A encruzilhada da Venezuela
Ou se aprofunda a revolução ou a direita e o imperialismo podem retomar o poder
Edmilson Costa*
A luta de classes na Venezuela mudou de patamar com a recente eleição da Assembleia Nacional Constituinte, pleito no qual compareceram mais de oito milhões de venezuelanos. Trata-se da maior votação popular desde a eleição de Chávez em 1998. Com a Constituinte, o chavismo retoma a iniciativa política, sai da defensiva, e o movimento popular ganha moral para retomar suas ações e exigir o aprofundamento do processo revolucionário. Por sua vez, o imperialismo e a CIA tendem a ampliar por novos meios a ofensiva para desestabilizar o governo, isolá-lo diplomaticamente, enquanto organiza corpos paramilitares visando uma intervenção no país diante da possibilidade de uma guerra civil. Já a oligarquia local, organizada e financiada pelos Estados Unidos, pela CIA e pelo empresariado conservador, está curando as feridas da derrota, mas não desistirá das ações desestabilizadoras, da sabotagem econômica e da violência nas ruas para atingir seus objetivos.
Poderemos dizer que há atualmente uma dualidade de poder de novo tipo no país, impasse que não deve durar indefinidamente, em função dos seguintes fatores: a) as ambições dos Estados Unidos em relação ao petróleo e minerais estratégicos venezuelanos e a necessidade de modificações geopolíticas para restaurar seus interesses na América Latina; b) a fúria da oligarquia local, que perdeu parte de seus privilégios e se tornou cada vez mais ensandecida; c) a crise econômica mundial e seus impactos nos países periféricos. Na outra ponta, temos o contraponto da dualidade: 1) as forças populares na Venezuela possuem razoável nível de organização e agora, com a Constituinte, obtiveram respaldo institucional para aprofundar o processo de transformações; 2) contam com a maior parte do poder institucional; 3) possuem o respaldo da grande maioria dos militares, inclusive das Milícias Bolivarianas. Nesse processo, em algum momento não muito distante, a conjuntura cobrará um desfecho da crise.
O período das concessões e tentativas de diálogo com as forças conservadoras ficou para trás. Ou o governo bolivariano avança no sentido das transformações sociais, colocando efetivamente o movimento popular no sistema de poder, incorpora ao poder público os setores estratégicos da economia nacional e desenvolve um processo de industrialização e autossuficiência alimentar no campo, ou a direta e o imperialismo poderão derrubar o governo e implantar uma ditadura ao estilo Pinochet. Deve-se lembrar que a CIA e o imperialismo, bem como a oligarquia local, não têm nenhum escrúpulo em relação a esse tipo de saída institucional, desde que atenda aos seus interesses estratégicos. Portanto, esse é um momento de definição estratégica e do resultado desse impasse dependerá em grande parte o futuro da Venezuela e de várias nações da América Latina.
Uma dualidade original
A dualidade de poder na Venezuela tem elevado grau de originalidade, tendo em vista que não é resultado de uma insurreição clássica ao estilo soviético, nem de uma guerrilha próxima à tomada do poder, nem do proletariado organizado e disposto a tomar de assalto os céus. A dualidade de poder venezuelana foi construída a partir de um processo eleitoral e do impulsionamento do movimento popular, com a eleição de Chávez em 1998. Ao chegar ao poder, Chávez tomou um conjunto de medidas que se chocou com o imperialismo e atingiu profundamente a oligarquia local, reduzindo de maneira expressiva os seus privilégios e ainda criou estruturas de apoio à participação e organização popular. O governo bolivariano desenvolveu também um processo de integração regional sem pedir licença aos Estados Unidos, construiu relações Sul-Sul e uma diplomacia que contrariou ostensivamente os interesses norte-americanos. Essas medidas, evidentemente, despertaram a fúria do imperialismo, que viu surgir naquilo que era considerado o seu quintal um conjunto de iniciativas que fortaleciam a autodeterminação dos povos e as soberanias nacionais.
Em outras palavras, a eleição de Chávez proporcionou à população nos bairros e entre os trabalhadores a construção de várias instâncias do poder popular, uma estrutura autônoma de comunicação, que vai desde cadeias noticiosas internacionais, como a Telesur, passando por canais nacionais até as rádios e TVs comunitárias para se contrapor ao antigo poder de comunicação da oligarquia; desenvolveu programas sociais para melhorar as condições de vida da população pobre, como milhares de clinicas de saúde nos bairros, a eliminação do analfabetismo, o aumento das matrículas escolas no ensino secundário e universitário, os mercados populares onde os alimentos são vendidos a preços subsidiados e um vasto programa habitacional, considerado proporcionalmente um dos maiores do mundo; além da aliança cívico-militar, que envolve não só o apoio das Forças Armadas ao processo de transformações, mas também à construção das Milícias Bolivarianas, armadas e treinadas para a necessidade de defesa da soberania nacional.
Além disso, após a eleição de Chávez, vários países da região passaram a ser governados por lideranças eleitas a partir da contestação às políticas neoliberais, o que permitiu a criação da Unasul (União das Nações Sulamericanas) e da Celac (Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos), da ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da América), organismos construídos sem a participação de representantes norte-americanos. Diante dessa conjuntura, o imperialismo sentiu que sua hegemonia estava sendo contestada e afiou as garras para reverter o embrionário processo integracionista que vinha se desenvolvendo na América Latina. Era necessário deter o principal líder desse processo: primeiro, tentaram a velha fórmula do golpe militar em 2002, em grande parte derrotado pelo movimento popular que desceu dos morros e cercou o Palácio onde estavam os golpistas, o que facilitou que unidades militares contrárias ao golpe se levantasse e devolvessem o poder a Chávez. Mas os Estados Unidos e a oligarquia local nunca absorveram a derrota e a queda da revolução bolivariana se transformou numa obsessão tanto para as autoridades norte-americanas quanto para a elite parasitária local.
