Daniel Jadue e o “Pecado” Popular
(ou de como o lawfare nos ensina a não dormirmos na América Latina)
Diego Aguirre – Secretário Político do Regional Exterior do Partido Comunista do Chile
– Quando eu era criança, me ensinaram que a justiça era uma balança: dois pratos perfeitamente equilibrados, um símbolo de que, se alguém agisse bem, nada de ruim poderia acontecer. Aprendi isso nos livros de História, nas aulas de educação cívica e, claro, nos discursos na escola, onde algum professor, com um senso de solenidade, recitava que “ninguém está acima da lei”. Hoje, vendo o que está acontecendo no Chile com Daniel Jadue, me pergunto se a balança já não estava quebrada… ou se, melhor, alguém a está inclinando com um dedo invisível, alguém perfeitamente treinado para isso.
Porque não nos enganemos: o Ministério Público pediu prisão preventiva e inabilitação política para Jadue, acrescentando acusações que, se bem-sucedidas em seu sentido mais amplo, podem se traduzir em penas de até 18 anos de prisão e proibição de exercer cargos públicos. Uma pena desproporcionalmente grande para um caso em que, segundo sua defesa, não há enriquecimento ilícito nem prejuízo financeiro, mas sim um debate sobre a gestão de recursos em iniciativas municipais de base. Em outras palavras: ele está sendo perseguido como se fosse um criminoso perigoso, quando o que fez foi administrar um município incômodo para os poderes de sempre, multiplicando essa experiência em nível nacional.
A cena, mais do que um ato de justiça, parece um déjà vu. Já o vimos antes, em 2009, em Honduras com Zelaya; em 2012, no Paraguai com Lugo; em 2016, no Brasil com Dilma; em 2018, no Equador com Correa; em 2018, no Brasil com Lula; em 2024, até hoje, no Chile com Daniel, e agora também com Cristina na Argentina. Todos diferentes, todos com seus sotaques e maneirismos, mas com uma coincidência tão clara que poderia passar por um padrão: líderes que promoveram políticas populares, que tocaram em rígidos interesses, que ousaram incomodar aqueles acostumados com que o campo de jogo permanecesse sempre o mesmo… até que, misteriosamente, os tribunais se tornam os protagonistas da política.
A esse roteiro foi dado um nome: lawfare. Uma guerra que não usa fuzis ou tanques, mas promotores, arquivos e manchetes de jornais. E, como qualquer guerra, tem sua primeira vítima: a confiança do povo. Porque, quando a justiça se sente como uma arma, o que se corrói não é apenas a reputação de um dirigente, mas a própria ideia de que as regras do jogo são justas.
Em Recoleta, Jadue fez algo que alguns consideraram imperdoável: demonstrar que era possível governar pensando na maioria. Farmácias, óticas, livrarias, imobiliárias populares, a preços acessíveis … políticas que não só melhoraram a vida das pessoas, como também desafiaram diretamente os negócios de quem ganha a vida lucrando por meio do aumento dos preços dos bens e serviços básicos. Foi aí que começou a dívida que querem cobrar dele.
Alternativas para manter sua candidatura parlamentar existem, mas estão em disputa. No âmbito judicial e, certamente, no campo político: a pressão pública e o apoio de seu partido e aliados, que poderiam influenciar o processo para que não fosse usado para cassá-lo. Porque, embora a lei chilena o impeça de ser candidato caso seja condenado por crimes com pena privativa de liberdade, a prisão preventiva sem sentença transitada em julgado não é suficiente para destituí-lo automaticamente do cargo… embora já saibamos que, na prática, a imagem de um candidato atrás das grades pode ser tão devastadora quanto uma condenação.
Portanto, para os progressistas da América Latina, o caso de Jadue não é apenas um problema local. É um alerta com sotaque continental: não basta ganhar eleições, é preciso blindar o sistema democrático contra a manipulação judicial.. Devemos olhar para Brasil, Equador, Argentina e entender que o que acontece hoje no Chile pode bater à porta amanhã em qualquer outra cidade, com outro nome e outra bandeira.
Apoiar Daniel Jadue agora envolve mais do que apenas declarações: significa manter vivo o debate sobre o uso político da justiça, divulgar informações verificadas para contrariar a narrativa oficial, mobilizar redes de solidariedade que façam ouvir suas vozes mesmo que tentem silenciá-las e manter a pressão social para garantir que o processo seja justo e transparente. Significa entender que, nesses casos, o silêncio não é neutralidade, mas cumplicidade. Porque o que está em jogo não é apenas o futuro político de um líder, mas o direito do povo de escolher sem um processo judicial escrito com tinta política marcando seu voto.
