MPF denuncia assassinos de Elson Costa

imagemJornal O Poder Popular

Conforme divulgado pela grande imprensa, o Ministério Público Federal em São Paulo apresentou nova denúncia contra os ex-agentes da ditadura Audir Santos Maciel e Carlos Setembrino da Silveira pelo assassinato de Elson Costa, membro do Comitê Central do PCB (Partido Comunista Brasileiro), em 1975, na chamada Casa de Itapevi, localizada na região metropolitana do Estado, onde funcionava um dos centros clandestinos da repressão, para onde foram encaminhados, torturados e mortos diversos militantes presos na Operação Radar, a ofensiva contra o PCB desencadeada pelo DOI-Codi do II Exército e ao CIE (Centro de Informações do Exército).

Além de Elson Costa, ali foram assassinados, entre os anos de 1974 e 1975, os membros do Comitê Central Luís Inácio Maranhão Filho, João Massena Melo, Hiram de Lima Pereira, Jayme Amorim de Miranda, Itair José Veloso, Orlando da Silva Rosa Bonfim Júnior, assim como José Montenegro de Lima, responsável pela organização da Juventude Comunista. Os corpos de todos eles estão até hoje desaparecidos. Segundo reportagem de Carta Capital de 08/04/2014, dentre os militares responsáveis pelo funcionamento da Casa de Itapevi estavam o tenente-coronel de artilharia Audir Santos Maciel (o Dr. Silva, um dos acusados pelo MPF), o major André Pereira Leite Filho (Dr. Edgar) e o cabo Félix Freire Dias (conhecido como Dr. Magno ou Dr. Magro) *.

Os ex-agentes Audir Maciel e Carlos Setembrino são acusados de homicídio duplamente qualificado e ocultação do cadáver de Élson Costa. O MPF denuncia ainda o uso de tortura, perseguição política, abuso de poder e violação do dever inerente aos cargos que ocupavam, fatores agravantes para a condenação dos acusados. Há ainda o pedido de cancelamento das aposentadorias recebidas atualmente, assim como de condecorações com que foram agraciados por sua atuação durante a ditadura. Os agentes da repressão mantiveram Elson Costa “sob intensa tortura” ao longo de 20 dias no centro clandestino de Itapevi. O corpo de Élson, a exemplo do que ocorreu também com os demais dirigentes do PCB assassinados pela repressão, foi incinerado, esquartejado e lançado no Rio Novo, no município de Avaré.

Maciel comandava o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna) do II Exército, uma das unidades que coordenavam a perseguição aos comunistas. Carlos Setembrino, por sua vez, integrava a equipe de buscas do DOI-Codi sob a chefia do capitão Dalmo Cirillo e era um dos responsáveis pelo funcionamento da Casa de Itapevi. O imóvel pertencia a seu irmão e estava localizado numa área afastada, sem vizinhos que pudessem testemunhar as atrocidades cometidas pelos agentes da repressão.

As circunstâncias da morte de Elson são comprovadas por documentos do Exército e pelo depoimento do ex-analista de informações do DOI-Codi Marival Dias Chaves do Canto, o qual, em 1992, revelou detalhes sobre os crimes cometidos em Itapevi. O desaparecimento de dirigentes do PCB, por meio de sequestros, tortura e assassinato, foi a tática utilizada pelos militares para atacar o PCB, que não aderiu à luta armada e buscava organizar a resistência ao regime ditatorial atuando por dentro dos movimentos sociais e influindo na política institucional, principalmente junto ao MDB, que acabou se tornando o partido de oposição à ditadura. Não havendo possibilidade de forjar versões oficiais envolvendo “confrontos” e “trocas de tiros” com os comunistas, a exemplo do que foi feito para massacrar os militantes das organizações de luta armada, os órgãos da repressão adotaram as ações clandestinas para prender e assassinar os dirigentes do PCB.

O Ministério Público Federal destaca que a morte de Elson Costa constitui crime de lesa humanidade, portanto, não prescreve e é impassível de anistia, uma vez que foi resultante de um ataque sistemático e generalizado do Estado brasileiro contra a população brasileira. O massacre promovido pelo DOI-Codi e demais órgãos repressores teve o aval do ditador Ernesto Geisel, o que ficou comprovado por relatório assinado pelo então diretor da CIA William Colby, dirigido ao Secretário de Estado Henry Kissinger, documento desclassificado que relata de maneira cristalina como a cúpula militar brasileira não só tinha conhecimento da barbárie que ocorria nos porões da ditadura, como também autorizava o assassinato dos militantes que consideravam perigosos para a ordem ditatorial.

