O internacionalismo deve construir o caminho

Por Eduardo Matos, secretário de Relações Internacionais da UJC

Camaradas, quero trazer uma reflexão para todos aqueles que sonham com uma sociedade livre de classes, com o fim da exploração do homem pelo homem e com a emancipação humana. A luta de classes trouxe conquistas inquestionáveis para os trabalhadores ao redor do mundo, e os comunistas souberam observar a realidade e se apropriar de ferramentas teóricas para analisá-la e transformá-la. Hoje, artigos e pesquisas fundamentam decisões importantes das organizações políticas, existem grupos de estudo e debate, agitamos essas propostas e, assim, a luta avança, as vitórias chegam.

Uma pergunta que vos faço: o internacionalismo é apenas a organização ideológica da disciplina e da consciência para a solidariedade com outros povos? Sabemos que não. Porém, a organização das sociedades internacionalmente há tempos não está na agenda das organizações. Quero convidar você que lê a pensar sobre isso e lembrar que o texto, dentro de uma organização comunista, não é norma. Espero que, tão somente, eu possa abrir um debate, instigar o interesse e a criatividade de cada um. Os acertos virão da construção coletiva.

Não debatemos suficientemente o internacionalismo
O internacionalismo é uma das bases fundamentais do movimento comunista. O entendimento de que existe a divisão internacional do trabalho, as mazelas do colonialismo, do imperialismo e o caráter internacional da luta de classes não é novidade. Denunciamos as amofinações enfrentadas pelos povos do mundo, somos solidários às causas justas e defendemos a autodeterminação dos povos. Entretanto, diferentemente de outras disciplinas que são estudadas com maior rigor pelos comunistas, como a economia, a pedagogia e a sociologia, as relações internacionais permanecem isoladas em bolhas acadêmicas. Isso constitui um entrave para o avanço de formulações políticas centrais ao futuro do movimento comunista internacional e à vitória que estamos construindo para uma humanidade liberta.

A disciplina de relações internacionais abrange os estudos voltados à compreensão da ordem política que rege o mundo, à explicação de fenômenos políticos e sociológicos que afetam a vida humana e à análise do poder e do futuro das civilizações, tendo como base primordial a investigação do sistema formado pelos Estados nacionais. Trata-se de uma disciplina relativamente nova, consolidada no período pós-Primeira Guerra Mundial, cujos debates foram duramente influenciados pela disputa hegemônica entre os Estados Unidos e a União Soviética. Além disso, muitos de seus aspectos estruturantes ainda estão sendo amadurecidos pela própria academia.

Mesmo entendendo que as ferramentas teóricas das relações internacionais estão em constante disputa, é fundamental integrá-las às análises conjunturais que realizamos sob essa ótica, para evitar erros comuns entre aqueles que não tiveram exposição à disciplina. Tais erros nos afastam da ciência e nos aproximam das aparências. Frequentemente, incorre-se em análises internacionais marcadas por determinismos que apequenam a centralidade política dos fenômenos no sistema internacional. Entre eles, destacam-se o determinismo geográfico, que banaliza a geopolítica; o determinismo econômico, que resulta na construção de discursos que fortalecem a ordem estabelecida, liberal e capitalista; a concentração da agência política na institucionalidade; ou, por outro lado, o abandono completo da institucionalidade em nossas táticas. Essas posturas levam ao esvaziamento do âmbito internacional como espaço de disputa para o nosso campo político. É urgente superar a estereotipação da disciplina de relações internacionais e reconhecer sua potência enquanto ferramenta transformadora da realidade.