Nessa estratégia, os meios de comunicação nacionais e internacionais cumpriram um papel fundamental para satanizar o governo bolivariano. A primeira das táticas é classificar o governo como uma ditadura, que não respeita os diretos humanos, nem a liberdade de expressão. Parece ridículo, se observarmos as coisas como elas são, mas num mundo em que a técnica nazista de Goebels foi apropriada pela CIA e pelos meios de comunicação corporativos, onde uma mentira repetida mil vezes termina se tornando verdade, esse tipo de informação se impõe como corriqueira e natural. Como previu o dirigente nazista, a mentira se torna verdade com sua repetição organizada e coordenada. Não basta dizer que nestes 18 anos de governo ocorreram 21 eleições, duas perdidas pelo chavismo. Que os meios de comunicação funcionam normalmente na Venezuela e agem abertamente como partidos políticos da reação, incitando a violência, desqualificando lideranças nacionais e populares, inventando mentiras sobre os problemas do país e criando um clima de caos e anarquia. O que vale é a versão da mídia controlada por Washington.
Conhecendo a Venezuela
A Venezuela é uma nação com cerca de 31 milhões de habitantes, praticamente montada sobre um oceano de petróleo. Possui as maiores reservas petrolíferas do planeta, além de vários minerais estratégicos, especialmente para a construção de equipamentos de tecnologias da informação, o que evidentemente gera a cobiça permanente do imperialismo. Exatamente por ser grande produtora de petróleo e participar da OPEP, a Venezuela manteve no passado relações privilegiadas com os Estados Unidos, principalmente no período que vai de 1957, quando as elites firmaram o Pacto Punto Fijo, até a eleição de Chávez. Por esse pacto, os dois principais partidos, a AD (Ação Democrática, de tendência social-democrata) e o COPEI (Comitê de Organização Política Eleitoral Independente, democrata-cristão) se revezavam no poder, resultando desse processo longa estabilidade política, muito embora, como todo pacto oligárquico, tratava-se de um sistema bastante autoritário, com exclusão da maioria da população das decisões políticas, além da perversa distribuição de renda.
Para se ter uma ideia, o país mais rico em petróleo do mundo possuía cerca de 70% da população vivendo abaixo da linha de pobreza, elevado nível de mortalidade infantil e desnutrição, grande parte das pessoas vivendo em favelas e habitações precárias nos morros que cercam Caracas e um sistema de aposentadorias que privilegiava apenas a elite. Apenas 387 mil venezuelanos possuíam aposentadoria, o resto vivia sem nenhuma cobertura previdenciária.[1] É evidente que, em algum momento, essa contradição viria à tona de maneira explosiva e foi exatamente o que aconteceu em 1989, quando o governo de Carlos Andrés Perez decretou uma série de medidas de austeridade por ordens do Fundo Monetário Internacional. A população, revoltada com o aumento dos preços e as medidas restritivas, realizou um levante popular, conhecido Caracazo, reprimido duramente, no qual cerca de três mil pessoas foram mortas pelas forças policiais.
Como a eleição de Chávez ocorreu uma profunda mudança na política social do país, a partir da implantação das Missões Sociais, cujo objetivo é buscar melhorar as condições de vida da população mediante ações sociais no sentido de acabar com o analfabetismo, o desemprego, a miséria, desenvolver programas saúde, saneamento e educação, além da politização do movimento popular. O trabalho das missões é bancado financeiramente pelo governo, que redirecionou para a área social grande parte da renda do petróleo, além de incentivar a formação de cooperativas de produtores nos bairros pobres de Caracas. O governo diz ter gastos U$ 300 bilhões em políticas de saúde, educação e políticas sociais durante o período Chávez, o que beneficiou cerca de 60% da população. Ultimamente, as missões têm evoluído no sentido de criar novas estruturas de políticas públicas fora da burocracia estatal, bem incentivar a mobilização e organização das comunidades, buscando instituir novas formas do poder popular[2].
Para que pudesse realizar essas políticas públicas, Chávez promulgou a Lei dos Hidrocarburetos, pela qual estabeleceu o domínio do Estado sobre petróleo e gás. A partir do controle sobre a principal riqueza do país, o governo pode desenvolver um conjunto de políticas públicas que reverteram grande parte dos problemas sociais da população. Construiu dois milhões de habitações populares, o equivalente no Brasil a 13 milhões de residências, e erradicou o analfabetismo. Segundo dados do Banco Mundial, a percentagem de venezuelanos que vivem abaixo da linha da pobreza caiu 62,1% em 2003 para 31,9% em 2011. No ano passado, o coeficiente de Gini (indicador que varia de zero – mais igualitário – a um – mais desigual) ficou em 0,39, o que representou uma melhoria de mais de 50%. A título de exemplo, no Brasil esse coeficiente é de 0,52. O governo também investiu pesado em saúde, resultando na duplicação do número de clínicas nos bairros do País, a partir dos convênios com Cuba. O percentual de jovens frequentando o ensino secundário aumentou de 57% em 1990 para 83% em 2010, bem como também cresceu de maneira expressiva o número de jovens universitários e reduziu-se expressivamente a mortalidade infantil. Além disso, hoje, as aposentadorias alcançam mais de dois milhões de idosos e 96% da população tem água potável.
Na política externa, Chávez buscou um processo de integração econômica regional, com a criação da ALBA, da Petrocaribe e do Banco do Sul. Teve papel importante na criação da Unasul e na Celac, se aproximou de líderes que não rezavam pela cartilha norte-americana e ampliou a solidariedade a Cuba mediante a troca de petróleo por professores e médicos, medidas que protagonizaram a importância da Venezuela no cenário internacional. Para desespero dos imperialistas, criou um canal internacional de televisão para se contrapor ao processo de contrainformação dos meios de comunicação tradicionais, além de uma rede nacional de rádio, televisão, agencias de notícias, jornais e rádios comunitárias.
