Quando a grande ficha cair …

imagemCharge: Mauro Iasi

Por Henrique Suricatto

Li, no dia 26/03, uma matéria bem extensa para os padrões do Valor Econômico, cujo título se chama “Brasileiros temem crise devastadora, segundo pesquisa” (1). A centralidade aponta para uma percepção entre os trabalhadores de que a crise financeira que vai acontecer – já está acontecendo – pós pandemia do Covid-19 será pior que a paralisia das atividades econômicas provocadas pelas medidas sanitárias adotadas pelo Estado por segurança sanitária necessária. Essa análise vem ganhando corpo entre os economistas burgueses e mesmo entre o campo da Esquerda Classista (2).

Soma-se a isso a perda de apoio que Bolsonaro vem sofrendo nas últimas semanas, incluindo entre aqueles que os apoiavam de primeira hora, como a Deputada Estadual Janaína Pascoal (PSL-SP) (3), uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma Rousseff e o Governador Ronaldo Caiado (DEM-GO), visivelmente ofendido no seu pronunciamento anunciando o rompimento (4), se essas ofensas vão permanecer com o tempo. Há de se duvidar, alianças e rompimentos são feitos quando se convêm no tabuleiro político brasileiro. Além das desavenças que o presidente vem comprando com governadores dos estados e contrariando orientações de seu próprio ministro da saúde.

Sobre essa conduta de Bolsonaro, é evidente que existe loucura no método, como exposto tanto por Mauro Iasi (5) quanto por Pedro Marin (6). A necessidade de mobilizar sua base mais fiel e consolidada para o defender dos ataques que vem sofrendo da imprensa diariamente – com razão – e dos panelaços cotidianos que as classes médias, socadas em suas casas, vendo o Jornal Nacional expor suas falhas, vêm puxando. É de se esperar que, dentro do isolamento político, só lhe resta radicalizar sua fiel base, que o defende às custas da própria saúde e de terceiros. Disposta a contrariar o STF, o Congresso Nacional e A OMS, foi às ruas, quando se orientava para não ocorrer aglomerações a conter a transmissão. Serviu para expor ao ridículo sua base.

Mas vamos aqui nos deter sobre algumas premissas, para analisar corretamente a conjuntura que subsidiou este artigo.

A análise da matéria do Valor Econômico começa com uma exposição de dados da pesquisa encomendada pelo Instituto Travessia, onde se confirma a perda de apoio do presidente perante a população: 64% não confiam na capacidade de governança do presidente frente à crise da pandemia viral. O que para a esquerda e alguns setores do centro já era notável, agora, esta percepção avança para dentro do espectro da direita, e não somente pela crise sanitária em si, mas pela negligência que foi tratada pelo Bolsonaro, pois esperava-se no mínimo bom senso. Pra fins de comparação, os governos estaduais gozam de 70% de confiança da população entrevistada e 54% dizem acreditar que a epidemia terá consequências devastadoras sobre a economia.

O presidente ainda detém um apoio sólido de setores religiosos, de um núcleo de empresários, de militares de alta patente, de alguns políticos e de uma horda de fanáticos que perpassa por todas as classes sociais – mas de composição majoritária nas classes médias arruinadas, protestantes neopentecostais e militares – mobilizadas pelo “gabinete de ódio” dirigido pelos seus filhos. Claro, não se pode subestimar este poder; a grande vantagem é de estar mais organizada e coesa que aqueles que se opõem a ele, pois a dita “oposição” que pode ser qualquer coisa que simplesmente se oponha a esta ou aquela medida de Bolsonaro, se encontra desorganizada, fragilizada pra defender mesmo seus próprios interesses dentro da ordem burguesa.

Agora, alguns setores da burguesia veem as próprias medidas econômicas de P. Guedes serem colocadas à prova e o “Chicago Boy” ainda tenta umas últimas cartadas desta doutrina, com a tentativa de implementar uma Medida Provisória que previa a suspensão dos contratos de trabalho e de pagamento de salários por 4 meses – revogada parcialmente pela pressão popular – e da redução da jornada de trabalho e de salários (7). Antes de se entregar parcialmente ao rival burguês de seus mestres Hayek e Friedman*, em medida de auxílio aos informais, desempregados, baixa renda amparados pelo Bolsa Família e de micro e pequenos empresários contra a sua vontade, pressionado pelo Legislativo e pela imprensa, o governo parece ter uma capacidade maior de prever a convulsão social que brota no horizonte e procura desesperadamente municiar o Estado e a burguesia para estar melhor preparada para essa batalha que se anuncia assim que a pandemia passar e a fatura ser cobrada.