Neste sentido, é importante diferenciar as relações internacionais da geopolítica. Esta última parte do princípio de que aspectos geográficos dificultam ou facilitam a interação humana e o desenvolvimento em determinado território, especialmente ao observar a disponibilidade de recursos para o desenvolvimento econômico. Embora se mostre uma ferramenta interessante para a análise política, a geopolítica revela-se pouco adequada para explicar fenômenos sociopolíticos, pois baseia-se em um determinismo geográfico que supostamente guiaria as ações dos Estados ao longo da história. Cabe destacar também que o surgimento da geopolítica ocorreu entre o final do século XIX e o início do século XX, nas grandes potências imperialistas europeias, sendo historicamente empregada como justificativa para o expansionismo e a conquista de poder por países como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Em uma análise marxista, é essencial considerar as “lacunas” deixadas pela geopolítica, levando em conta a relevância da política. Isso porque o próprio Estado, suas características e as relações entre instituições são construções sociais – ou seja, convenções que estão em constante disputa.

A geopolítica é uma ferramenta importante na análise conjuntural, mas não deve ser o fator determinante. Não é adequado utilizarmos categorias, ferramentas teóricas e narrativas que reforcem a divisão de classes, o esvaziamento da agência política da classe trabalhadora e a manutenção do sistema internacional atual, que é capitalista, liberal e conformado pela hegemonia de potências burguesas, colonizadoras e genocidas.

É evidente que as relações internacionais, enquanto disciplina, estão hoje distantes dos principais debates que alcançam a classe trabalhadora. Isso ocorre não apenas pela imaturidade da disciplina em seu desenvolvimento histórico, mas também pelo interesse daqueles que detêm a hegemonia do sistema. Dessa forma, a produção acadêmica não se traduz em capacidade organizativa, disputa política ou apropriação do conhecimento em prol do avanço das nossas lutas – uma situação que também ocorre em outras áreas estratégicas, como a Economia. Isso abre espaço para que a propaganda seja frequentemente a única forma utilizada para a explicação dos fenômenos internacionais. Nesse contexto, é comum a simplificação de categorias e o uso inadequado de termos, geralmente desconectados da realidade histórica, com o objetivo de cooptar a consciência da nossa classe de maneira acrítica.

O Sistema Internacional é de interesse dos trabalhadores. Ele é um espaço de disputa política, questionamento e enfrentamento da ordem estabelecida. Seu funcionamento, sua normatividade e as ciências que sustentam sua operação reverberam diretamente na vida cotidiana de cada um de nós. O entendimento da divisão internacional do trabalho, da hegemonia dos países do capitalismo central, da tipificação de movimentos sociais como criminosos, do revisionismo histórico e de outros fenômenos é central para o sucesso da organização da classe trabalhadora e para a possibilidade do estabelecimento do socialismo. Atuar nesse espaço com qualidade deve ser uma prioridade, e preparar a formação para essa qualificação é uma necessidade histórica.

As relações internacionais carregam consigo o estereótipo de uma disciplina indisputável, que, justamente, apenas reforçaria o sistema internacional da ordem estabelecida. Essa visão precisa ser superada. A compreensão do sistema internacional, sua crítica qualificada e a projeção de uma nova perspectiva e de um novo projeto para ele são necessidades latentes, pois o sistema internacional hegemônico é o grande responsável pelos embargos, sabotagens e boicotes às experiências nacionais mais próximas do socialismo ou socialistas. O esvaziamento do campo socialista em âmbito internacional trouxe grandes derrotas para a nossa classe. A não mobilização da classe trabalhadora nesse nível prejudica o avanço do socialismo nos países. A mudança da ordem estabelecida no sistema internacional é histórica, possível e está acontecendo diante dos nossos olhos neste momento. É necessário ocupar esses espaços para formular e lutar pelos novos termos que regularão as relações internacionais da próxima era, ou pax.

O que está em disputa nos debates das relações internacionais?
Dentro das relações internacionais, assim como em todas as ciências, existem diferentes linhas de pensamento, que analisam a realidade a partir de propostas e perspectivas contraditórias. Há linhas de pensamento, também chamadas escolas, que apresentam maior compatibilidade com a nossa linha política. Elas são os óculos que usamos para enxergar o mundo, e precisamos enxergar o que está distante e marginalizado. Precisamos corrigir o astigmatismo para solucionar a miopia.

