Nosso maior desafio: Lutar por uma saúde coletiva e popular!
No último 07 de abril foi comemorado o Dia Internacional da Saúde. No Brasil, a data foi lembrada com manifestações em defesa da saúde pública por todo o país.
Apesar de a Constituição de 1988 ter garantido a saúde como um direito universal de todo cidadão brasileiro, pautado em 5 princípios (universalidade, integralidade, equidade, hierarquização dos serviços e controle social), a implementação e regulamentação do SUS ao longo dos anos foi marcada por grandes lutas dos movimentos populares pela manutenção da saúde pública como um direito, à medida em que a privatização dos serviços foi avançando, visando os interesses do complexo médico industrial no Brasil. Em nosso país, antes de um direito, a saúde se converteu em um grande negócio!
Muitos foram (e são!) os mecanismos de desmonte da saúde no Brasil: a implementação da estrutura organizativa do SUS pautada a partir da complementaridade do setor privado; a institucionalização de uma educação dos profissionais de saúde desde uma perspectiva do modelo flexneriano, mesmo em universidades públicas; a realização de pesquisas na área da saúde condicionadas pelo interesse das grandes indústrias farmacêuticas e demandas comerciais, e não de voltados para as reais necessidades de saúde do nosso povo; a demora na institucionalização de fundos específicos para a saúde, especialmente após o fim da CPMF; a privatização da saúde pública através da terceirização de serviços, pela criação das Fundações Estatais de Direito Privado (FEDPs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), Organizações Sociais (OSs), e a legalização das parcerias público-privadas.
Nesse sentido, uma das primeiras medidas tomadas foi a implementação da Lei 9.637/98, que instituiu as OSs, prevendo a extinção do órgão público responsável por áreas sociais decisivas e a absorção de suas atividades por uma entidade privada, qualificada como OS. Isso significa a transferência da gestão e das atividades das políticas públicas para o setor privado, mediante repasse de recursos financeiros, de equipamentos, de instalações públicas e de pessoal, nas áreas através das quais o Estado viabiliza (ou inviabiliza) os direitos sociais garantidos legalmente, subtraindo até mesmo aos Tribunais de Conta a prerrogativa constitucional de fiscalizar os resultados e a gestão dessas apropriações de recursos públicos. O resultado é a transfomacao de hospitais públicos em hospitais mistos (publico/privado), o desvio de recursos, a precarização do atendimento e o não cumprimento da atenção à saúde. Legaliza-se a compra de materiais e medicamentos sem licitação – superfaturados, a priorização de leitos hospitalares a convênios privados (no Estado de SP, por exemplo, são destinados 25% dos leitos hospitalares públicos), e a determinação das políticas de atenção à saúde dando prioridade as metas e custos e deixando em segundo plano as necessidades reais de saúde da população.. Isso reflete em longas filas de atendimento, anos de demora na realização de exames complementares, inviabilização da atenção primaria, secundaria e terciária e dificultando o controle epidemiológico. Ou ainda como o que acontece na cidade de SP, onde empresas de construção civil são responsáveis pela administração da estratégia da saúde da família em determinadas zonas da capital, desconhecendo a prefeitura do total de equipes na cidade; ou o caso da OS Irmandade de Santa Casa de SP, que não vinha realizando ultrassom ou RX no Hospital Municipal São Luis Gonzaga, apesar de receber anualmente R$1 milhão especificamente para esse fim. Para se ter uma idéia, uma investigação da Policia Federal somente no Estado de São Paulo acerca de uma única OS, averiguou que essa faturou mais de 1 bilhão de reais nos últimos 5 anos, dos quais 300 milhões foram desviados em favor de pessoas e empresas. Ademais, estima-se que R$2 bilhões em dinheiro público serão colocados nas mãos de entidades privadas só neste ano em São Paulo.
Como se não bastasse, no último 31 de dezembro foi aprovada através da Medida Provisória 520 (MP-520) a criação da a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S/A, que permite a desvinculação dos Hospitais Universitários de suas respectivas Universidades Federais e sua administração como sociedade anônima (ou seja, de acordo com a legislação, como uma empresa com objetivo de lucro e direito a papéis nas bolsas de valores e, portanto, que atende as demandas do mercado), ameaçando os nossos principais centros de docência e pesquisa públicos na área da saúde.