A ofensiva imperialista
Essas medidas desagradaram profundamente os Estados Unidos e a oligarquia local, acostumados com uma Venezuela disciplinada, obediente, desigual e ainda fornecedora de petróleo. Desde o momento em que constataram que não poderiam cooptar Chávez, realizaram uma política para tirá-lo do poder e deter as transformações que estavam em curso, processo que culminou com o golpe de Estado de 2002. Derrotados pelo povo e por unidades militares fiéis ao governo bolivariano, organizaram e implementaram a greve petroleira, onde o antigo governo tinha a grande maioria dos gerentes e chefes, para paralisar o país e forçar a deposição de Chávez. Novamente foram derrotados e Chávez aproveitou a vitória para fazer uma reestruturação na PDVSA, com uma nova administração, mais alinhada com a nova administração.
A partir de então, o imperialismo e a oligarquia local incrementaram a estratégia de derrubada do regime, fato que se intensificou com a morte de Chávez. A propósito, até agora há muitas suspeitas de que o câncer que vitimou o líder bolivariano foi obra da CIA, fato que não pode ser descartado tendo em vista as centenas de vezes em que esse organismo de inteligência tentou envenenar Fidel Castro, além do fato de ter assassinado vários dirigentes políticos, como Lumumba na África. A morte de Chávez aguçou o apetite imperialista e da reação local. Imaginavam que, sem o carismático líder bolivariano, o governo seria rapidamente derrotado, principalmente em função da sabotagem e violência desencadeada por grupos financiados, treinados e equipados pela CIA para lutas nas ruas. No entanto, Maduro venceu as eleições por pequena margem, o que deu motivos não só para denúncias de fraudes, mas para o aumento da escalada contra o governo.
A crise se tornou ainda mais dramática com a vitória da direita nas últimas eleições legislativas, quando fizeram maioria na Assembleia Nacional. Com uma parte do poder institucional nas mãos, a direita se estruturou para tomar o poder. Para isso, utilizou-se tanto das medidas aprovadas na Assembleia, quanto da violência nas ruas, sabotagem econômica, conspirações militares e ataques terroristas. Também começou a constituir um governo paralelo, desconhecer as instituições nacionais e aprofundou a guerra aberta e generalizada contra o governo, na esperança de, em algum momento, a inflação e a escassez de produtos essenciais levariam a uma revolta popular contra o governo ou então numa situação de grave crise institucional onde a oposição poderia pedir uma intervenção estrangeira no país, liderada pelos Estados Unidos.
Entre as principais armas contra o regime bolivariano destacou-se o desabastecimento, especialmente de produtos básicos e medicamentos, o contrabando, incentivo ao mercado paralelo de bens, a especulação com o câmbio. Essa sabotagem provocou escassez de gêneros alimentícios e medicamentos, filas diante dos supermercados, num processo semelhante ao que aconteceu com Allende no Chile. Deve-se lembrar que a Venezuela importa a maior parte dos produtos que consome, tanto manufaturados quanto agrícolas, e os empresários de direita controlam o comércio exterior e a maior parte da produção local. A essa ofensiva se juntaram os monopólios internacionais, mediante o boicote à venda de insumos básicos e o bloqueio financeiro e de crédito internacional, tudo isso para asfixiar o governo.
Aos mecanismos econômicos da guerra aberta, a oposição se utilizou de grupos de choque, além do pagamento de grande legião do lumpesinato e setores das camadas médias urbanas inconformados com a perda dos privilégios que tinham no velho governo oligárquico. Esses grupos atuaram quase que diariamente, muito bem equipados e utilizando-se de técnicas de guerrilha urbana, não só contra as forças governamentais, mas também contra agências do governo, depósitos da rede estatal de abastecimento, hospitais e escolas. Todo esse aparato foi organizado com o objetivo de provocar as forças do governo e, quando não conseguiam seus intentos, cometiam as ações mais brutais, como queimar vivo militantes chavistas, através do lançamento de bolas de fogo contra manifestantes, como aconteceu em vários Estados.
O propósito dessa ofensiva era criar o caos, passar a ideia de ingovernabilidade, tudo isso amplificado diariamente pelos maios de comunicação, de forma a desqualificar e satanizar os dirigentes venezuelanos. Nessa onda de violência criada pela direita, mais de 100 pessoas foram mortas, a grande maioria militantes bolivarianos, mas são apresentados pela imprensa internacional como vítimas das forças governamentais. A missão do imperialismo e da CIA, a partir da embaixada dos Estados Unidos, que é quem coordena efetivamente todo o processo, é não só desestabilizar o governo, mas consolidar internacionalmente a política de satanização dos dirigentes bolivarianos. Primeiro, mostra-se a violência, depois alardeia-se o número de mortos, mas não se diz de que lado são as vítimas, e assim vai se desgastando os dirigentes e apresentando o governo como uma ditadura, preparando terreno para uma invasão do País, sob a justificativa de deter a violência e acabar com a crise humanitária – o mesmo esquema que já foi realizado em vários países.