Depois dos auxílios, dos créditos, das isenções tributárias, quando o bombardeio da pandemia estiver cessado e precisar desembarcar com a tropa paraquedista da repressão ao redor do novo teatro de operações, encontrarão aquilo que desejam: desorganização e dispersão. Falado assim, imagina-se que nós não desejávamos nenhum auxilio aos mais atingidos por esta crise, lógico que não. Exigimos que o Estado auxiliasse em algo e isso está sendo feito, mas é insuficiente. O insuficiente para os economistas burgueses não é o mesmo insuficiente para os revolucionários. Vamos demonstrar.

Nesta conjuntura, já é admitida pelas economias centrais do mundo inteiro, de Merkel a Macron, de Trump a Abe, o estado de recessão global e de suas respectivas economias, nota-se pelas medidas emergenciais de auxílio a empresas e a trabalhadores tomadas por estes governos (8). A China de Xi Jinping, o epicentro inicial da pandemia, segunda economia do planeta e o “chão de fábrica” do mundo, terá uma diminuição drástica do crescimento até onde aponta o levantamento de dados atuais. A interrupção da cadeia produtiva chinesa para conter o contágio do vírus paralisa a produção, operários ficam parados, não são produzidas mercadorias, a demanda não é atendida. A produção global, refém de suas próprias contradições desencadeadas pela divisão internacional do trabalho, na falta de componentes, peças, mercadorias etc. vindos da China para finalizar outras mercadorias, é afetada e se vê mais obrigada a parar por estas circunstâncias do que pelo desejo humanista de preservar a vida de seus trabalhadores, como podemos notar na insistência e na demagogia de empresários brasileiros que forçam a suspensão ou o abrandamento da quarentena e contam com Sua Excelência como principal defensor (9).

Antes de prosseguir, é valido dizer que esta crise financeira já estava desenhada, o balde já estava transbordando (10) e faltava a gota d’água necessária para sua explosão. A queda do preço no petróleo com a quebra do acordo Rússia-OPEP, as tensões entre EUA e Irã pós assassinato de Soleimani e o impasse da guerra comercial China/EUA são alguns exemplos de fatores conjunturais que poderiam somente neste ano ter arrebentado a crise.

Temos aqui duas constatações que se tornam um elemento explosivo na conjuntura política: de um lado, a derrocada de Bolsonaro, cada vez mais fraco de apoio, do empresariado, da imprensa, do Legislativo e mesmo de alguns setores militares – o que aqui vale uma observação mais aprofundada de como as tropas estão se comportando (11) – e do outro lado uma crise que promete sem cerimônias ser mais forte que a de 2008/09 e que só vai encontrar paralelo em impacto na história com a Grande Depressão de 1929/33. O maior termômetro deste desespero foi a conversão automática de liberais, defensores do livre mercado e de políticas de austeridade que não poupam ninguém, em keynesianos apologistas da intervenção forte do Estado e das políticas de distribuição de renda, dos pacotes de estímulos econômicos que atingem cifras extraordinárias aos olhos tanto dos leigos quantos dos familiarizados com a economia política.

A Teoria Monetária Moderna, antes reservada a aspirantes ao Prêmio Nobel** é invocada como um feitiço simples de Gandalf. De repente vemos, no noticiário econômico, medidas como a distribuição de renda aos mais pobres, suspensão das taxas de juros a empréstimos de pessoas físicas, o adiamento do pagamento de dívidas, medidas que até ontem poderiam – ou podem – ser um programa eleitoral de setores da esquerda, ou seja, esquerdistas na interpretação dos neoliberais ortodoxos. Demonstra-se a contradição que era para setores da esquerda que se afirmam revolucionários, mas na prática se propõem a gerenciar a crise financeira (12) dentro dos limites do capitalismo, sendo o melhor governo possível pra tocar Keynes à risca. Quantas vezes vimos figuras públicas da esquerda se dirigir com estas reivindicações na mais alta convicção para depois citar Marx ao vento? (13). Não aprenderam nada com o Syriza na Grécia em 2014/15!