Diante do desmonte da saúde no Brasil, os movimentos sociais têm se organizado na luta em defesa da saúde pública e manutenção do SUS, através de movimentos organizados como os Fóruns Populares de Saúde, o movimento estudantil e universitário na área da saúde e as lutas em alguns sindicatos dos profissionais de saúde – experiências ainda isoladas ou com grau de articulação incipiente.
Acreditamos que a luta pela saúde no Brasil deve ir para além da defesa do SUS, resgatando os princípios fundamentais da origem do movimento sanitarista, em que as bandeiras da saúde estavam intrinsecamente ligadas a um projeto de transformação profundo da sociedade brasileira. Nossa luta passa pela compreensão do caráter da integralidade da atenção à saúde e a importância dos determinantes sociais nesse processo. Saúde compreende não somente a ausência de doença, mas o direito a condições de vida que permita ao sujeito seu desenvolvimento pleno. A saúde, como expressado nos anais da 8ª conferência em 1986, em seu sentido mais abrangente, é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso à serviços de saúde. É, assim, antes de tudo o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. A Integralidade na saúde consiste ao acesso a todos estes determinantes.
Antes de tudo é necessário definirmos o modelo de saúde que queremos para o povo brasileiro. Desejamos uma saúde pautada na lógica do tratamento e prevenção de doenças, condicionada pelos interesses econômicos das classes dominantes e do complexo médico-industrial? Nos, jovens comunistas, nos opomos a essa concepção.
Almejamos uma saúde coletiva e popular. Uma saúde coletiva entendendo que a saúde é condicionada por determinantes sociais e, assim, pelas relações de classe existentes em um modo de produção específico. Dessa forma é necessário compreender a questão da saúde desde uma perspectiva de classe e do antagonismo dos projetos societários das classes em luta. Torna-se fundamental pensar a saúde a partir da perspectiva societária dos de baixo, como aspecto de central importância para a construção de uma sociedade isenta da exploração entre seres humanos, necessariamente mais coletivizada e de trabalho essencialmente livre. Saúde coletiva pensada como a plena satisfação das necessidades materiais e subjetivas de cada indivíduo e da coletividade, emancipatória.
Uma saúde popular, porque deve atender às reais necessidades do povo, ou seja, das classes exploradas pelo sistema capitalista, trabalhadores do campo e da cidade, desempregados, idosos, adultos e crianças, homens e mulheres de todas as etnias e orientação sexual, oprimidos cotidianamente pelos ditames da lógica do capital. Uma saúde realizada a partir de suas experiências históricas, culturais e de sua prática cotidiana. Popular porque a saúde deve ser construída com, para e pelo povo, numa relação horizontal e de troca de saberes entre os profissionais da área e o povo. Para tanto, compreendemos que a saúde deve ser obrigatoriamente 100% pública e estatal, em que o poder popular seja o principal instrumento de planificação, execução, gestão e controle.
Para alcançar este objetivo não há um caminho fácil, requer a articulação dos diversos movimentos sociais pela construção de uma saúde coletiva e popular para o Brasil, compreendendo esta não como uma pauta especifica, senão abarcadora de diversas frentes. A defesa da saúde contempla a luta por moradia, educação pública e de qualidade e por uma universidade popular, a luta por reforma agrária e urbana, acesso à arte, cultura, esporte e lazer. Além do mais a construção de alternativas populares de atenção à saúde devem estar pautadas nas necessidades, especificidades, experiências cotidianas e no resgate das tradições de nosso povo, entendendo a saúde como processo que envolve autonomia e coletividade.
É sob essa perspectiva que nós, jovens comunistas, reconhecemos o desafio de contribuir na reorganização do movimento popular em saúde, pela defesa do SUS público e estatal e pela reconstrução do movimento sanitarista brasileiro. Aqui estamos. Presente!
Isso somente será possível a partir de uma análise crítica sobre nosso sistema de saúde, compreendendo seus limites dentro da sociedade capitalista, na qual a saúde, como as demais relações sociais, é tratada como uma mercadoria. Que preço se pode pagar pela saúde, pela vida? E aos que não podem pagar por ela, o que lhes resta?