Camarada Elson Costa, presente!
Elson Costa nasceu em 26 de agosto de 1913, na cidade de Prata, Minas Gerais. Foi militante do Partido Comunista (PCB) desde os 17 anos até completar 61 anos, idade que tinha quando foi sequestrado por agentes da ditadura. Iniciou sua militância em Uberlândia, onde liderou uma greve de caminhoneiros. Trabalhou na divulgação do jornal A Classe Operária, integrou o Comitê Central e era o responsável pelo setor de Agitação e Propaganda quando foi preso em 1975. Como indicou o seu sobrinho José Miguel em depoimento à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, desde os anos do Estado Novo, Elson já atravessara períodos de prisões e torturas pelo aparato repressivo do Estado.

Com o golpe de 1964, teve seus direitos políticos cassados e passou a atuar na clandestinidade com outro nome. Em 1966, foi condenado a dois anos de reclusão pela Justiça Militar. Cumpriu a pena em Curitiba e, após ser solto, voltou à clandestinidade. Na manhã do dia 15 de janeiro de 1975, foi preso no bar ao lado de sua casa, onde tinha ido tomar café. Alguns vizinhos tentaram protestar contra a ordem de prisão dada por seis homens que chegaram numa veraneio, pois, para eles, quem estava sendo preso era o aposentado Manoel de Souza Gomes, que vivia na Rua Timbiras, 199, bairro de Santo Amaro, em São Paulo. O crime foi noticiado como tendo sido o sequestro de um rico comerciante da região.

Elson foi levado para o centro clandestino da repressão ligado ao DOI-Codi/SP, onde foi submetido a todo tipo de tortura. Seu corpo foi banhado em álcool, queimado e afogado no rio Avaré, segundo os depoimentos prestados à revista VEJA, em 18/11/1992, por Marival Dias Chaves do Canto, ex-sargento e agente dos órgãos de informação do Exército, que relatou terríveis e esclarecedores fatos sobre a barbárie cometida nos porões da ditadura. Segundo ele, um dos centros clandestinos usados para execuções foi uma casa onde funcionava antes a boate Querosene, alugada pelo Exército durante dois anos na cidade de Itapevi, município da Grande São Paulo. A boate foi transformada em centro de torturas e assassinatos, por onde passaram militantes do PCB cujos corpos foram depois jogados num rio, sob a ponte localizada na estrada que liga Avaré, no interior de São Paulo, à Rodovia Castelo Branco. Nas palavras do ex-agente, “existe ali um cemitério debaixo d’água”.

O camarada Dinarco Reis Filho lembra quando conheceu Elson Costa:

“Meu pai, Dinarco Reis, tinha recebido a tarefa do Partido para, junto com Elson Costa e Orlando Bonfim, organizar o jornal Tribuna do Povo em Belo Horizonte. Elson me chamou a atenção pelo modo de vestir, com o paletó pendurado no dedo da mão esquerda e jogado por cima do ombro, de camisa social de punho duplo, sem abotoadura. Na sua casa fomos apresentados a uma das figuras mais meigas que conheci, que falava baixo e manso, sua esposa Aglaé. Ela o chamava pelo apelido carinhoso de Mané, com o qual passamos também a chamá-lo. A última vez que o vi foi quando eu tinha marcado um encontro com um membro do Partido na Petrobras. O Elson apareceu e me disse que tinha um encontro com um camarada, que estava com pouco dinheiro e não tinha lugar para dormir. Depois de encontrar o petroleiro, dei ao ‘Mané’ parte da grana e a chave do meu apartamento em Niterói. Depois fiquei sabendo de sua prisão através do meu pai. Sabia que iriam desaparecer com ele, como já tinham feito com outros presos da ditadura.”

* Leia mais sobre a Casa de Itapevi, centro clandestino de tortura e morte da ditadura, em https://www.cartacapital.com.br/sociedade/antigo-centro-de-tortura-clandestino-casa-de-itapevi-abriga-duas-familias-3043/.

Sobre a nova denúncia do MPF de São Paulo, conferir: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/04/26/mpf-pcb-acusacao-ditadura.htm

Sobre a política de extermínio da ditadura contra o PCB, saiba mais em https://pcb.org.br/portal2/25225/a-politica-de-exterminio-da-ditadura/