É interessante, portanto, que nossos posicionamentos, escritos e políticas sejam pensados de forma a não propagarem ferramentas teóricas e categorias contraditórias, que estabeleçam obstáculos ao avanço da luta de classes. Em uma analogia com a Economia, é fundamental que não nos posicionemos nem tomemos decisões que corroborem a propaganda da privatização, da financeirização da economia, como a responsabilidade fiscal, entre outros.

Devemos pautar nossa linha em relações internacionais com consistência e maturidade teórica, a fim de direcionar a ação prática de forma mais estratégica, consciente e acertada, alcançável pela militância.

Existem diversas escolas de pensamento nas relações internacionais, como o Realismo, o Liberalismo, a Teoria Crítica e o Marxismo. Há também outras escolas, como o pós-modernismo, o construtivismo, o feminismo, a Escola Inglesa e a chamada política verde. No entanto, para uma contextualização mais geral, o confronto entre essas quatro primeiras é suficiente em um primeiro momento.

O Realismo em relações internacionais é uma escola de pensamento amplamente difundida, pois, dentro do desenvolvimento histórico da disciplina, é a mais antiga e estudada, sendo a escola hegemônica das relações internacionais. Os elementos comuns aos realistas são: a centralidade do Estado, que sempre busca manter sua sobrevivência; a função do poder, que garante a manutenção dessa sobrevivência; a autoajuda, que assegura a sobrevivência de maneira independente, ainda que por meio de alianças; e a anarquia internacional, característica do sistema internacional que é incapaz de regular as relações entre os Estados. O Realismo considera a “natureza humana” como elemento importante para sua formulação. Nesse caso, o ser humano é visto como naturalmente egoísta e autocentrado, em uma visão diretamente inspirada na obra de Thomas Hobbes (“O homem é o lobo do homem”). A Realpolitik alemã é um clássico exemplo de análise realista. Muitas vezes, os Estados são obrigados a cooperar e a formar alianças para sobreviver, sobretudo em função de um equilíbrio de poder, ou seja, buscando manter uma distribuição equilibrada de poder no plano internacional. Assim, se um Estado se torna muito poderoso, os outros podem formar um bloco para neutralizar seu poder e reduzir os riscos que ele representa à segurança de cada nação.

O Realismo apresenta como principal problema a impossibilidade de mudança. Há apenas a mudança dos “Estados mais fortes”, que regularão o Sistema Internacional por meio de seu poder e força. No entanto, sendo o sistema fechado e anárquico, essa realidade não se modifica, independentemente das transformações sociais que ocorram. Nesse sentido, o Realismo não problematiza o sistema socioeconômico, tratando-o como uma questão secundária. Os realistas são anti-marxistas, pois afirmam que a ascensão de governos socialistas pelo mundo não impediria a competição entre os países, considerando essa visão idealista. Essa concepção realista deriva da ideia de que as características do sistema internacional refletem a natureza humana. Em contraposição, o marxismo rejeita concepções que postulam a natureza como um aglomerado inerte, distinguindo-se por uma análise orientada pela dimensão histórica e pelo papel da práxis humana. Além disso, o Realismo se distancia do entendimento do internacionalismo proletário, que é um pilar histórico do Movimento Comunista Internacional. Este defende que uma sociedade solidária de classe não apenas é possível, mas também necessária, a partir da elevação da consciência da nossa classe.

O Liberalismo é a escola em maior ascensão e disputa a hegemonia com o Realismo. Normalmente considerados “idealistas” pelos expoentes das escolas realistas, os liberais têm uma visão predominantemente positiva da natureza humana e veem o Estado como um mal necessário. Para os liberais, as relações internacionais podem envolver cooperação e paz, possibilitando o crescimento do livre comércio e a expansão dos direitos universais. Os liberais enfatizam as relações internacionais como um palco em que atuam múltiplos atores, como os Estados, as organizações internacionais, as empresas transnacionais e os indivíduos. Por esse motivo, também são chamados de pluralistas e institucionalistas. Eles acreditam que as relações internacionais podem assumir um aspecto mais otimista e livre de guerras, motivado principalmente pelo livre comércio. A interdependência é um conceito amplamente utilizado pelos liberais para sustentar suas teses.

