Para que jamais se esqueça!
Incêndio criminoso na sede da UNE, no Rio de Janeiro, perpetrado pelos militares e forças reacionárias no dia 1º de abril de 1916.
Por Leonardo Godim
Há 57 anos, uma coluna militar saía de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro para tirar do poder o então presidente João Goulart. Saberíamos depois que, ao mesmo tempo, um contingente militar norte-americano entrincheirava-se na costa brasileira para garantir que a aventura golpista fosse até o fim. O conjunto de acontecimentos que antecederam o golpe militar e os que o sucederam fizeram desse momento um divisor de águas na história. O golpe arquitetado pelos Estados Unidos com todas as forças reacionárias e classes dominantes foi até o fim, estendendo-se por 21 anos de torturas, miséria e censura e deixando sua marca permanente na construção do Brasil.
A encruzilhada nos anos sessenta tinha dois resultados reais e possíveis. Um era o golpe das forças reacionárias para a implementação de um Estado contra insurgente capaz de realizar as reformas de modernização num quadro conversador. Outra era a possibilidade de uma vitória do bloco democrático e nacionalista, paralisando a reação pela execução das reformas de base e forçando o bloco progressista pelas demandas do proletariado industrial e pela radicalização do subproletariado rural. A crise de hegemonia dos anos 1960 era de tal ordem que a realização da primeira alternativa passou por anos de preparo, enquanto a segunda seguia sua marcha pelas próprias contradições em curso na sociedade e tendia à saída progressista na medida em que o aumento paulatino da participação popular na política – seja pelos partidos de massa ou nos movimentos sociais – ampliava a base das reivindicações e chegava nas “pedras de toque” da hegemonia burguesa. A ideologia identificou aqui um “transbordar da democracia”, que precisava ser corrigido com paus de arara e “geladeiras”.
A derrota das forças populares – não só aqui, mas na maioria de nosso subcontinente – abriu espaço para a modernização conservadora. Das universidades ao sistema financeiro, grandes transformações eram necessárias para que a superestrutura da sociedade brasileira se atualizasse ao mesmo tempo que desse as bases para um novo padrão de acumulação do capital. A aliança entre capital internacional, nacional e estatal integrava o país a novas cadeias de valor e permitia o estabelecimento de um desenvolvimento industrial interno coordenado e submetido ao imperialismo. Nessa nova fórmula de dominação política, os militares ocuparam um papel bem definido de intelectualidade orgânica, preparada tecnicamente para condução dos aparelhos econômicos do Estado e de um regime ditatorial e contra insurgente contra as classes populares e sua vanguarda.
Agora, novamente, vemos a iminência de um poder militar crescente na política brasileira – com ou sem Bolsonaro – e disso só podemos nos questionar: ele realmente deixou de existir? A democratização “lenta, gradual e segura” gestou o mais longo período democrático, cujo ponto máximo foi a emergência de uma fórmula de pacto com o campo democrático-popular. Mas, durante todo esse período, que relação tiveram os militares com esse Estado, criado por eles mesmos em décadas de controle sobre a máquina pública?
Os resquícios jurídicos permanecem, como nas listas tríplices para reitoria das universidades federais. Mas serão ainda maiores os resquícios ideológicos? Os políticos? Reais vínculos entre a cúpula militar e o grande capital monopolista? Um casamento de 21 anos não é tão facilmente esquecido… A aliança entre o bloco militar e as forças monopolistas mais reacionárias foi a aliança que sustentou o período de maiores transformações no aparelho estatal brasileiro. Cinquenta e sete anos depois, não é uníssona nossa burguesia sobre a necessidade de “reformas” do Estado? Não será curioso que dessa necessidade tenha saído um golpe cuja participação das cúpulas militares já foi confessada?
A Nova República se ergueu e desmorona sob a tutela dos militares. Produto de uma anistia criminosa em favor dos torturadores e de uma transição que garantiu imunidade ao consórcio militar-empresarial, nossa vertiginosa democracia mostra, sobretudo, seu formalismo puro. Uma democracia dos monopólios, em que o presidente destila ódio ao povo e garante sua sustentação no grande capital.
Nosso país é atualmente dirigido pelo produto ideológico de 21 anos de ditadura empresarial-miliar. Enquanto o esquecimento sobre os crimes da ditadura e o perdão aos seus culpados reinarem, o fedor dos porões voltará a subir aos palcos e comícios, na boca de Bolsonaros ou demais filhotes da ditadura.