No final, talvez a balança da justiça ainda esteja lá, intacta, mas cercada por mãos tentando empurrá-la. Nossa tarefa é simples e difícil ao mesmo tempo: não desviar o olhar, não aceitar o roteiro sem questionar e lembrar que, hoje, as liberdades democráticas não se perdem de um só golpe … mas sim por pequenas inclinações que parecem técnicas, mas são políticas.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Publicação original:
Jadue y el “Pecado” Popular
(O de cómo el lawfare nos enseña a no dormirnos en América Latina)
Cuando era niño, me enseñaron que la justicia era una balanza: dos platillos perfectamente equilibrados, un símbolo de que, si uno actuaba bien, nada malo podía pasarle. La aprendí en los libros de historia, en las lecciones de educación cívica y, por supuesto, en los discursos en el colegio, donde algún docente, con solemnidad de mármol, recitaba que “nadie está por encima de la ley”. Hoy, viendo lo que ocurre en Chile con Daniel Jadue, me pregunto si la balanza no se habrá roto hace tiempo… o si, más bien, alguien la está inclinando con un dedo invisible, pero perfectamente entrenado para hacerlo.
Porque no nos engañemos: la Fiscalía ha pedido prisión preventiva e inhabilidad política para Jadue, sumando cargos que, de prosperar en su máxima expresión, podrían traducirse en penas que llegan a los 18 años de cárcel y una inhabilidad para ejercer cargos públicos. Un castigo de calibre desproporcionado para un caso en el que, según su defensa, no hay enriquecimiento ilícito ni daño patrimonial personal, sino un debate sobre la gestión de recursos en iniciativas municipales populares. En otras palabras: se le persigue como si fuera un criminal peligroso, cuando lo que hizo fue gestionar un municipio incómodo para los poderes de siempre y multiplicando esa experiencia a nivel nacional.
La escena, más que un acto de justicia parece un déjà vu. Lo vimos antes, en 2009 en Honduras con Zelaya, en 2012 en Paraguay con Lugo, en Brasil 2016 con Dilma, en 2018 en Ecuador con Correa, en 2022 en Brasil con Lula, en 2024 hasta la fecha en Chile con Daniel y ahora también con Cristina en Argentina. Todos distintos, todos con sus acentos y formas, pero con una coincidencia tan clara que podría pasar por un patrón: líderes que impulsaron políticas populares, que tocaron intereses duros, que se atrevieron a molestar a quienes están acostumbrados a que el tablero se mantenga siempre igual… hasta que, misteriosamente, los tribunales se convierten en protagonistas de la política.
A ese libreto le han puesto nombre: lawfare. Una guerra que no usa fusiles ni tanques, sino fiscales, expedientes y portadas de diario. Y como toda guerra, tiene su primera víctima: la confianza de la gente. Porque cuando la justicia se siente como un arma, lo que se erosiona no es solo la reputación de un dirigente, sino la idea misma de que las reglas del juego son justas.
En Recoleta, Jadue había hecho algo que para algunos fue imperdonable: demostrar que se podía gobernar pensando en la mayoría. Farmacias, Ópticas, Librerías, Inmobiliarias Populares precios de vecino… políticas que no solo mejoraban la vida de la gente, sino que cuestionaban directamente el negocio de quienes viven de encarecer lo básico. Ahí empezó la deuda que hoy le quieren cobrar.
Las alternativas para mantener su candidatura parlamentaria existen, pero están bajo reloj. A nivel judicial, y por supuesto, la carta política: la presión pública y el respaldo de su partido y aliados, que podría influir en que el proceso no se use para despojarlo de su derecho a competir. Porque, si bien la ley chilena impide ser candidato estando condenado por delitos con pena aflictiva, la prisión preventiva sin sentencia firme no basta para bajarlo automáticamente… aunque ya sabemos que, en la práctica, la imagen de un candidato tras las rejas puede ser tan demoledora como una condena.
Por eso, para los progresistas de América Latina, el caso de Jadue no es solo un problema local. Es una advertencia con acento continental: no basta con ganar elecciones, hay que blindar la democracia frente a la manipulación judicial. Hay que mirar a Brasil, a Ecuador, a Argentina, y entender que lo que le pasa hoy a Chile podría tocar la puerta mañana en cualquier otra ciudad, con otro nombre y otra bandera.
Apoyarlo ahora implica más que declaraciones: significa mantener vivo el debate sobre el uso político de la justicia, difundir información verificada para contrarrestar la narrativa oficial, movilizar redes solidarias que mantengan su voz presente incluso si intentan silenciarla, y sostener presión social para que el proceso sea justo y transparente. Es entender que, en estos casos, el silencio no es neutralidad, sino complicidad. Porque lo que está en juego no es solo el futuro político de un dirigente, sino el derecho de los pueblos a elegir sin que un expediente judicial escrito con tinta política les marque el voto.
Al final, quizá la balanza de la justicia todavía esté ahí, intacta, pero rodeada de manos que intentan empujarla. Nuestra tarea es simple y difícil a la vez: no apartar la vista, no aceptar el guion sin cuestionarlo, y recordar que hoy la democracia no se pierde de un golpe… sino a punta de pequeñas inclinaciones que parecen técnicas, pero son políticas.