Para aqueles desinformados sobre a situação na Venezuela, os ingênuos, ou os que imaginam que as denúncias contra os Estados Unidos e a CIA fazem parte de teorias conspiratórias, é bom tomar conhecimento de um documento do Comando Sul dos Estados Unidos, denominado “Venezuela Freedom 2 – Operation”, assinado pelo almirante Kurt Tidd, recentemente vazado por ONGs norte-americanas e da Venezuela, onde este comando propunha 12 medidas para desestabilizar e derrubar o governo Maduro. Esse documento é a atualização de um outro escrito pelo anterior chefe do comando Sul, John Kelly. Vejamos um resumo dos 12 passos para a derrubada do governo Maduro:
1) Gerar um cenário que pode combinar ações de rua e o emprego dosado de violência armada;2) Sob o enfoque de cerco e asfixia, utilizar a Assembleia Nacional como instrumento para obstruir o governo, convocar mobilizações, interpelar os governantes, negar créditos, revogar leis; 3) No plano político, insistir na reivindicação de um governo de transição, onde estariam presentes ONGs, setores empresariais, hierarquia católica, sindicatos e universidades; 4) No processo de cerco e asfixia, impedir que as forças chavistas possam se recompor e se reagrupar; 5) Manter a companha ofensiva no terreno da propaganda, incitando um clima de desconfiança, de forma a tornar ingovernável a situação; 6) Dar particular importâncias aos temas como escassez de água, de alimentos e de eletricidade; 7) Insistir na aplicação da Carta Democrática da OEA, como já foi acordado com Luis Almargo, secretário geral, e coordenar as ações dos serviços de inteligência, com as corporações de comunicações; 8) Vincular o governo Maduro à corrupção e lavagem de dinheiro; 9) Realizar esforços para debilitar a liderança militar e anular sua capacidade de comando; 11) Provocar a neutralização operacional das milícias e coletivos armados bolivarianos, que são um obstáculo para as manifestações de rua; 12) Manter a vigilância eletrônica que permite coletar informações e bloquear comunicações do governo; intensificar o treinamento de forças operacionais em Comayagua, Honduras, que consiste em colocar contingente que possibilitam agir rapidamente em um arco geoestratégico, apoiados em bases militares em vários países da América Latina e Caribe.[3]
Como se pode verificar, a estratégia do Comando Sul não só foi colocada em funcionamento como também demonstrou na prática como atua o imperialismo. Do ponto de vista da legalidade internacional, a descoberta de um documento desse porte seria motivo para uma condenação dos Estados Unidos na ONU ou OEA, mas o que se viu foi exatamente o contrário: a OEA (organização dos Estados Americanos) aplicou a chamada Carta Democrática contra a Venezuela[4]. Apesar da campanha dos meios de comunicação internacionais de que o governo Maduro é uma ditadura, das manifestações violentas e conflitos de toda ordem, do boicote e da tentativa de isolamento internacional, o imperialismo e a direita esqueceram-se de combinar suas ações com o povo venezuelano e agora passam por um período de grande dificuldade porque entrou em cana o movimento popular e melou parte dos planos imperialistas.
O processo constituinte
Foi nesse contexto de guerra econômica, política e social que o presidente Maduro convocou a Assembleia Constituinte, apostando numa retomada do movimento popular diante da ousadia cada vez maior da direita e do imperialismo, uma opção que sempre esteve presente, mas que o governo vacilava em utilizar, preferindo a conciliação e concessões, em vez do aprofundamento do processo revolucionário, com o desmantelamento da infraestrutura da direita, a partir dos movimentos populares organizados. Por sua vez, a oposição cometeu um erro de cálculo grave. Imaginava, talvez baseada em certo baluartismo das redes sociais que dominam a partir de Miami e do estardalhaço das denúncias na mídia contra Maduro, que a população estava profundamente descontente e cansada da escassez e da violência e que a eleição para a Constituinte seria um rotundo fracasso. Erraram fragorosamente e agora estão remoendo a derrota.
Ao contrário do que propagaram os meios de comunicações corporativos, o processo constituinte da Venezuela é previsto na Constituição, no artigo 347, que diz o seguinte: “O povo da Venezuela é o depositário do poder constituinte originário. No exercício desse poder pode convocar uma Assembleia Nacional Constituinte com o objetivo de transformar o Estado, criar um novo ordenamento jurídico e redigir uma nova Constituição“[5]. Portanto, a Constituinte é legítima e se legitima ainda mais por seu formato diferente das Cartas liberais (se aproxima mais de uma assembleia popular), com a representação de todos os setores da sociedade. Seu objetivo é elaborar uma nova Constituição, incorporar o movimento popular nas instâncias do poder, institucionalizar as missões e os direitos da juventude e adotar um conjunto de medidas que irão aprofundar a revolução bolivariana.
A Constituinte também rompe com as velhas estruturas partidárias tradicionais. Apresentaram-se para as eleições 53 mil candidatos e foram eleitos 545 deputados. Destes, 364 elegeram-se nos municípios. Outros 181 constituintes foram escolhidos por categoria profissional, como trabalhadores e trabalhadoras, comunas e conselhos comunais, pescadores, estudantes, aposentados, pessoas com deficiência e povos indígenas. Os representantes de categorias, para se candidatarem, tiveram que apresentar 500 assinaturas de apoio, enquanto os que desejavam representar estudantes e trabalhadores tinham que apresentar mil assinaturas. Todos foram eleitos por voto secreto, à exceção dos representantes dos Conselhos Comunais, que foram eleitos regionalmente, e dos indígenas que foram escolhidos a partir de suas tradições seculares. Em outras palavras, a Constituinte reúne os representantes eleitos por seus municípios e representantes de categorias profissionais, comunais, empresários e indígenas. Um retrato mais abrangente da sociedade Venezuela do que nas eleições tradicionais.
Ao contrário do que a oposição imaginava, a população resolveu participar massivamente das eleições, apesar do boicote e dos atentados cometidos pelos grupos de choque oposicionistas nos bairros ricos e de classe média onde tem influência. Para neutralizar as ações da oposição, o governo transformou o Poliedro de Caracas num grande local de votação para as pessoas que não conseguissem votar nas regiões onde a violência da oposição punha em risco os votantes, o que se transformou num grande sucesso eleitoral. Ao final da votação, o governo pode comemorar com entusiasmo: votaram 8.089.320 eleitores, uma das mais concorridas votações dos últimos tempos na história eleitoral da Venezuela, menor apenas que a de Chávez em 2012, quanto este obteve 8.136.081 votos. Todo o processo eleitoral ficou à disposição da oposição e dos observadores internacionais, caso necessitassem de uma verificação, ao contrário do plebiscito realizado pela direita, no qual as pessoas votavam quantas vezes quisessem e, ao final da votação, para evitar verificações, eles queimaram as urnas.