Ou qualificando melhor a provocação, esses setores que apontam em suas resoluções e em seus programas a radicalização da democracia burguesa em tempos de crise como forma de “combater” o fascismo, a Ultima Ratio*** para tempos de crise como parte da burguesia para impedir a emancipação do proletariado. Com políticas de combate à miséria geral, através de distribuição de renda (às custas da tributação) conseguem evitar em suas políticas um “derramamento de sangue”, traduzindo na prática um apaziguamento das convulsões sociais, das insurreições, quando o proletariado é colocado em movimento ou quando silenciam organizações revolucionárias e impedem que estas se tornam a sua vanguarda. Na verdade, o que conseguem fazer é apenas adiar o inevitável. O derramamento de sangue sempre vem, a questão para nós aqui é simples, sangue de qual classe?

O pacote de Trump anunciado com o “socorro” de 2 trilhões de dólares, surpreende por ser maior que o Plano Marshall e superior a todo o PIB Brasileiro de 2019 (8ª). Há aqueles que acham que isso por si só salvará os mercados financeiros e a condição de miséria e pobreza que se anuncia para milhões de proletários no mundo inteiro, inclusive nos EUA, onde na mesma semana do pacote, 3 milhões de trabalhadores deram entrada no seguro desemprego, 9 vezes superior à procura da semana anterior (14). O que vai exigir posteriormente um aumento da tributação para ter o retorno destes “investimentos” aos cofres públicos, como sempre ocorre quando uma medida destas é implantada na história e deixa como opção a destruição das forças produtivas, sejam próprias ou de terceiros. Um sinal claro desta sinalização foi a criminalização de Maduro, pelo DEA americano, como narcotraficante (15) e o deslocamento de tropas americanas da África e do Oriente Médio para o Sudeste Asiático (16) e os desdobramentos da guerra civil síria.

II

Os tempos prometem uma convulsão social, o desembarque pós bombardeio promete ser mais violento que o vírus, as convulsões sociais estão à vista, os analistas burgueses já perceberam e nisso chama a atenção que estes analistas tentam a todo o custo caracterizar a esquerda em seus espectro geral e no seu sentido burguês da palavra como fragilizada (1a), que apenas aposta na via eleitoral como forma de voltar ao poder. Se esta “esquerda” que nos falam toma o nome de Partido dos Trabalhadores e toma como sua liderança Lula, sim está fragilizada.

Por um lado devemos notar que estes analistas burgueses querem vender o peixe de sua classe, legitimar no discurso que toda a esquerda se encontra perdida e fragilizada, que não representa um perigo real para as classes dominantes. Talvez convença até mesmo grupelhos de esquerda, que, não inseridos na realidade concreta da classe e com nenhum trabalho de base relevante, fazem crer nesta análise e esperam a espontaneidade para voltarem à ativa e segurar seus militantes.

Por outro lado, os analistas apontam para novas lideranças de centro-direita e de direita que podem despontar como futuros gestores do Estado, verdadeiros estadistas que fariam qualquer cristão se emocionar com tamanho estadismo demonstrado pelas “falas sentatas”. Dória e Witzel se apresentam como esses indivíduos, que compartilham das mesmas ideias de Bolsonaro, mas se diferenciam deste por serem mais prudentes tanto em suas falas quanto em suas condutas, como muito bem as eleições de 2018 demonstraram a aliança sem cerimônias destes estadistas com o capitão que ocupa a Alvorada. Rodrigo Maia se mostra o mais “neutro”, não por cumprir aquilo que a burguesia espera de um presidente da Câmara, representante dos interesses gerais dos deputados – não da população como a democracia burguesa quer fazer crer – mas de ser um dos mais hábeis políticos do centrão (senão o mais hábil) que sabe defender os interesses gerais dos parlamentares parasitas, seja sob a conciliação de classes de Lula/Dilma, seja sob o ataque frontal à classe trabalhadora desferido por Temer/Bolsonaro. O importante aqui é a manutenção dos interesses.

