Arte e isolamento social
Ilustração de Edward Hopper – Morning Sun (1952)
OLHAR COMUNISTA
Fran Rebelatto, militante do Partido Comunista Brasileiro no Paraná
Qual a saída para o(a)s trabalhadore(a)s do setor artístico e cultural diante desta crise?
O isolamento social é a única medida imediata possível para evitarmos a proliferação do Covid-19. Uma alternativa que tem impactado fortemente nossas formas de convívio social e de organização do tempo cotidiano, especialmente controlado pelo mundo do trabalho. As imagens possíveis deste isolamento nos remetem às obras de Edward Hopper – pintor, artista gráfico e ilustrador norte-americano, conhecido por suas pinturas realistas sobre a solidão dos indivíduos. Grande parte das suas personagens encontram-se sozinhas em seus ambientes privados, apenas interagindo com a luz que vem de suas janelas. Também nos faz lembrar do filme Janela Indiscreta, de Alfred Hitckock, no qual um fotógrafo profissional, na impossibilidade de sair de casa, desde sua janela, vasculha a vida dos vizinhos com um binóculo, presenciando situações que o comprometem.
Se o isolamento social abre espaço para que possamos buscar nas expressões artísticas representações para este momento, também nos convoca a pensar em como a arte responderá, por meio de suas mais diversas expressões, ao momento posterior da pandemia, e como estaremos preparadas/os enquanto categoria artística para fazer a disputa das sensibilidades da classe trabalhadora em geral. Mas sobre essas questões nos debruçaremos em texto posterior.
Interessa-nos agora discutir os impactos da crise sanitária e econômica do Covid-19 para as condições de sobrevivência dos/as trabalhadores/as do campo artístico em nosso país. Por um lado, temos percebido o quanto as expressões artísticas têm sido indicadas como uma forma de manter a mente sã no período de distanciamento social. Por isso, diversos/as trabalhadores/as das artes têm democratizado o acesso às suas obras nas redes sociais. Festivais de cinema, cineastas, companhias de teatro e de danças, músicos e artistas visuais organizam e disponibilizam suas obras e indicações para que tenhamos mais opções de “lazer” neste espaço de confinamento.
A grande questão é que o campo artístico brasileiro é composto por uma enorme massa de trabalhadores que, com a realidade dos cinemas, teatros, museus e espaços culturais fechados, perderão também suas formas de subsistência. No Brasil, o problema se agrava ainda mais, pois, mesmo antes da pandemia, enfrentávamos imensos desafios com a desestruturação das políticas públicas culturais do governo protofascista de Jair Bolsonaro, que tem desmantelado o setor cultural com as escusas de um falacioso combate ao chamado “marxismo cultural”. Uma derrota para toda classe artística brasileira foi de imediato, logo após a posse do novo governo, a decretação do fim do Ministério da Cultura, de modo que as políticas específicas do setor ficaram relegadas a uma pasta no Ministério do Turismo. De 2019 para 2020 o corte orçamentário da pasta já foi de 36,6%.
Sabe-se, no entanto, que a produção artística e cultural do país depende quase exclusivamente do financiamento público e, por isso, a redução dos editais impede o avanço deste setor produtivo e das possibilidades de sobrevivência materiais das/os trabalhadoras/es. Ao mesmo tempo, o governo leva adiante seu projeto ideológico extremamente conservador, que, entre outros episódios, nos colocou em 2019 diante da manifestação pública do ex-secretário de cultura Roberto Alwim ao reproduzir um discurso do ministro de propaganda do genocida Adolf Hitler. Devido à repercussão negativa de tal pronunciamento, Alwim foi afastado do cargo e em seu lugar assumiu a pasta a latifundiária, atriz e apoiadora de Bolsonaro, Regina Duarte.
Com o avanço da pandemia pelo mundo, diversos países têm apresentado ações emergenciais para ajudar o setor artístico e cultural, como nos casos da Alemanha e do Reino Unido. No Brasil, no entanto, o que vemos é uma grande paralisia da Secretaria da Cultura, cujo único movimento nos últimos meses foi a aprovação de um projeto pela Lei Rouanet com orçamento elevadíssimo para um Festival de Música Gospel do Rio de Janeiro, o que também denuncia a perspectiva ideológica que atende aos interesses exclusivos neopentecostais. Por certo, a Agência Nacional de Cinema, que nos anos anteriores ao atual governo tinha se convertido num importante instrumento de financiamento, produção e distribuição cinematográfica do país, hoje às moscas, tem como presidente um pastor evangélico. Editais foram cancelados, outros ainda nem saíram do papel, levando à paralisia da produção de diversas obras fílmicas e o desemprego em massa no setor.
Frente a tudo isso, é fundamental que possamos reconhecer enquanto espectadores que, por traz de cada filme, de cada música, de cada texto literário que apreciarmos no período de isolamento social, encontram-se milhares de trabalhadores e trabalhadoras, que dependem de políticas públicas para o desenvolvimento de uma arte, que como tal possa superar minimamente a lógica burguesa da arte como mercadoria.
Por isso, é necessária a convocação e conscientização dos/as trabalhadores/as da arte e cultura e da sociedade em geral, para que organizadas/os, mesmo que distantes, possamos gritar das nossas janelas pela taxação das grandes fortunas deste país, pela revogação da Emenda Constitucional 95, em defesa dos serviços públicos; mas, também, para que gritemos e lutemos por políticas emergenciais ao setor artístico e cultural, pois, ao colocarmos a vida acima dos lucros, não podemos pensar nessa vida sem ser atravessada pela arte, que junto com a filosofia e a ciência, são os grandes pilares de nossa formação para a verdadeira emancipação humana.