Um dos fatores que explica a grande votação é o fato de que a população se deu conta de que, apesar dos erros e vacilações do governo Maduro, o fracasso da Constituinte significaria o fortalecimento da direita e do imperialismo no país e a possibilidade de um governo com nítidas características fascistas, que só poderia se manter no poder com enorme repressão contra o povo, além do fato de que aboliria certamente todas as conquistas realizadas pelo governo chavista nestas quase duas décadas. Numa conjuntura dessa ordem, a população deve ter atentado para o fato de que se a situação estava ruim com Maduro, muito pior seria com um governo de direita, cujo único objetivo é tomar o poder e voltar ao velho jogo das oligarquias do passado. Ou seja, a população percebeu o que estava em jogo e votou em massa pela continuidade do processo revolucionário.
O governo Maduro deve receber esse resultado não só com humildade, mas especialmente como uma oportunidade (talvez a última) para corrigir os erros e deformações que marcaram as administrações passadas, como a corrupção em setores governamentais, o burocratismo, o afastamento de setores expressivo da esquerda chavista das esferas de poder e as concessões a setores da oposição. A Constituinte mudou a correlação de forças na luta de classes na Venezuela, deu enorme legitimidade ao regime, mas o imperialismo e a oligarquia não desistirão de seu objetivo: planejarão novas formas de enfrentamento e sabotagem do governo, incluindo provocações militares, e até mesmo uma invasão do país a partir da constituição de um exército mercenário, como acontece na Síria. Portanto, é hora de avançar com o poder popular e mudar definitivamente a correlação de forças a favor do povo.
A dinâmica da luta de classes: a oligarquia e o poder popular
Para que se possa compreender a luta social na Venezuela é fundamental avaliarmos as forças fundamentais que estão em disputa, suas principais características e os laços que as unem tanto interna quanto externamente. A disputa está bastante clara, bem como polarizada, o que permite vislumbrar melhor como se movem as classes e seus aliados, bem como os prováveis desdobramentos desse processo. Na verdade, o que está em jogo, como em todo processo revolucionário, é a questão do poder.
A direita, sem um programa claro, almeja apenas o poder pelo poder para retomar seus privilégios, controla vastos setores da economia, é financiada e organizada pela CIA e o imperialismo, possui apoio entre os governos conservadores da região, enquanto a esquerda tem apoio do setor mais pobre do povo, organizados nos Conselhos Comunais, de expressivos setores da juventude e dos trabalhadores, da grande maioria das Forças Armadas e das Milícias Bolivarianas. Essa é a dinâmica da luta de classes que se desenvolve atualmente na Venezuela.
1) O poder oligárquico.
Politicamente, a direita está organizada na Mesa de Unidade Democrática (MUD), que é a expressão legal de uma vasta rede de partidos, ONGs, setores médios radicalizados. Grupos de Choque de extrema-direita e um lumpesinato treinado e pago para realizar atos de violência. Na verdade, todo esse aparato da reação está sob o comando da embaixada dos Estados Unidos, da CIA e da alta burguesia local, todos profundamente contrariados com as medidas tomadas pela revolução bolivariana, Seus laços com a população pobre são praticamente inexistentes: isso explica porque a violência na Venezuela pode ser caracterizada como uma rebelião dos ricos, comandada pelos ricos, de dentro e fora do País, que se utilizam de uma massa de manobra que vai de setores médios a parte do lumpesinato.
Na verdade, a oposição na Venezuela é composta pela fina flor da oligarquia local, quase todos são herdeiros de famílias de grandes fortunas, empresários, banqueiros, proprietários agropecuários. Uma oligarquia parasitária que enriqueceu a partir da renda do petróleo e que busca de todas as formas retomar seus privilégios retirados em parte pelo chavismo. Para se ter uma ideia do parasitismo dessa classe social, basta dizer que, como acumulavam o dinheiro fácil a partir da renda petroleira, sequer se deram ao trabalho de construir um sistema industrial ou agrícola que proporcionasse autossuficiência ao país. Era mais fácil importar tudo, pois dinheiro não faltava. Até hoje a Venezuela importa a maior parte dos bens industriais e agrícolas que consome.
Vejamos um breve perfil dos principais líderes da direita venezuelana, Leopoldo Lopez, Henrique Capriles, Antonio Ledezma e Maria Corina Machado[6]:
Leopoldo Lopez, um dos mais radicais de todos, é descendente de uma das famílias mais ricas da Venezuela. Estudou no Kenyon College e depois na Universidade de Havard. Ao regressar à Venezuela passou a exercer alto posto na PDVSA, levado por sua mãe, que era diretora da empresa na época. Em 2000 funda com Capriles o partido Primeiro Justicia, desde então financiado pelo National Endowment for Democracy, uma fachada da CIA. Em 2002 participa do golpe de Estado, sendo um dos líderes da detenção do então ministro da Justiça Chavista, Ramon Rodrigues. Posteriormente, Lopez foi anistiado por Chávez e se transformou no principal líder da direita radical. Atualmente, Lopez está em prisão e foi processado por desvio de fundos da PDVSA para seus projetos políticos.
Henrique Capriles também pertence a uma das famílias mais ricas, que controla os principais meios de comunicações, empresas industriais, bancárias, imobiliárias e de serviços e quando jovem foi membro da ultradireitista Tradição, Família e Propriedade e também estudou nos Estados Unidos. Durante o golpe de 2002 liderou o assalto à embaixada de Cuba, no qual cortou a água, gás e eletricidade da representação diplomática para que seus residentes se rendessem e também, junto com Lopez, foi um dos que detiveram o ministro da Justiça chavista durante o golpe. Após o golpe, foi encarcerado e depois anistiado por Chávez. Para entender seus objetivos políticos, durante a campanha em 2013 prometeu que se ganhasse anistiaria a Pedro Carmona, líder do golpe em 2002.
Maria Corina Machado também descende de importante família endinheirada do ramo siderúrgico da Venezuela. Participou ativamente do golpe contra Chávez, sendo uma das assinantes do manifesto golpista que exigia a suspensão das garantias constitucionais. Engenheira industrial, é o que se poderia chamar de ultraliberal. Defensora radical da propriedade privada e contra a intervenção do Estado na economia, reivindica uma sociedade de proprietários e um país de empreendedores. Na Assembléia anterior teve seu mandato cassado por ter se ausentado do país, sem licença da assembleia, para se juntar à delegação de outro país e realizar denúncias contra o governo Chávez.