O resto da esquerda entra neste espectro da “esquerda morta” descrita pelos analistas?

Se for esta esquerda que pensa em 2022, que se dirige aos trabalhadores, aos sem teto, ao funcionalismo público e às minorias dizendo que é necessário defender a democracia a qualquer custo quando para estes a democracia de fato nunca existiu, onde o estado democrático de direito não passa de letra morta impressa na mofada Constituição de 1988, esta mesma constituição que Florestan Fernandes jurou que os lutadores consequentes devem entender como uma ferramenta no avanço da consciência das massas (17) e que um dia será preciso superá-la e encontrou oposição dentro do próprio partido que ajudou a construir? Sim, ela está “morta”, pois seu projeto é uma farsa, uma réplica daquele projeto que jogou gerações de lutadores na impotência e na ilusão, e que agora procura repeti-lo em uma conjuntura em que replicá-lo significa o esmagamento das vanguardas e dos trabalhadores. Não serve nem pra vingar os seus e aos nossos mortos!

Agora, sabendo que esta leitura é adequada à mídia burguesa, como forma de estigmatização e isolamento da esquerda revolucionária. Devemos demonstrar a estes analistas, com a força inexorável das ruas revoltadas (quando a pandemia passar) e das janelas enfurecidas, que há, sim, alternativa revolucionária à crise. Grupos ali e aqui e indivíduos aqui e ali, lutadores próximos que lutam pela superação da sociedade capitalista e defendem a revolução tal como os comunistas a concebem, precisam superar sua dispersão e se organizar coletivamente. Partidos políticos e movimentos sociais revolucionários, embora possuam grandes divergências entre si, têm como objetivo estratégico a tomada de poder pela via da revolução. É raro ver uma coluna destes jornais citar organizações revolucionárias; quando cita, sempre o faz com desdém e menosprezo, além de uma bela dose de anticomunismo.

III

Para superar sua dispersão e confusão, os revolucionários devem sempre ter em mente que a revolução perpassa por um processo violento em que não se deve dar espaço para oportunismo, tirando o véu das aparências superficiais dos discursos das classes dominantes e expor aos trabalhadores, ao mesmo tempo, expor as vacilações das demais forças de ex-querda, que enganam os trabalhadores com projetos conciliadores que não vingam e os iludem. Continuar tolerando o oportunismo dentro de nosso campo, logo numa conjuntura de crise e futuras convulsões sociais, significa antecipar a nossa derrota. Não vamos mais perder uma geração inteira de lutadores.

Isso significa que o sectarismo está na ordem do dia? De maneira nenhuma!

A esquerda conciliadora, que prefiro chamar de petismo, pode estar morta para os revolucionários organizados, mas não está morta para bases onde convivemos, onde estamos inseridos, não está morta para massas de lutadores honestos inseridos em movimentos sociais, sindicatos, entidades estudantis e comunidades carentes e serão colocados em movimento nas futuras convulsões sociais que se desenham no horizonte próximo. Manteremos alianças táticas pontuais com estas forças, nas áreas que nos possam atender a interesses táticos, mas não devemos cessar dentro destes espaços de unidade de ação a crítica a suas vacilações e a seus oportunismos. Uma das premissas de uma frente única (18) atende a essa leitura do movimento.

O que se coloca em xeque desde o momento em que Jair Messias foi eleito é a existência da democracia das entidades de base e das entidades construída pelos revolucionários e pelos trabalhadores organizados ao longo da história, como os sindicatos, movimentos sociais e entidades estudantis, pois é essa democracia que está ameaçada na primeira ordem, a democracia direta dos trabalhadores, os embriões de Poder Popular. Se precisamos que os trabalhadores tenham experiências de organização e se reconheçam enquanto classe – que nesta pandemia e na crise podem ser construídas numa grande velocidade, se colocarmos nossa agitação e propaganda para funcionar na eficiência que precisa ser colocada, dentro de nossos limites – precisamos colocá-los em movimento pela defesa da própria existência, seja na defesa dos salários, dos empregos, dos direitos sociais e das condições de vida seriamente ameaçadas.