O principal problema do Liberalismo em relações internacionais é a manutenção do sistema capitalista como um objetivo necessário. Os liberais propõem uma reforma do sistema internacional baseada no fomento e no estabelecimento de cooperação, comércio e acordos, utilizando como método as premissas do liberalismo capitalista. Tanto o Liberalismo quanto o Realismo trabalham com e para a manutenção da ordem estabelecida.

A Teoria Crítica em relações internacionais surgiu na década de 1980 como uma crítica ao debate entre neorrealistas e neoliberais e à centralidade do Estado como principal ator do Sistema Internacional, reacendendo, mais uma vez, o debate metodológico nas relações internacionais. Essa teoria se fundamenta em autores marxistas e neomarxistas, resgatando deles conceitos e metodologias para propor uma nova perspectiva sobre o Sistema Internacional, não apenas para sua leitura e entendimento, mas também para sua transformação. A Teoria Crítica compreende que o mundo está em constante metamorfose e que as conjunturas são transitórias. Resgata, do marxismo, o materialismo histórico e o entendimento de que as estruturas são produtos históricos e, portanto, passíveis de mudança. Os teóricos críticos propõem um caminho normativo alternativo para o Sistema Internacional, que favoreça a sociedade e ponha fim às injustiças sociais, mesmo que isso implique romper com a ordem estabelecida.

A Teoria Crítica sustenta a centralidade da sociedade como motor do Sistema Internacional, a partir de sua emancipação. Essa emancipação significa a libertação da sociedade de estruturas desnecessárias de controle e dominação, promovendo, assim, sua autodeterminação e autonomia. Essa transformação ocorreria por meio de um esforço que colocaria a oposição em uma posição igualmente crítica, trazendo à luz os problemas e contradições do sistema. Dessa forma, busca-se fazer com que, a partir de suas próprias percepções, os atores sociais se unam à luta contra-hegemônica para a construção de uma nova ordem. Esse é um trabalho de formação de base, que deve pregar um cosmopolitismo universalista, mas limitado pelo respeito à pluralidade humana e que não deve aderir a estruturas padronizadas para sua execução. O objetivo é a gênese de novos instrumentos de governança e a intensificação da democracia, ao repensar as comunidades a partir das lutas sociais e de suas causas. É importante destacar que a Escola Crítica em relações internacionais é muito ampla, abarcando autores que se contradizem e divergem em diversos aspectos. Também inclui leituras específicas sobre temas particulares, que nem sempre se apresentam como uma teoria geral para as relações internacionais.

Das escolas teóricas de relações internacionais, uma das menos consolidada e recente é o Marxismo. Embora Marx não tenha uma obra acabada sobre o Estado, são inegáveis as contribuições dele e de outros Marxistas para análises do Estado enquanto instituição de controle social e manutenção do poder burguês. O fato de Marx pensar que o socialismo seria um fenômeno global e não europeu merece comentários adicionais. Enquanto a guerra, o imperialismo e o comércio simplesmente destruíram o isolamento das sociedades humanas anteriores, o capitalismo direcionou todas as seções da raça humana para um único fluxo histórico.

