60 ANOS DO GOLPE DE 1964
Jornal O Poder Popular nº 84 (março/abril de 2024)
O Brasil do final da década de 1950 e início dos anos 1960 vivenciava uma crise de consolidação e de crescimento do capitalismo no país, resultante do próprio processo de acumulação acelerado pelo modelo econômico implantado por Juscelino Kubitschek. O Estado brasileiro garantiu a infraestrutura necessária ao pleno desenvolvimento capitalista, com a montagem recorde dos setores mais dinâmicos da estrutura industrial brasileira, capitaneados, dentre outras, pelas empresas automobilísticas, de construção naval e mecânica pesada, majoritariamente controladas por capitais externos.
Esse quadro acabou projetando a burguesia brasileira associada ao capital internacional a uma posição de destaque dentre as demais frações da classe dominante que compunham o Estado no chamado “pacto populista”, até então mantido com base no equilíbrio entre elas. Os setores mais dinâmicos da burguesia brasileira queriam distância de qualquer projeto nacionalista que, de um lado, rejeitasse ou limitasse a presença do capital estrangeiro no país e, de outro, favorecesse ou não impedisse a mobilização crescente da classe trabalhadora e das massas populares por seus direitos.
Por outro lado, verificava-se no período a participação ativa de amplas camadas de trabalhadores urbanos e rurais nos embates políticos, atraindo setores de camadas médias, com destaque para estudantes e intelectuais. Se a ampliação da mobilização popular não colocava imediatamente em xeque a ordem capitalista, não deixava de representar uma séria ameaça aos interesses das frações de classe burguesas ligadas aos bancos, à grande indústria e ao latifúndio. Isto levava a uma conjuntura de crescente tensão, com o governo de João Goulart sendo pressionado por todos os setores da luta política e sofrendo um esvaziamento de poder e autoridade.
Golpe da burguesia contra os setores populares
A resposta dos grupos capitalistas mais articulados no período, constituídos pela burguesia industrial, financeira e latifundiária, foi a preparação de um movimento reacionário para conter de pronto a ameaça que vinha das massas trabalhadoras. O golpe de estado de 1964, além de ter representado uma ação repressiva no sentido de esmagar e desbaratar as forças populares em ascensão, também teve por objetivo o rearranjo das forças políticas no núcleo central do poder, ao afastar as frações burguesas consideradas ultrapassadas, do ponto de vista do modelo de desenvolvimento econômico que se pretendia aprofundar, visando à consolidação do capitalismo monopolista no país, para o que seria necessário radicalizar a expropriação da classe operária, em níveis ainda mais violentos do que praticados anteriormente.
Após a instalação da ditadura e depois de um período de dispersão, em função de ter subestimado a possibilidade de golpe, o PCB foi capaz de articular instrumentos para a construção da resistência nos espaços possíveis, buscando ampliar a luta no sentido da retomada do movimento de massas, ao mesmo tempo em que participava da criação de uma grande força oposicionista congregada na frente democrática.
O PCB, ao participar ativamente da resistência contra a ditadura e mesmo não tendo aderido à luta armada – por entender que essa forma de luta não era compatível com a correlação de forças -, pagou um alto custo por essa jornada de lutas: centenas de militantes comunistas foram presos, torturados, assassinados e exilados. Antes de implementar a “abertura lenta, segura e gradual”, e depois de derrotar as organizações que recorreram à luta armada, a ditadura concentrou-se numa violenta empreitada de liquidação do PCB.
A perseguição e o massacre aos comunistas do PCB
No início de 1973, o dirigente regional do PCB Célio Guedes foi morto com um tiro na nuca nas dependências do Cenimar no Rio de Janeiro. No ano de 1974, foram assassinados os dirigentes nacionais Davi Capistrano da Costa, morto com requintes de crueldade; José Roman, operário; João Massena, metalúrgico; Luiz Ignácio Maranhão Filho, jornalista; Walter de Souza Ribeiro, oficial do Exército e ativo militante das lutas pela paz. Também foi morto neste ano o professor de História e presidente do sindicato dos professores do Rio de Janeiro Afonso Henrique Martins Saldanha.
No ano de 1975 a repressão seria ainda mais violenta contra o PCB, eliminando os membros do Comitê Central Elson Costa, líder da greve dos caminhoneiros em Minas Gerais; Hiran de Lima Pereira; Nestor Veras, líder das lutas camponesas; Itair Veloso, operário da construção civil; o jornalista e advogado Orlando da Silva Rosa Bomfim Júnior; o jornalista e advogado Jayme Amorim de Miranda; o dirigente da juventude comunista José Montenegro de Lima. Seus corpos nunca foram encontrados até hoje.
E mais: morreram sob torturas o gráfico Alberto Aleixo, o tenente da PM de São Paulo José Ferreira de Almeida, o coronel reformado José Maximino de Andrade Netto, o comerciário Pedro Jerônimo de Souza. Fechando o ano de 1975, a repressão assassinou, sob tortura, Vladimir Herzog, professor da USP e jornalista, militante da base cultural do PCB em São Paulo. No ano seguinte, ainda tombariam, vítimas da ditadura, a militante Neide Alves Santos e o operário metalúrgico Manoel Fiel Filho, responsável pela distribuição do jornal Voz Operária nas fábricas da Mooca, em São Paulo.
1964 NUNCA MAIS!
Superado o período ditatorial, 40 anos da chamada redemocratização da vida política nacional foram incapazes de alterar o quadro fundamental de uma sociedade marcada pela profunda desigualdade social, em que os governos de plantão tudo fazem para garantir os altos lucros das empresas, dos bancos e do latifúndio, plenamente integrados ao capitalismo internacional. A passagem da ditadura para a democracia formal burguesa manteve a impunidade dos torturadores e assassinos que atuaram a serviço do regime, possibilitando que hoje a tortura e a execução sumária de pessoas – em sua maioria, trabalhadores pobres, marginalizados pela sociedade de mercado – continuem a ser práticas adotadas pela polícia em todo o país.
Além disso, grupos de extrema direita se fortaleceram nos últimos anos e seguem mobilizados em torno de articulações golpistas promovidas pelo bolsonarismo. O movimento do dia 8 de janeiro de 2023 e pregações golpistas recentes alertam para a necessidade de punir os envolvidos, bem como de se fazer o ajuste de contas com a herança ditatorial de 1964.
Não podemos compactuar com leniências dentro da ordem institucional. É preciso mobilizar o conjunto das forças democráticas e revolucionárias, dos movimentos sociais e populares para barrar novos intentos golpistas e garantir a ampliação das lutas em favor das liberdades democráticas e dos direitos da classe trabalhadora, rumo ao Poder Popular e ao Socialismo.
SEM ANISTIA! PRISÃO PARA BOLSONARO E TODOS OS ENVOLVIDOS NA TENTATIVA DE GOLPE!
PELA REVOGAÇÃO DA LEI DE ANISTIA, COM A PUNIÇÃO DOS TORTURADORES, ASSASSINOS E COLABORADORES DO REGIME DITATORIAL
PELA DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS.