As Forças Armadas como ator político
Jones Manoel*
É necessário analisar toda movimentação política como um quadro de possibilidades dentro de uma conjuntura concreta, com tendências dominantes e secundárias e, a partir disso, projetar os prováveis desdobramentos da cena política. Ou, em resumo e de forma simples, é preciso analisar friamente as possibilidades como possibilidades e suas chances de concretização. Sobre as recentes movimentações políticas das Forças Armadas, tenho algumas impressões.
– O final da ditadura empresarial-militar foi realizado com um pacto negociado das classes dominantes poupando o aparato militar de qualquer punição, investigação ou restruturação importante. A “Nova República” nasceu sob a tutela militar e de 1985 até hoje as Forças Armadas barraram qualquer tentativa mais ou menos séria de impor um controle civil à atividade militar. Na prática formou-se um acordo tático: as Forças Armadas saem da centralidade da cena política, deixando a gestão da ordem dominante aos partidos políticos e outros aparelhos de hegemonia e, em troca, são tratados como um ramo – ou conjunto de aparelhos – intocáveis do Estado, uma camada tecnocrática privilegiada e estratégica. As provas disso são abundantes: não apenas a manutenção dos artigos constitucionais que legitimam as Forças Armadas como garantidor último da Lei e da Ordem acima do Congresso e da Presidência, mas o histórico de altíssima dotação orçamentária do aparato militar nos anos FHC, Lula e Dilma (sempre entre os maiores orçamentos da União), a preservação dos militares [alto e intermediário escalão, ao menos] de contrarreformas (como a da previdência e trabalhista) e a sistemática política de afronta à autoridades presidenciais – aconteceu com FHC, Lula e Dilma – sem qualquer punição pela hierarquia militar.
– Nos últimos cinco anos, porém, com toda essa crise política de condução da ordem que começou com Junho de 2013, começa a acontecer algo importante: uma queda constante do orçamento das Forças Armadas. Nos últimos cinco anos o orçamento despencou de 17, 5 bilhões para 9,7 bilhões. A alta cúpula das Forças Armadas vem dando entrevistas nos monopólios de mídia com regularidade cada vez maior sobre a situação “preocupante da defesa do país” (general Eduardo Villas Bôas). Não custa lembrar que não foi automática a decisão do Governo Temer de deixar os militares fora da contrarreforma da previdência, mas fruto de muita pressão política. Como parte desse desmonte sistemático do Estado, mesmo enquanto camada tecnocrática privilegiada, as Forças Armadas estão sendo afetadas e é mais que natural no comportamento político desse aparato estatal a defesa firme dos seus interesses corporativos. Some-se o fato de que os aparelhos do Judiciário, nos últimos dois anos, mesmo com toda política de destruição do orçamento público, estão conseguindo garantir e ampliar todos seus privilégios. Em algum momento esse exemplo iria provocar uma ação dos militares para quererem o mesmo.
– As ações recentes das Forças Armadas devem ser vistas primeiramente como uma ação política mais contundente de autoproteção dessa camada social e tecnocrática. O grande problema das Forças Armadas em atuar com centralidade na cena política é que os desdobramentos são imprevisíveis. Quando o ministro da defesa de Temer cobrou punição ao general Mourão, o general Eduardo Villas Bôas não só negou a punição, como reafirmou o discurso de Mourão. O Senado chama o ministro da Defesa para explicar o caso e esse confronto institucional pode colocar ainda mais os militares no centro da ação política. Nesse momento de decomposição das instituições tradicionais de dominação política – especialmente o Congresso e a presidência, crise do sistema político e ausência de uma direção político-cultural burguesa eficiente, o cenário para soluções de tipo militares ou bonapartistas-militares pode aparecer muito rápido. Claro que isso não está na ordem do dia – nesse momento! – devido à ausência de uma radical ação popular dos de baixo, único fator que faria com que os gerentes do sistema político e as classes e frações dominantes aceitassem uma perda ainda que temporária da gestão direta do poder político. Esse cenário pode aparecer? Não tenho dúvidas de que é uma possibilidade no horizonte. Mas nesse momento é apenas isso. Uma possibilidade.
– Aos que ligam um possível golpe militar à possível vitória de Lula, por favor, parem! Isso só aconteceria como tendência dominante se a campanha de Lula expressasse um programa mais ou menos radical de reformas populares e fosse um fator aglutinador das lutas de resistência em curso. Ou em resumo: se Lula desempenhasse um papel parecido com o de João Goulart no combate pelas reformas de base. Isso está não só longe de acontecer, como temos justamente o contrário. É inegável – só um “cego político” não veria isso – que Lula não é a primeira alternativa da burguesia (o que não significa que não seja a melhor), mas é igualmente inegável que o sistema político atual, ainda que com tolerância menor, se adapta bem ao petismo no Governo, e que Lula busca sempre atuar dentro da ordem, como um seu fiel defensor. Ou seja, não é provável uma brusca ruptura por tão pouco.
*Militante do PCB de Pernambuco.