Poucos estudiosos de relações internacionais reconheceram a importância dessa preocupação com a unificação econômica e tecnológica da espécie humana, com a ampliação das fronteiras da cooperação social e com as forças que bloquearam avanços na solidariedade humana. Poucos estudiosos tradicionais comentaram sobre seu fascínio pela relação entre internacionalização e internacionalismo, mas esses são temas cruciais em seus escritos que contêm muito do que deve interessar ao estudante de relações internacionais contemporâneas. Os marxistas enxergam que as burguesias nacionais controlam os diferentes sistemas de governo para preservar e perseguir os seus interesses, e que há um crescente aumento da classe trabalhadora e sua precarização, num entendimento que há um caráter cosmopolita da nossa classe. A relação das burguesias nacionais era objeto de estudo frequente. A radicalidade da classe trabalhadora já se mostrou capaz de propor mudanças estruturais no sistema, e que através da ação revolucionária poderá mudar o fluxo histórico que o capitalismo impôs sobre as sociedades.

As abordagens marxistas das relações internacionais refletiram sobre os processos que levaram à unificação econômica e social da humanidade, enfatizando o papel desempenhado pelo capitalismo moderno na aceleração desse desenvolvimento. Substituir a alienação, a exploração e o estranhamento por uma forma de cooperação universal que promovesse a liberdade para todos era a aspiração ética central dessas análises. O proletariado internacional era considerado o sujeito histórico capaz de realizar esses objetivos. No entanto, o crescimento do nacionalismo e o perigo iminente de guerra na Europa levaram Marx e Engels a reconsiderar a natureza do caminho para a emancipação universal. Desde o início até as análises mais recentes sobre a desigualdade global, os marxistas têm enfrentado a questão de saber se a globalização capitalista está destinada a preparar o caminho para o internacionalismo ou se as poderosas formas de lealdade nacional continuarão a impedir esse processo.

Alguns autores interpretam o caráter da luta de classes e da produção como elementos fundamentais das relações internacionais, destacando, por exemplo, a noção de luta de classes vertical e horizontal, proposta por Vendulka Kubalkova. Esse debate relaciona a distribuição internacional do trabalho com o papel hierárquico das próprias burguesias, cujo papel é determinado e limitado pelos países do capitalismo central. Essa relação hierárquica reflete diretamente na luta de classes vertical, dentro dos respectivos países, evidenciando como as dinâmicas internacionais influenciam as contradições de classe no âmbito nacional.

O Marxismo e a Teoria Crítica, em suas principais contribuições, não se apresentam como contraditórios. No entanto, a Teoria Crítica se distancia da centralidade da produção como elemento determinante nas relações internacionais.

A importância da apropriação deste debate
Para além das motivações que abrangem lutas que afetam toda a classe trabalhadora, a juventude também carrega a tarefa de estabelecer sua voz em arenas internacionais. Historicamente, a juventude ocupa um papel coadjuvante em grandes organizações internacionais, tendo suas pautas frequentemente minimizadas. É fato que a juventude é um segmento social precarizado pelo capitalismo, com sua agência política constantemente sabotada, como se o jovem fosse um ser incompleto, sub-humano, incapaz de formular políticas para si enquanto segmento social e de contribuir para a construção de políticas mais amplas. A reversão desse quadro exige a ocupação dos espaços políticos e a mobilização da juventude, o que, por si só, já representa uma pauta específica, estratégica e essencial para qualquer organização de juventude. A escolha das táticas para essa inserção – seja por meio institucional ou através de outras ações, como greves, atos, fóruns e conferências – não diminui a especificidade dessa tarefa, tampouco a necessidade de compreender dinamicamente os espaços institucionais estabelecidos e como melhor impactá-los.

Existem três categorias de forças que atuam na estrutura, segundo o autor Robert W. Cox. A primeira é a das ideias, que representam a capacidade persuasiva e a habilidade de moldar comportamentos. A segunda é a capacidade material, que diz respeito à disposição de tecnologias e meios para o exercício prático do poder. A terceira, e última, é a categoria das instituições, que servem como meio de perpetuar a ordem por meio da normatividade. Essas três esferas estão em constante relação dialética. Nossa organização já está inserida em espaços de formulação política internacional. Resta-nos qualificar ainda mais o trabalho realizado e promover ações formativas e mobilização interna, para que toda a militância se aproprie desse conhecimento e consiga desenvolver atividades que capilarizem as discussões em todo o território de atuação da organização.