A barbárie está anunciada. Estas medidas “neokeynesianas” movidas pelas “críticas” à concentração de renda, que habita o íntimo dos corações de Krugman e Piketty adotadas agora por Guedes não vão durar para sempre; no caso, servem para a burguesia ganhar tempo, se preparar para o choque inevitável que a luta de classes chama.

Essas são as premissas. E quando esse choque vai começar?

Primeiro, o que é óbvio, é: quando a pandemia for controlada – competência mais atribuída aos médicos, laboratórios e aos pesquisadores do que aos políticos no caso, uma vez que não é interessante para eles, os mais sóbrios, um proletariado morrendo rapidamente por uma doença que contagia fácil e mata rapidamente, embora haja alguns que estão dispostos a sacrificar uns 7 mil ali ou 6 mil aqui (19) -, é preciso fazer os trabalhadores lembrar sempre da negligência da burguesia, desde a precarização do SUS, da privatização da saúde, da falta da estrutura necessária para atender os infectados das camadas mais baixas, até os ataques às medidas de resistência à quarentena feitos por empresários bolsonaristas, os apelos à manutenção da economia, das demissões em massa, da redução do salários, da perda do poder de compra, a falta de uma resposta rápida das autoridades públicas, a disparada dos preços. Enfim, demonstrar a ela a sua condição de classe e fazer com que ela não a esqueça. Se a vanguarda organizada não recorda das próprias experiências de lutas, não espere que a classe a que pretende representar lembre por si mesma.

A grande ficha uma hora vai cair. Essa ficha é a contrapartida do pacote que utilizaram para “socorrer” os trabalhadores; o que se dá com a mão esquerda, se tira em dobro com a mão direita, pequenos e médios estabelecimentos vão falir, a tendência à monopolização da economia vai acelerar, os empregos serão escassos e precários, se forem mantidos, a violência cotidiana tende a ser maior e a repressão mais ainda. Isso é o primeiro passo.

O segundo passo, como complementar ao primeiro, é nos preparar para esta conjuntura que se apresenta. Não devemos enganar a nós mesmos, sobretudo os mais experientes, nossas lideranças, dirigentes e os nossos quadros. Devemos utilizar o máximo de nossas organizações, de nossas entidades de classe, quase como um pré aviso. Deve ser enfatizado com a clareza necessária em nossas palavras de ordem e tarefas gerais dos lutadores revolucionários, corrigir as debilidades organizativas a tempo, para não falharmos quando o dever histórico nos chamar.

“- parece que a revolução vai acontecer agora!” exclamam.
Eu digo: – Claro que não.”

Para cessar a ansiedade daqueles que querem apontar esquerdismo e obreirismo, senão odes ao espontaneísmo de minha parte, eu nego. Esquerdismo e espontaneísmo seria fazer apologia barata ao movimento da classe e por si só ela tomasse consciência de si e para si, sem precisar de nossa intervenção, das entidades sindicais, dos movimentos organizados, dos revolucionários organizados, dos comunistas propriamente dito. Achar que apenas pelas experiência ela vai aprender a enfrentar os desafios impostos a sua existência sem esclarecer de seus movimentos equivocados – sim meu caro esquerdista, a classe trabalhadora também erra! – e permitir a ela que se lance a aventuras, como se a revolução fosse aqui e agora, com falsas palavras de ordem que não refletem a demanda do momento, basta recordar as consequências de Junho de 2013, das falsas palavras de ordem e da omissão de setores da esquerda.

Obreirismo seria confiar a apenas a direções “emanadas da classe trabalhadora” capazes de dirigir o processo, assim as deixaríamos reféns novamente do petismo, pois o petismo, enquanto forma de ser de esquerda, enquanto forma de o proletariado reivindicar suas demandas, pela defesa por dentro das vias institucionais, não está superado na prática, ainda goza de simpatia tanto de direções de base quanto de parcelas organizadas da classe. Se não estivermos lá para apontar seus limites e combater o oportunismo, pode-se esperar a reprodução da conciliação de classe, ou a tentativa de repetir, como alguns partidos parecem apostar nas entrelinhas, querendo herdar este movimento tal como ele é.

