‘Reforma trabalhista representa retrocesso ao século XIX’
Opinião é compartilhada pela desembargadora do trabalho aposentada Magda Biavaschi, pelo economista José Dari Krein (foto) e pelo sociólogo Ricardo Antunes. A reportagem é de Manuel Alves Filho e publicada por Jornal da Unicamp, 30-06-2017.
O Brasil vive atualmente uma onda regressiva profunda. Nem mesmo no período da ditadura militar houve uma ofensiva tão dura contra os direitos dos trabalhadores como a que está em curso. Se aprovada da forma como foi proposta, a reforma trabalhista pretendida pelo governo Temer, que é inconstitucional, fará com que o país retroceda ao século XIX no que se refere à proteção social do trabalhador.
A análise resume, em boa medida, as falas de três participantes do seminário “Greve Geral de 1917 – O Centenário da Greve Geral e o Arquivo Edgard Leuenroth [AEL]”, promovido no último dia 28 de junho pelo AEL. Segundo o sociólogo Ricardo Antunes, o economista José Dari Krein e a desembargadora do trabalho aposentada Magda Barros Biavaschi, o que se pretende com a reforma é promover o desmantelamento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), conquistada pelos trabalhadores depois de muita luta.
Os três intelectuais compuseram a primeira mesa do evento, que discutiu o tema “Direitos Trabalhistas de 1917 a 2017 – Da Greve Geral à Reforma Trabalhista de Temer”. Segundo Antunes, que é docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, o projeto reformista do governo federal constitui um grave ataque aos direitos dos trabalhadores, medida que não foi empreendida nem mesmo na ditadura militar. “Desde 1970, nós estamos assistindo a uma contrarrevolução burguesa muito profunda. Chegamos ao período mais destrutivo da história do capitalismo, no qual a barbárie neoliberal vem promovendo o desmonte e a privatização de tudo o que for possível”, afirmou.
Uma das consequências desse processo, continuou o sociólogo, é o avanço da flexibilização, que gera categorias como o trabalho intermitente, princípio que está contido na reforma trabalhista elaborada pelo governo federal, e que já foi aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. “O que se quer com esse tipo de iniciativa é promover a ‘uberização’ do trabalho, como já vem ocorrendo em outros países. Ou seja, a intenção é que o trabalhador fique à disposição das necessidades e interesses da empresa. Quando tem trabalho, ele é chamado e recebe. Quando não tem, fica em casa e não tem remuneração”, comparou.
Outro modelo danoso aos trabalhadores, observou Antunes, é a terceirização, que na opinião do sociólogo representa um retorno à escravidão. “No período da escravidão, o senhor comprava o escravo. Com a terceirização, a empresa aluga a classe trabalhadora. Nunca é demais lembrar que é através da terceirização que se burla com mais frequência os direitos trabalhistas, que se paga os menores salários e que se pratica discriminações de todas as ordens”, pontuou o professor do IFCH.
Segundo José Dari Krein, que é docente do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, tentativas de promover reformas trabalhistas sempre estiveram presentes na história do Brasil. “De tempos em tempos, o capital tenta adequar o trabalho a seus interesses e necessidades”, relatou. Isso vem ocorrendo desde a Primeira República, quando foram estabelecidos, ainda que de forma pontual e esparsa, alguns direitos trabalhistas, que abriram espaço para a posterior formulação da CLT. “Embora tenha representado um importante avanço e tenha ampliado a proteção ao trabalhador, a CLT ainda é uma legislação com baixo grau de efetividade. Ela foi e continua sendo muito burlada. Um exemplo disso é a existência de cerca de 15 milhões de brasileiros que trabalham sem carteira assinada”, assinalou o economista.
Assim como Antunes, Krein considera que, ao propor a flexibilização da legislação trabalhista, a reforma defendida pelo governo Temer representa um retrocesso e contribuirá para o aprofundamento da crise social brasileira. Ademais, assegura o professor do IE, experiências do tipo, levadas a cabo em outros países, demonstram claramente que o desmonte dos mecanismos de proteção social do trabalho não gera emprego, como querem fazer crer os defensores de tal medida. “A geração de emprego depende de outros fatores, fundamentalmente daqueles relacionados à dinâmica da economia”, observou o economista.
Na mesma linha que Antunes e Krein, Magda Biavaschi não tem dúvida de que o projeto de reforma trabalhista do governo, caso aprovado, representará a destruição dos mecanismos de proteção social conquistados pelos trabalhadores ao longo do tempo. “A CLT está imbricada na tessitura da sociedade brasileira. O que as elites brasileiras, que são bastante predatórias, estão tentando fazer é destruir os direitos dos trabalhadores e, consequentemente, as instituições fiscalizadoras, como a Justiça do Trabalho”, analisou a desembargadora aposentada.
Tal tentativa, prossegue Magda, faz parte da cartilha de um movimento mundial, perpetrado por um “capitalismo sem teias”. “Essa reforma representa um retrocesso aos tempos mais arcaicos do Brasil, nos quais os jagunços tinham vez. Além disso, é preciso deixar claro que, ao contrário do que apregoam o governo e o patronato, a reforma não cria empregos. Antes, os tornam ainda mais precários. Isso sem falar que a proposta de reforma tem grandes inconstitucionalidades, como a criação de obstáculos para que as pessoas tenham acesso à Justiça do Trabalho”, defendeu.
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