Com o tempo, o movimento de autoconstrução e vanguarda transcorrerá com maior fluidez e organicidade, à medida que os debates nas bases amadureçam e as estruturas coesas se consolidem para operacionalizar a projeção da linha política da organização em nível internacional.

Isso é estratégico, pois resgata o dever histórico do povo latino-americano de tomar as rédeas de seu próprio destino e de partilhar com os demais povos do mundo a responsabilidade pela construção da sociedade comunista.

A articulação com outras juventudes de diferentes países, visando elaborar propostas para questões como essas, é fundamental para contemplar os diversos interesses e perspectivas sobre as problemáticas. Assim, esses temas podem unir e mobilizar a juventude trabalhadora, em vez de acentuar divergências. Além de promover a solidariedade internacional, é necessário aprofundar o envolvimento das juventudes nesses temas de interesse comum, sem abrir espaço para o hegemonismo, o eurocentrismo ou o orientalismo.

O socialismo é capaz de e deverá dar respostas às opressões e injustiças no mundo
O Sistema Internacional é falido porque suas arenas servem aos interesses do capital. Os governos dos Estados burgueses atuam como meros validadores dos capitalistas que os promovem, financiam e elegem. Isso se reflete na operação de espaços que deveriam ter um caráter mediador, atentos às resoluções coletivas e à defesa dos direitos humanos. A institucionalidade burguesa demonstrou ser incapaz de responder aos problemas globais. Assistimos, ao vivo, a genocídios, permitimos injustiças, boicotes e bloqueios, e sentimos na pele os efeitos da devastação ambiental. O sistemático desrespeito ao direito internacional, ao direito da guerra e a tantos outros instrumentos normativos evidencia a falência desse sistema. Todo esse aparato foi cuidadosamente desenvolvido para não ameaçar a ordem estabelecida nem prejudicar os interesses burgueses. Isso ocorre porque as organizações internacionais foram criadas por Estados burgueses com o objetivo de manter a existência desses próprios Estados. Os Estados burgueses monopolizam a agência política em âmbito internacional, e, quando não o fazem diretamente, delegam esse papel às corporações ou a organizações que não proponham rupturas estruturais.

Camaradas, a revolução que há de chegar para libertar os povos desta Terra não eliminará, de imediato, as contradições herdadas da sociedade capitalista. Essa realidade é histórica e está documentada nos países que conquistaram suas revoluções. Olhar com atenção para o dia seguinte não é utopia, nem devaneio, mas uma necessidade para evitar que as opressões sistêmicas resultem no fracasso da sociedade que estamos construindo. Devemos questionar e desafiar nosso entendimento de organização social e política, assim como o eurocentrismo que permeia o pensamento e as categorias. A libertação dos povos deve permitir que eles trilhem seus próprios caminhos. Isso, contudo, não eliminará a necessidade de normas, regras, acordos, convenções e outros instrumentos. É claro para nós que o direito é uma ferramenta de controle de classe. Porém, isso não significa que instrumentos de normatização serão dispensáveis no amanhã socialista.

O Estado burguês deve cair. O Sistema Internacional, como o conhecemos, irá ruir. Contudo, esse será um processo que ocorrerá em tempos, custos e qualidades diferentes. Devemos estar preparados para lidar com o período de transição, que poderá durar décadas ou até séculos. Observamos o surgimento de polos de influência e o aumento das tensões nos séculos XX e XXI, com destaque para as experiências revolucionárias da União Soviética e da China. Assim, espaços e instâncias contraditórias para a manutenção da paz e a negociação com países capitalistas continuarão a existir. Planejar e se inserir nesses espaços com estratégia é fundamental. Formular e criar espaços paralelos para o avanço das políticas socialistas é igualmente essencial, pois estes substituirão os espaços burgueses.