Antônio Ledezman também é um conhecido direitista e repressor. Foi governador do Distrito Federal no período de Carlos Andres Perez, vice-presidente do Senado e prefeito de Caracas. No massacre do Caracazo, Lerdezma teve um papel fundamental na repressão à população por parte da extinta Polícia Metropolitana, sob suas ordens. Seu nome também está ligado ao massacre de centenas de presidiários, que foram assassinados sob o pretexto de que pretendiam fugir.
A esses personagens se juntam ainda banqueiros como Fortunato Banacerraf Saias, preso por planejar um ataque cibernético contra o Conselho Nacional Eleitoral, visando sabotar as eleições para a Constituinte. Também fazem parte da conspiração contra o governo exilados venezuelanos que residem em Miami e Nova York, de onde montam ONGs, redes sociais e todo um trabalho de logística contra o governo, além da coleta de fundos para financiar a oposição. A burguesia agrária também está implicada com a violência no país, ao emprestar escavadeiras para apoiar saques e destruição de edificações públicas ou financiar e armar capangas para exercer a violência em zonas rurais.
A coordenação e orientação política é realizada pela CIA, Pentágono, Comando Sul, embaixada norte-americana em Caracas, Mesa de Unidade Democrática, oligarquia nacional e internacional, as camadas médias altas e o empresariado urbano e rural. A maior parte do financiamento dos golpistas é feito pelos Estados Unidos e suas agências de fachada, mas os banqueiros e empresários locais, além de exilados na Europa e Estados Unidos, contribuem ativamente para o treinamento e recrutamento de manifestantes, muitos deles entre marginais e lumpesinato. Na escalada para derrubar o governo cumpre um papel especial os meios de comunicação nacionais e internacionais, criando uma imagem de caos, desabastecimento (que eles próprios provocaram), anarquia, repressão e desgoverno, de forma a desqualificar e satanizar as autoridades governamentais.
Essa confraria reacionária não tem escrúpulos nos seus métodos para derrubar o governo: eles se utilizaram desde as medidas aprovadas na Assembleia Nacional, passando pelo fornecimento de equipamentos para os manifestantes treinados, como máscaras de gás, capacetes, escudos, bombas incendiárias, ferramentas de choque e terrorismo puro e simples dos paramilitares, como a bomba que explodiram em uma rua de Caracas por onde passava uma coluna de motociclistas da polícia, deixando mortos e feridos. Atacam prédios públicos, hospitais, escolas, centros de abastecimento, tudo isso para provocar escassez, fome, indignação popular, passar a imagem de País ingovernável e, assim, tentar capitalizar o descontentamento popular para atingir seus objetivos.
2) O poder popular
O poder popular está bastante desenvolvido na Venezuela, muito embora ainda não tenha se constituído em instância de poder efetivo, pelo fato do pioneirismo e originalidade do processo, da própria dinâmica da luta de classes e do cerco do imperialismo, além dos erros, desvios e burocratismo do governo, mas pode-se dizer tranquilamente que é a estrutura de implantação do poder popular mais avançada da América Latina. Atualmente, existem 40 mil organismos do poder popular no país. Para que as pessoas possam entender a metodologia de formação da Assembleia Constituinte da Venezuela, é importante ter em mente que o governo bolivariano, desde a primeira eleição de Chávez, em 1998, apostou numa nova forma de democracia, baseada no poder popular a partir dos bairros e comunidades em geral. Aos poucos, estimulou que essas instâncias de democracia direta tomassem para si uma série de funções que nas democracias liberais são exercidas por instituições do Estado. O poder popular bolivariano tem seu eixo central no poder local, a partir do qual busca construir de maneira original um “Estado Comunal”, ou uma espécie de poder paralelo, impulsionado pelo Estado e apropriado ainda não plenamente pela população dos bairros.
Esse processo foi institucionalizado com a Constituição de 1999, a partir da qual as organizações populares passaram ser reconhecidas como instâncias do poder popular. O artigo 70 define claramente as atribuições populares. “São meios de participação e protagonismo do povo no exercício de sua soberania: em termos políticos, a eleição para cargos públicos, o referendo de consulta popular, a revogação dos mandatos, as iniciativas legislativas, constitucional e constituinte, as sessões públicas de conselhos distritais, municipais e juntas de administração locais, as assembleias de cidadãos e cidadãos, cujas decisões serão de caráter vinculante, entre outros; em termos sociais e econômicos, as instâncias de atenção cidadã, a autogestão, a cogestão, as cooperativas, caixas de poupança, a imprensa comunitária e demais formas associativas serão guiadas pelos valores da mútua cooperação e solidariedade”.[7]
O artigo 184 define mecanismos de descentralização, transferência para as comunidades e grupos de vizinhos organizados de um conjunto de serviços, como saúde, educação, moradia, saneamento, esporte, cultura programas sociais e ambientais, de forma a promover, entre outros pontos: “a participação dos trabalhadores, trabalhadoras e comunidades na gestão das empresas públicas … a criação de organizações, cooperativas e empresas comunais de serviços, como fonte geradoras de emprego e bem estar social … (incentivar) o princípio da corresponsabilidade da gestão publica nos governos locais e estaduais e desenvolver processos autogestionários e co-gestionários na administração e controle dos serviços públicos estaduais e municipais”[8].
Outro dos grandes feitos populares da revolução bolivariana foram as Missões, um conjunto de iniciativas governamentais com o objetivo de satisfazer as necessidades da população, mediante políticas públicas para resolver problemas sociais, entre os quais a educação, a saúde, habitação, a miséria e a fome. Com seu desenvolvimento ganharam uma dimensão também política, tanto do ponto de vista econômico quanto social e se transformaram na principal vitrine dos avanços sociais conseguidos pelo chavismo. Em outras palavras, as missões bolivarianas estão quebrando as velhas estruturas burocráticas do Estado e implantando novas e mais dinâmicas formas de construção de um novo Estado, a partir dessa aliança entre o Estado bolivariano e a iniciativa popular.