Outros temas sobre os quais devemos refletir para definir nossa ação são a institucionalização do caráter complementar da saúde privada em relação à saúde pública, assim como o progressivo aumento do financiamento público da saúde privada e do complexo médico industrial (a exemplo do programa Farmácia Popular); a não regulamentação do financiamento do SUS, em todas as esferas e governos, bem como a má distribuição de recursos da nação (meio ambiente, educação, saúde, transporte, emprego etc) e a enorme quantidade destes desviados para o pagamento dos juros e amortização da dívida pública do estado brasileiro com monopólios e bancos; a influência, dependência e condicionamento do setor da saúde aos interesses do complexo médico-industrial; a falta de profissionais capacitados para o atendimento médico desde uma perspectiva de uma saúde coletiva, e os cursos da área da saúde com projetos pedagógicos desvinculados com as reais necessidades de saúde da população, cujos conhecimentos academizados e institucionalizados ignoram ou negam as experiências e alternativas populares de acesso à saúde.
Esse debate deve ser feito através da nossa necessária articulação com os diversos movimentos populares, com os estudantes, docentes, pesquisadores e trabalhadores da área da saúde, assim como a população em geral, uma vez que a desinformação desta em relação aos seus direitos e à amplitude do SUS é enorme. Ao mesmo tempo é nosso dever buscar compreender os principais limites e contradições do nosso sistema de saúde, intrínsecos ao atual modo de produção em que está organizada a sociedade brasileira. Para tanto se torna um desafio defender e desenvolver propostas de construção de projetos populares de saúde, articuladas com estratégias de luta visando à transformação da sociedade brasileira pela conformação de uma outra hegemonia dos de baixo que se oponha ao consenso burguês, rumo à construção de um Brasil socialista. Dessa forma defendemos as seguintes bandeiras de luta:
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Lutar pela regulamentação do financiamento à saúde e pela aprovação imediata da emenda 29. Pela redistribuição dos recursos nacionais a partir do não pagamento da dívida pública do estado brasileiro com o Imperialismo, Bancos e Monopólios.
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Lutar pela soberania nacional na área médico-farmacêutica, através da produção de ciência e tecnologia e da formação de um complexo industrial-médico estatal que sirvam ao sistema público de saúde.
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Implementação do SUS 100% público, de administração plenamente estatal, em todos os seus níveis de atenção.
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Criação de planos de carreira nacional aos trabalhadores da saúde.
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Lutar em defesa de melhores condições de trabalho e de remuneração para os trabalhadores da saúde.
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Inserção da luta pela saúde na pauta de construção de um movimento por uma universidade popular.
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Por uma educação dos profissionais da saúde centrada na atenção primária, na saúde coletiva e na diversidade histórico-cultural do povo brasileiro.
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Instituição do serviço social para profissionais egressos de universidades públicas.
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Reconstrução de um Movimento pela Reforma Sanitária a partir dos diversos movimentos populares, como uma das pautas históricas inerentes à luta pela vida.
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Reavivar o trabalho de base, de baixo para cima, não somente entre os trabalhadores da saúde, mas também junto à população em geral, especialmente nos espaços de atuação profissional;
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Não ao ato médico, em defesa da interdisciplinaridade na área de saúde.
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Lutar contra toda forma de privatização da saúde em todos os níveis de acesso.
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Formação técnica para os cargos de gestão do SUS obrigatória e não por indicação política.
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Pensar a saúde da família em todas as especificidades entre campo e cidade, assim como o respeito às diversas formas culturais do povo brasileiro.
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Resgate da cultura popular de saúde.
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Solidariedade internacional a todos os povos oprimidos, especialmente aos que necessitam dos serviços de saúde, pelos princípios do internacionalismo proletário.
Nosso maior desafio é reacender a chama da luta pela saúde de todos e para todos, por uma sociedade de justiça plena e liberdade. Compreendemos a dimensão dessa luta, cuja amplitude é proporcional à necessária de articulação de diversos setores da sociedade brasileira. Antes de uma luta dos trabalhadores da área, a luta por uma saúde coletiva e popular desde uma perspectiva transformadora é uma bandeira de todos os oprimidos, assumida por nós não somente como futuros médicos, mas principalmente como jovens comunistas que ousam sonhar com a utopia de um mundo humano e lutam incansavelmente por uma vida de dignidade e alegria para o povo brasileiro.
Por uma Saúde Coletiva e Popular!
Por um SUS 100% público e estatal!
Ousar lutar, ousar vencer!
Maio de 2011 – Havana/Cuba