Em um mundo majoritariamente revolucionário, os países deverão eliminar as assimetrias de capacidades e poder. Esse exercício será progressivo e competirá com a necessidade de enfrentar, com igual capacidade, os países capitalistas. Será necessário reconhecer aspectos básicos de uma sociedade que está se libertando do capitalismo, integrá-los e proteger-nos mutuamente, ao mesmo tempo em que se desenvolve a capacidade de resposta adequada contra Estados que ameacem o triunfo da revolução. Espaços colegiados de debate qualitativo e construção coletiva deverão existir para mediar essa relação, colocando os interesses da classe trabalhadora em primeiro lugar.

O Estado burguês deverá cair, e isso significa desmontar as ideias que o sustentam. A soberania estatal, as fronteiras e todo o direito internacional devem ser desafiados. A autodeterminação dos povos implicará reconhecer e legitimar formas de organização política e social distantes do que hoje entendemos como Estado e nação. Soluções disruptivas e o diálogo paritário deverão ser os caminhos para solucionar conflitos de convivência e territorialidade.

Nós, comunistas que vivemos neste território que se desenvolveu como Brasil, devemos ter consciência de que o nosso socialismo deverá respeitar e negociar com as sociedades indígenas. Isso não significa apagar a história do que foi feito neste território, mas compreender que existem povos reprimidos que não se veem como parte desse construto e que desejarão sua emancipação. Essa emancipação pode não assumir uma forma sequer próxima do que entendemos como Estado, com cidadãos, território, exército e governo.

Existe uma relação distinta entre os próprios povos indígenas e entre eles e a população descendente dos colonizadores, em grande parte conformada com a forma-Estado assumida pelo Brasil. Avançar em uma proposta sem a participação dessas sociedades indígenas seria uma contradição com o ideal que acredito ser o correto. Se quisermos ser revolucionários, devemos estar preparados para o diferente: conviver, entender e respeitar as formulações políticas indígenas e autóctones, pensando em relações políticas e humanas que lhes deem o mesmo prestígio que hoje se atribui às formulações europeias.

É necessário combater o orientalismo. Estamos condicionados a imaginar o mundo como um mapa com linhas, bandeiras e hinos. Não há espaço para paz ou sobrevivência nesse mundo; ele precisa ser superado. Este mundo uniformiza, coloniza e condiciona – é tudo o que queremos abolir. Ao destruir as grades e libertar o pensamento humano das celas, abrimos caminho para a plenitude do avanço e das respostas, que poderão surgir de qualquer lugar e inspirar transformação. Trata-se de enxergar a humanidade em sua suficiência, elevar o respeito e abandonar a pretensão de salvar aqueles que não pedem para ser salvos. Ouvir, respeitar e agir diante do grito dos que se indignam será o fundamento de um novo projeto revolucionário.

A ideia de que o desenvolvimento, tal como o conhecemos, é necessário para o avanço social está intimamente ligada à organização do Estado burguês. Por isso, ainda intimida muitos a ideia de que precisamos interromper o nível de produção e consumo em nome das condições de sobrevivência no planeta. O Estado aprisiona a riqueza e condiciona regras que retroalimentam sua própria existência e necessidade. Se conseguirmos garantir sistemas de cooperação e interatividade entre os povos do mundo, mesmo em organizações sociais que se assemelhem a Estados, veremos a lógica de produção predatória se enfraquecer e cair. Os países que ainda não se industrializaram poderão fazê-lo, enquanto os já industrializados poderão restringir sua produção às necessidades internas. Poderá haver intercâmbio e comércio voltados para a otimização das produções. Normas internacionais (faz sentido o termo “internacional” neste contexto?) poderão ser estabelecidas para ajudar e garantir o objetivo de elevar a qualidade de vida. Onde for estratégico manter florestas, elas deverão ser preservadas, entendendo que isso não limita o acesso à qualidade de vida das populações locais. Afinal, com a abundância de terras improdutivas disponíveis, não há justificativa para desmatamento.