O processo de construção do poder popular criou uma dinâmica inteiramente nova na luta de classes na Venezuela, uma vez que, a partir da eleição de Chávez, a população, especialmente, nos bairros pobres e comunidades em geral, passou a ter um protagonismo muito grande, diferente do período anterior, quando os bairros eram vistos como aglomerações marginais. Hoje, o poder popular, mesmo com os problemas naturais de quem está construindo o novo e, apesar das interferências do poder político e do Estado, é uma realidade na vida cotidiana da população pobre, nas questões da iniciativa social e do poder político, fato que incomoda e apavora a oligarquia, os setores reacionários e o imperialismo, pois se trata de um exemplo perigoso para as classes dominantes. Caso seja seguido em outros países colocará em perigo o próprio sistema capitalista.
O poder popular atualmente está organizado de quatro formas básicas: Os Conselhos Comunais, as Comunas Socialistas, os Comitês de Terras Urbanas (CTU) e as Milícias Bolivarianas. Além dessas organizações, existem outras de caráter mais técnico, político e cultural, como a Mesa de Energia, responsável pelo processo de distribuição de energia e gás nas comunidades, os Bancos Comunais, responsáveis pela transferência direta dos recursos do Estado para os projetos comunitários, Brigadas de Trabalho Voluntário, Brigadas Culturais e de Leitura e um conjunto de iniciativas na área da comunicação social, que vai desde as rádios e TVs comunitárias, jornais murais e de bairro, entre outras. Ressalte-se que todo esse processo de construção do poder popular é definido nas assembleias de cidadãos e cidadãs, que é a instância maior, definidora e fiscalizadora de todas essas ações.
2.a) Os Conselhos Comunais
Conforme definido em Lei Orgânica e aprovado pela Assembleia Nacional da Venezuela, os Conselhos Comunais são a espinha dorsal do poder popular e fazem parte do que o governo denomina de democracia participativa e protagônica, conforme o artigo 1: “Os Conselhos Comunais são instâncias de participação para o exercício direto da soberania popular e sua relação com os órgãos do poder público para a formulação, execução, controle e avaliação das políticas públicas, assim como planos e projetos vinculados ao desenvolvimento comunitário”.[9]
O artigo 2 prossegue definindo mais especificamente as atribuições dos Conselhos Populares: “Os Conselhos Populares, no marco institucional da democracia participativa e protagânica, são instâncias de participação, articulação e integração entre os cidadãos, cidades e as diversas organizações comunitárias do movimento social e popular, que permitem ao povo organizado exercer o governo comunitário e a gestão direta das políticas públicas e projetos orientados a responder as necessidades, potencialidades e aspirações das comunidades na construção de um novo modelo de sociedade socialista de igualdade, equidade e justiça social”.[10]
Os Conselhos Comunais são formados a partir da organização num determinado bairro, com características e interesses comuns, com pelo menos 150 a 400 famílias e devem ser registrados no Ministério do Poder Popular. Nas áreas do campo os Conselhos podem ser formados a partir de 20 famílias e nas áreas indígenas a partir de 10 famílias. Todos os dirigentes dos Conselhos são eleitos pelas assembleias dos cidadãos e cidadãs, com um mínimo de 20% dos integrantes, ressaltando-se que todos podem ter seus mandatos revogados. A assembleia também é responsável pela aprovação dos projetos comunitários, além de um conjunto de atividades vinculadas à saúde, educação, esporte, habitação, incluindo as organizações sócio-produtivas do bairro.
Os Conselhos Comunais, através das equipes técnicas, elaboram os projetos, a partir das principais necessidades do bairro e o governo repassa os recursos financeiros destinados à execução das políticas públicas e do plano comunitário de desenvolvimento. O Conselho Comunal e a assembleia dos cidadãos e cidadãs se encarregam de controlar e supervisionar permanentemente a execução e desenvolvimento dos projetos. Os governos regionais e nacional se responsabilizam por prestar assistência técnica e financiar os projetos, promover o desenvolvimento social e fomentar o processo de organização popular.
Como diz um importante analista sobre o processo de construção do poder popular no país, Albert Ramirez: “O Conselho Comunal, nos marcos da democracia direta, participativa e protagônica, são instâncias de participação, articulação e integração entre as diversas organizações comunitárias, que permitem ao povo organizado exercer diretamente a gestão das políticas públicas e projetos orientados a responder as necessidades e aspirações das comunidades na construção da sociedade de equidade e justiça social … É a forma de organização mais avançada dos habitantes de uma determinada comunidade para assumir e exercer o poder popular … É a instância de planificação onde o povo formula, executa, controla e avalia as políticas públicas … e o meio que permite ao povo organizado a assumir diretamente a gestão de políticas e projetos orientados a responder as necessidades, debilidades, fortalezas e potencialidades das comunidades … enfrentando problemas comuns, tato do ponto de vista econômico, político e cultural, além de desenvolver projetos produtivos, industriais, granjas integradas, plantas processadoras, centros de recreação, entre outros”.[11]
O processo de organização popular, no qual o povo começa a exercer diretamente um conjunto de funções que outrora era do Estado e que nesse processo vai se politizando e compreendendo a necessidade de mudanças profundas na democracia burguesa, gera evidentemente pavor nas oligarquias não só da Venezuela, mas em toda a
América Latina. Isso explica em grande parte o ódio da direita e do imperialismo ao governo bolivariano. Evidentemente que os Conselhos Comunais são uma experiência recente, no qual o povo ainda está aprendendo a exercer seu poder nos bairros, muitas vezes enfrentando a burocracia governamental e interferência do partido no poder, mas hoje significa um enorme polo de poder social e uma ferramenta fundamental para a resistência a qualquer tentativa de golpes ou afronta à soberania do país.
