Elzita Santa Cruz: símbolo da luta contra a Ditadura
Aos 105 anos, a pernambucana dona Elzita ainda lutava pelo direito de enterrar seu filho, Fernando Santa Cruz, militante político desaparecido em 1974
Morre Elzita Santa Cruz, ícone da luta por Memória, Verdade e Justiça no Brasil
Publicado por Carolina Vilaverde
Instituto Vladimir Herzog
Ícone feminino da resistência à ditadura militar brasileira e da defesa dos direitos humanos, morreu na madrugada desta terça-feira (25/06) , aos 105 anos de idade, dona Elzita Santa Cruz. Era a mãe de Fernando Santa Cruz, militante político da Ação Popular Marxista Leninista (APML), desaparecido no Carnaval de 1974. O velório se inicia logo mais, às 15h, na Câmara Municipal de Olinda e, nesta quarta-feira (26) o corpo será cremado em cerimônia reservada para a família.
Durante 45 anos, dona Elzita cobrou notícias em quartéis, gabinetes de presidentes e de outras autoridades e junto a Organizações Não Governamentais, inclusive do exterior, sempre insistindo com a frase: “Onde está meu filho?”. Dizia que não tinha ânsia de encontrar quem matou Fernando; queria o direito de enterrá-lo. “É uma dor muito grande porque o único crime que ele [Fernando] cometeu foi defender a igualdade social, essas coisas pelas quais eu luto até hoje”, afirmou em 2009, enquanto pedia providências ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Noutra ocasião, em 2011, disse em entrevista à jornalista Silvia Bessa para o Diário de Pernambuco: “Eu peço muito a Deus para ter coragem para saber o que aconteceu com meu filho”. Nunca houve confirmação oficial do que aconteceu com Fernando.
Nascida no Engenho Jericó, em Água Preta, na Zona da Mata Pernambucana, foi uma sinhazinha que virou ativista política. Casada com o médico sanitarista Lincoln Santa Cruz. Além de Fernando, defendeu nas trincheiras da repressão os filhos Marcelo Santa Cruz, hoje advogado, e Rosalina Santa Cruz, professora da PUC, ambos perseguidos políticos. Ao comunicar a amigos sobre o falecimento, Rosalina escreveu em seu perfil público no Facebook, a homenagem dela à mãe: “Com você aprendi a lutar pelas coisas que acredito”. Dona Elzita teve dez filhos, 28 netos e 32 bisnetos.
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara, destacou, por meio de nota, a importância da matriarca dos Santa Cruz: “Dona Elzita foi incansável na busca por direitos humanos e justiça para seu filho Fernando e para outras vítimas da Ditadura. A sua dedicação a essas causas seguirá nos inspirando”. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, hoje presidido por Felipe Santa Cruz, filho de Fernando, emitiu nota de pesar: “A OAB se solidariza com toda a família e amigos de D. Elzita, um exemplo de fibra e coragem para todos nós”.
O Instituto Vladimir Herzog lamenta profundamente a morte de Elzita Santa Cruz, uma das 13 mulheres que escolhemos homenagear com a primeira edição do livro “Heroínas desta História”, que deve ser lançado ainda este ano. Em uma coincidência triste, a jornalista pernambucana Silvia Bessa e as organizadoras do projeto, Carla Borges e Tatiana Merlino, passaram os últimos dias justamente finalizando o capítulo que trará luz à história desta figura excepcional. Elzita não conseguiu, infelizmente, ver o perfil concluído e nem realizar o desejo de encontrar o filho desaparecido. Neste momento, o que nos conforta é saber que registramos sua história para inspirar as gerações futuras, cumprindo nosso compromisso com o Direito à Memória, à Verdade e à Justiça.
Elzita Santa Cruz, presente!
https://vladimirherzog.org/morre-elzita-
Homenagem do camarada Mauro Iasi:
Elzita
(Para Elzita Santa Cruz, Mãe de Fernando e símbolo de luta contra a Ditadura)
Elzita se foi hoje
Demorou-se em partir
Porque tinha raízes profundas
Porque tinha abismos na alma
Por mais de um século ficou
Por toda uma vida lutou
Pela vida que deu
E a ditadura lhe tirou
Sem corpo e sem tumulo
Para descanso e lamento
Seguiu o menino vivendo
No corpo e na luta dos outros
Um pé de vento passou violento
Arrancando uma árvore em casa
De certo era Elzita tentando ficar
Dizendo que ainda é cedo
Descanse guerreira, descanse
Que a gente segue daqui
Lutando pra não esquecer
Perguntando onde está Fernando
Descanse guerreira, descanse
Agora abrace o infinito
Que ele é tão grande, tão grande
Que é quase do teu tamanho.
(Mauro Iasi, 2019)