Temos uma geração de lutadores mais numerosa, mais qualificada e mais inserida na luta de classes que em 2008, temos sim desafios a cumprir, a meu ver, quando as ruas novamente forem ocupadas e estiverem falando sobre política. As massas mobilizadas e os trabalhadores vão querer saber se nós teremos as respostas para seus problemas, se teremos o programa certo para superação de sua carestia. Com uma certa dose de otimismo diante desse mar de pessimismo justificado, quando a grande ficha cair, quando os trabalhadores perderem a paciência, como vamos estar?

30 de março de 2020

(1) https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2020/03/27/brasileiros-temem-crise-devastadora-segundo-pesquisa.ghtml

(2) https://pcb.org.br/portal2/25178/a-civilizacao-catastrofica/

(3) https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/03/16/janaina-paschoal-pede-saida-de-bolsonaro-da-presidencia-deixa-o-mourao.htm

(4) https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/caiado-rompe-com-bolsonaro-e-diz-que-nao-respeitara-decisoes-do-presidente.shtml

(5) “A verdadeira meta do presidente miliciano é um golpe clássico que lhe permita a centralização política necessária, sob a espada militar, sem os incômodos parceiros no Congresso e no STF. Ele expressou várias vezes tal intenção, em entrevistas, declarações, posturas. Portanto, o espanto todo agora manifesto pelos senhores parlamentares e juízes diante da convocação pelo Presidente de um ato pelo fechamento do Congresso e do STF, não passa de pura encenação, pura pantomima de indignação.”
O 31 de março de Jair Bolsonaro

(6) “No primeiro aspecto, ao ter consciência de si, descobrem que tudo o que é vivo pode morrer. Quando falam em “defender a vida”, portanto, querem dizer na verdade as suas próprias. Não porque os ricos também se infectam – mas porque os pobres podem se infectar com um vírus muito mais perigoso para seus negócios à medida que seus familiares e amigos morrem com água nos pulmões. Se é certo que a morte de favelados não os atinge na alma – um certo “mestre de aprendizes” deixou perfeitamente claro nessa semana -, também é certo que os pobres, em revolta, podem atingi-los não só em suas casas, mas também em seus bolsos. E o que são esses senhores senão mais bolsos que alma?”

Há método na loucura: Bolsonaro e o coronavírus

(7) Gerando desconforto ate entre setores da burguesia, dado o seu caráter de ataque frontal direto, a urgência de suprimir o ponto mais polêmico foi feito, embora, após a revisão, os demais pontos da Medida provisória passaram e aguardam aprovação do congresso.
https://veja.abril.com.br/economia/mp-que-permite-suspensao-de-salarios-sera-revisada-diz-secretario/ e https://oglobo.globo.com/economia/em-nova-mp-governo-reduzira-de-quatro-para-dois-meses-suspensao-do-contrato-de-trabalho-1-24329482

*Friedrich Hayek (1899 – 1992) Representante da Escola Austríaca, foi defensor do liberalismo clássico e procurou sistematizar o pensamento liberal clássico para o século XX. Recebeu o Prêmio Nobel em economia de 1974, “por seu trabalho pioneiro na teoria da moeda e flutuações econômicas e pela análise penetrante da interdependência dos fenômenos econômicos, sociais e institucionais”, se opondo à Teoria Monetária Moderna e tendo Keynes como um de seus rivais teóricos, lançou os princípios econômicos teóricos que viria a contribuir pras formulações neoliberais.

Milton Friedman (1912 – 2006) Economista, estatístico e escritor norte-americano, que lecionou na Universidade de Chicago por mais de três décadas. Recebeu o Prêmio Nobel em Economia de 1976 e é conhecido por sua pesquisa sobre a análise do consumo, a teoria e história monetária, bem como por sua demonstração da complexidade da política de estabilização. É o principal teórico do neoliberalismo.

(8)https://brasil.elpais.com/economia/2020-03-25/casa-branca-e-senado-acertam-o-maior-plano-de-resgate-economico-da-historia-dos-eua.html , https://www.dw.com/pt-br/como-a-alemanha-est%C3%A1-enfrentando-o-impacto-econ%C3%B4mico-da-pandemia/a-52893429

(9) https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/27/O-impacto-da-campanha-%E2%80%98Brasil-n%C3%A3o-pode-parar%E2%80%99-de-Bolsonaro

(10) “O álibi de todos estes movimentos de desvalorizações do capital é a epidemia de coronavirus, o raio da vez no céu azul do virtuoso do mundo do capital. Esse ridículo protagonismo de um misterioso vírus de gripe nos rumos da economia não passa de um grande espetáculo. Mais uma produção de segunda categoria da “sociedade do espetáculo”, definida originalmente por Guy Debord e a Internacional Situacionista*”.

Nas coronárias do capital


* Internacional situacionista – A Internacional Situacionista (IS) foi um movimento internacional de cunho político e artístico. O movimento IS foi ativo no final da década de 1960 e aspirava por grandes transformações políticas e sociais. Ligados ao anarco-comunismo, tiveram atuação destacada no Maio de 1968 Francês.

(11) “Com o advento do coronavírus no quadro de condensação de crises no qual nos encontramos, abriu-se uma disjuntiva com força na luta de classes: ou a classe trabalhadora derruba Bolsonaro ou o militar-presidente, na sua lógica bonapartista, fará a ruptura no Brasil.”

Quem fará a ruptura no Brasil?

(12) Nas falas que fez tanto no lançamento da plataforma Vamos, no Largo da Batata, em São Paulo, em meados de 2017 – M. Freixo e L. Sakamoto – quanto no pré lançamento da candidatura de G. Boulos, em Março de 2018, vimos essas premissas serem discursadas nas falas dos quadros do PSOL e outras personalidades de esquerda presentes quando falavam de economia.

(13) https://lavrapalavra.com/2019/05/17/a-critica-marxista-aos-keynesianismos/

** Vide que a maioria dos últimos ganhadores do Premio Nobel de economia se sustentam na TMM, alem de seus livros se tornarem best-sellers na seção de economia das livrarias e do Kindle.

*** Ultimo argumento – latim

(14) https://www.infomoney.com.br/economia/pedidos-de-seguro-desemprego-nos-eua-saltam-de-282-mil-para-328-milhoes-em-meio-a-coronavirus/

(15) https://oglobo.globo.com/mundo/eua-acusam-governo-da-venezuela-de-terrorismo-narcotrafico-oferecem-us-15-milhoes-por-maduro-24329850. Iasi em seu artigo o 31 de Março de Jair Bolsonaro, percebeu esta movimentação incomum : A viagem do miliciano aos EUA* nos dá a pista. O que Bolsonaro precisa é de uma guerra, ou ao menos algo que pareça uma guerra. Os venezuelanos já sabem, Trump já sabe… Os brasileiros ainda não, mas saberão em breve.
* https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2020-03/bolsonaro-visitara-instalacoes-militares-dos-eua-em-miami

(16) https://br.sputniknews.com/asia_oceania/2019120814868093-secretario-de-defesa-dos-eua-quer-relocar-forcas-para-asia-pacifico-esse-e-meu-teatro-prioritario/

(17) Mauro Iasi, em seu Poder, Estado e Ideologia na trama conjuntural (ICP, 2017) demonstra como setores petistas mais a previa que a promulgação da Constituição de 1988 fosse um instrumento que poderia permitir no avanço da consciência dos trabalhadores e que precisava, com o tempo ser superada. No entanto a revisão da constituição de 1988 teve no próprio PT uma forte oposição.

(18) https://istoe.com.br/dono-do-madero-diz-que-brasil-nao-pode-parar-por-5-ou-7-mil-mortes/

(19) “2. A renovação das ilusões reformistas entre amplas camadas dos trabalhadores, que ascenderam por diversos motivos, está agora, sob os choques da realidade, se esvaindo em direção a um outro estado de ânimo. Após o fim do massacre imperialista, as ilusões reformistas e “democráticas” dos trabalhadores (tanto de trabalhadores privilegiados quanto aqueles mais atrasados ou politicamente inexperientes) estão murchando antes mesmo de florescer por completo. O curso e desfecho das deliberações da Conferência de Washington abalarão ainda mais estas ilusões. Seis meses atrás, havia alguma justificativa para falar em um deslocamento generalizado das massas trabalhadoras na Europa e Estados Unidos da América para a Direita. Hoje, em contraste, o indício de uma guinada à esquerda é indubitavelmente perceptível.” https://lavrapalavra.com/2019/05/01/sobre-a-frente-unica-dos-trabalhadores/

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