Até aqui, enxergamos um mundo organizado por normas e instrumentos que podem progressivamente assemelhar-se, ou não, às instituições que temos hoje. Há, entretanto, um elemento determinante para a vitória dos socialistas: a paz. A paz não pode ser um valor difuso ou apenas um componente ideológico. A paz deve ser uma condição necessária. No período de transição, ela exigirá condições iguais de enfrentamento contra aqueles que ameacem o avanço da revolução. A paz, a longo prazo, poderá significar a diminuição da necessidade das armas e a possibilidade de direcionar esforços tecnológicos e recursos materiais para o avanço social. A paz gira em torno do comum acordo, da suficiência dos povos, da independência na mediação, da justeza, do reconhecimento e da compensação. Os acordos entre as organizações político-sociais que governam as sociedades deverão considerar as disparidades históricas, os objetivos coletivos e a experiência de qualidade de vida das partes envolvidas. Esses acordos deverão ser passíveis de revisão periódica, dependendo do tema.

Para criarmos um Sistema Internacional verdadeiramente revolucionário, é fundamental que a sociedade civil organizada, por meio de suas organizações, participe ativamente de espaços de formulação e deliberação política internacional e que seus apontamentos sejam considerados, principalmente em tópicos que os afetem diretamente, a ponto de interferir nas decisões. É necessário aproximar os instrumentos de decisão política do povo. Isso criará um equilíbrio entre o que dizem as lideranças políticas estabelecidas e as demandas de minorias e grupos sociais que se sintam oprimidos. Para isso, podemos fazer uso da tecnologia e de ferramentas como consultas públicas, fóruns, congressos e plenárias. Existem diversas formas de qualificar e quantificar o apoio a uma ideia, e essas formas devem ser empregadas para legitimar decisões importantes.

A nossa tarefa hoje
Existem dezenas de pesquisas e estudos em relações internacionais de imensa contribuição para a disciplina, originários de diversos países. É imensurável a qualidade e a importância da contribuição marxista já feita até o momento para as relações internacionais, ainda que se reconheça a incipiência de sua sistematização e consolidação. É intrigante que exista um vasto conhecimento vindo de países do Sul Global que ainda não alcançamos. Devemos buscar formas de acessar essa produção, fazer ecoar diferentes pensamentos e aprender com eles. Mais importante que o simples acesso e debate é construir a realidade a partir desses acúmulos. Não é necessário esperar. Podemos fazer da nossa militância um laboratório para o desenvolvimento de métodos, processos e soluções que popularizem temas, aproximem as massas e possibilitem que nossa classe se torne participativa na formulação e decisão de políticas de âmbito internacional, abrangendo os mais diversos temas.

A articulação com outras organizações de diferentes países, com o objetivo de construir propostas para as diversas questões e contradições que surgirem desse debate, é fundamental para contemplar diferentes interesses e perspectivas sobre as problemáticas. Esses temas devem unir e mobilizar a militância trabalhadora, em vez de representarem divergências que a dividam e paralisem. Além da solidariedade internacional, é essencial aprofundar o envolvimento das organizações nesses temas de interesse comum, evitando qualquer espaço para hegemonismo, eurocentrismo e orientalismo. Quão rica seria a experiência de um congresso internacional dedicado a pensar e organizar o sistema internacional!

Nossa tarefa, por fim, é fomentar a apropriação dos estudos em relações internacionais que possibilitem enxergar no outro um igual. A partir disso, devemos superar o vício de protagonizar, dando lugar à necessidade de construir coletivamente. Sem o estabelecimento de um novo sistema internacional, corremos o risco de auto-sabotagem e de frustrar processos de avanço e conquistas para a classe trabalhadora. A preparação é indispensável, camaradas, pois a vitória está logo ali, na esquina.

https://ujc.org.br/o-internacionalismo-deve-construir-o-caminho-do-amanha/