/as à informalidade e ao desabrigo, onde não há qualquer sistema público efetivo de saúde ou de seguridade, são o exemplo máximo dos efeitos de décadas de políticas liberais, cujos efeitos se somam aos imperativos do capitalismo, geradores de desigualdade e de miséria para a imensa maioria da população. Trump, exposto por sua hesitação em reconhecer a pandemia e pela magnitude dos números de infectados e mortes, recrudesce a natureza imperialista do Estado norte-americano, confiscando encomendas de equipamentos de saúde em aeroportos pelo mundo e acirrando o bloqueio econômico e as ameaças de agressão militar a Venezuela, Cuba e Irã, atitudes que visam a fortalecê-lo no plano interno com vistas às próximas eleições para a presidência.

O Brasil situa-se num grupo em que há um sistema de saúde e seguridade pública bastante fragilizado, em função das políticas neoliberais de privatização dos serviços públicos e ataques sistemáticos aos direitos sociais e trabalhistas. Com cerca de 50% de sua população economicamente ativa está na informalidade ou no desemprego, o governo Bolsonaro segue com sua política genocida, ao defender o fim do isolamento social, incentivando manifestações e carreatas da morte, para satisfazer suas bases fascistas e atender os interesses do grande empresariado, que pressiona pela volta à “normalidade”, mesmo com o crescimento avassalador dos números de infectados e mortes pelo Coronavírus.

O momento atual e o que se pode esperar no imediato pós-pandemia se assemelha em parte ao que se passou nos anos da grande depressão iniciada em 1929 e no período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. No primeiro caso, tivemos o New Deal com as políticas keynesianas nos EUA, com investimentos públicos para impulsionar a economia e ações de assistência social direta para o combate à fome e ao desamparo generalizado; no segundo, o Plano Marshall, os investimentos dos Estados capitalistas europeus e a ofensiva popular puxada, nesses países, pelas organizações políticas e sociais que haviam participado da luta contra o nazifascismo, pelos trabalhadores desempregados e outros segmentos que exigiam empregos e direitos sociais, à sombra da reconstrução em curso e do elevado patamar de conquistas sociais vigentes na União Soviética e no novo campo socialista.

Foi no pós-guerra que surgiram a ONU e diversas organizações internacionais; foi no pós-guerra em que se produziu a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Manifesto pela Paz, de Helsinque, e outras ações que visavam estabelecer um regime de ordenamento do convívio entre as nações e balizamentos para a nova onda de desenvolvimento que se apresentava, em decorrência do excedente de capitais conquistado pelos EUA durante a guerra e da pressão exercida pelo poderoso bloco socialista liderado pela URSS sobre o lado capitalista. Entretanto, a escalada imperialista que se produziu com a Guerra Fria estabeleceu um clima crescente de rivalidades e de ameaça permanente à paz mundial por meio da corrida armamentista.

O quadro internacional hoje é muito diverso ao do final da Segunda Guerra. Não há mais um bloco socialista para fazer o contraponto às políticas do capitalismo e do imperialismo, e o movimento operário em todo o planeta encontra-se na defensiva, buscando se reorganizar para enfrentar os intensos ataques dos governos burgueses aos direitos da classe trabalhadora. Mas devemos apontar alguns cenários possíveis na conjuntura política e social após a crise sanitária, para que os comunistas possam seguir avançando nas lutas em defesa dos interesses dos povos e dos/as trabalhadores/as, pelo poder popular e pelo socialismo.

As mudanças previsíveis no cenário mundial pós-pandemia incluem o maior isolamento dos EUA no plano político, que pode se acirrar a depender do resultado das eleições internas; cresce a presença e a influência da China nos planos político e econômico; muda a dinâmica interna na União Europeia, com a tendência de maior fechamento das economias e de enfraquecimento do bloco, já abalado com a saída da Inglaterra. Poderá, também, a depender das mudanças internas nos países, haver um processo de fortalecimento em organismos internacionais, vistas como mais necessárias do que nunca, a despeito do desprezo do atual governo estadunidense por elas, como na retirada das contribuições dos EUA à OMS, seguindo sua política antimultirateralismo.

A tendência dos governos capitalistas é a de aprofundar, com maior radicalidade ainda, os ataques às já combalidas legislações sociais e trabalhistas, para tentar recuperar as taxas de lucros das empresas. Daí que a premência de uma onda de vultosos investimentos estatais para o reerguimento das economias com um mínimo de atendimento às necessidades dos povos, somente será alcançada caso haja a retomada das grandes mobilizações de massas lideradas pelos movimentos de trabalhadores e organizações políticas de esquerda para que as questões sociais estejam em destaque, mais fortalecidas pela desmoralização do liberalismo, destacadamente nas áreas de saúde e previdência, pela constatação de que o mercado não é capaz de resolver as demandas da maioria da população e de enfrentar crises.

Essa visão é hoje compartilhada por diversas organizações sociais, está presente nas ações políticas de partidos, sindicatos e movimentos populares na cobrança por ações de combate à pandemia e garantias para os trabalhadores ocorridas no período de isolamento. Somem-se a isso as muitas ações de solidariedade que vêm sendo empreendidas, em diferentes formas, superando o padrão de individualismo criado pela hegemonia burguesa liberal e criando bases para uma futura mudança na sociabilidade contemporânea.

Essa mobilização enfrentará, certamente, a reação da burguesia e uma nova ofensiva liberal que certamente virá, para ampliar a ação dos Estados no controle da economia em favor dos interesses capitalistas e visando bancar a manutenção dos governos de direita. O conservadorismo buscará o fechamento de fronteiras para a proteção dos empregos na lógica do chauvinismo e usará essa bandeira para disputar os votos dos trabalhadores.

Na contracorrente, o desafio da classe trabalhadora será o de lutar por um programa político e social com ações universais de atendimento às necessidades básicas nas áreas da saúde, educação, moradia, saneamento, transportes, etc como direitos sociais, de erguimento de novas estruturas de participação direta e decisão democráticas. Um programa voltado para a eliminação das desigualdades existentes dentro de cada país e entre os países, que impulsione uma maior influência das posições progressistas e socialistas nos organismos multilaterais, que interfira diretamente nas questões mais relevantes da agenda internacional como a questão ambiental e o combate à pobreza.

É preciso que esse programa tenha um viés claramente anticapitalista e anti-imperialista, que combata as soluções paliativas e de curta duração que certamente serão apresentadas por segmentos da social-democracia e do próprio liberalismo. Um programa que aponte para a construção do Socialismo. Somente nesta direção será possível ultrapassar a realidade atual imposta pelo capitalismo, cuja consequência é a generalização do caos e da barbárie para os povos e os trabalhadores em todo o mundo.

Secretaria de Relações Internacionais do PCB