2b) As Comunas
Para ampliar o processo de construção do poder popular, o governo vem incentivando a construção das Comunas Socialistas, que é um espaço geográfico maior, que reúne bairros e Conselhos Comunais vizinhos, ou seja, os órgãos do poder popular de uma determinada região com características comuns, com função política e econômica, independentemente das fronteiras geográficas tradicionais, com parlamento comunal, eleito por uma assembleia de cidadãos e cidadãs da região, além de um conjunto de Comissões Técnicas, Econômicas e Sociais para implementar as políticas públicas. As Comunas, apesar de ainda não tão desenvolvidas como os Conselhos Comunais, representariam uma forma superior de organização do poder popular, um poder paralelo em relação ao poder tradicional, além do fato de que neste espaço se constroem as bases materiais e produtivas de uma futura sociedade socialista.
A Lei Orgânica das Comunas, promulgada pela Assembleia Nacional da Venezuela, define o país como um Estado Comunal e a Comuna como sua célula fundamental, baseada em valores socialistas, de participação democrática e protagônica, interesse coletivo, diversidade cultural, entre outros pontos. “O Estado Comunal é a forma de organização político social, fundada no Estado democrático e social de direito e de justiça … no qual o poder é exercido diretamente pelo povo, através do autogoverno comunal, com um modelo econômico de propriedade social e de desenvolvimento endógeno e sustentável, que permita alcançar a suprema felicidade social dos venezuelanos e venezuelanas”.[12]
A criação das Comunas e ampliação de seus poderes representou uma aceleração do processo de construção do poder popular, uma vez que as comunas se declaram abertamente socialistas (Artigo 5 da Lei Orgânica das Comunas): “(A Comuna) é um espaço socialista que, como entidade local, é definido pela integração de comunidades vizinhas com uma memória histórica compartilhada, traços culturais, usos e costumes, que se reconhecem no território que ocupam e nas atividades produtivas que lhes servem de sustento e sobre os quais exercem os princípios de soberania e participação protagônica como expressão do poder popular”[13].
Para Ramirez, as Comunas representam uma fase superior do processo de construção do poder popular e um processo de criação de baixo para cima, sem imposições: “A Comuna marca seu surgimento no terceiro ciclo da revolução e se concebe como uma fase superior de organização popular, rumo à construção do Estado Comunal. Transforma-se as relações de produção avançando para consolidação do socialismo. Isso implica propriedade social dos meios de produção, assim como a participação ativa do povo organizado em todas as fases do ciclo produtivo: produção, transformação, distribuição e consumo. Se gera (a partir daí uma nova cultura de trabalho fundada na superação da economia rentista para avançar para a consolidação da economia produtiva”[14].
Na última vez em que estive na Venezuela tive oportunidade de visitar uma cooperativa de trabalhadoras têxteis e pude constatar o entusiasmo com que desenvolviam esse projeto. Essa cooperativa foi formada num bairro pobre de Caracas, a partir de cadastramento realizado pelo governo para aferir as aptidões profissionais dos moradores. Constatando que mais de 200 mulheres sabiam costurar, o governo treinou essas trabalhadoras para trabalhar em máquinas profissionais. Comprou o galpão e as máquinas para construir a fábrica e, nos primeiros anos, se responsabilizou pela aquisição da produção (lençóis para hospital, uniformes escolares, etc). Alguns anos depois a cooperativa já não necessitava mais das compras governamentais e já estava exportando camisetas polo.
Como a Venezuela é um país com uma classe operária pequena, constituída basicamente no setor petroleiro e algumas fábricas em setores da indústria ligeira, os bairros têm um papel estratégico na construção do poder popular. Como diz Scartezini: “Os bairros venezuelanos possuem um papel fundamental na formação e organização política das classes trabalhadoras do País … Entendendo que a principal força política da Revolução Bolivariana são as comunidades pobres, é possível afirmar que … é nos bairros que se construye el poder popular ”[15].
Analistas do governo veem na construção do poder popular bolivariano um processo que, aos poucos, vai demonstrando a inutilidade da democracia representativa nos moldes burgueses, enquanto a oposição vê nos Conselhos e nas Comunas uma espécie de cubanização da Venezuela. Outros, como Sheidt, constatam um duplo objetivo no processo de construção do poder popular venezuelano “As comunas expressam um duplo propósito: um político e outro econômico. O propósito político é a construção do poder popular na forma de uma democracia participativa e direta nos espaços territoriais mais amplos. O propósito econômico, é o de estimular a produção econômica autônoma e controlada diretamente pela população, na forma de agricultura comunitária, cooperativas populares, controle popular da distribuição econômica, etc”[16].
2c. Comitês de Terras Urbanas
Como em todas as regiões metropolitanas da América Latina, a maioria da população venezuelana vive em grandes aglomerados urbanos nas periferias ou nos morros, como no Brasil, em moradias precárias, com acesso deficiente à agua, saneamento, eletricidade e serviços públicos. Vale ressaltar que na Venezuela a maior parte da população também vive nos bairros, especialmente nas grandes metrópoles, em terrenos montanhosos, como no caso de Caracas, geralmente perigosos e com as casas feitas em regime de autoconstrução, sem assistência técnica e planejamento urbano, portanto, bastante vulnerável às inundações ou deslizamentos de terras. Quando estes fatos ocorrem geralmente causam muitas vítimas entre a população.
Com a promulgação da Constituição em 1999, o governo bolivariano garantiu à população dos bairros o direito à cidade, à moradia e à participação protagônica, além do financiamento habitacional, posse da terra, ordenamento dos bairros e melhorias no seu padrão urbano. Esse processo foi consolidado pelo decreto 1.666, que legalizou o direito de posse aos moradores dos bairros, criou os Comitês de Terras Urbanas (CTU) e posteriormente, em 2006, o governo aprovou, através de lei especial, a regularização integral da posse dos assentamentos urbanos, o que vem produzindo uma revolução habitacional na Venezuela, tanto do ponto de vista da melhoria das condições de vida nos bairros quanto da politização da população pobre dessas regiões. Do ponto de vista financeiro, esse processo é viabilizado pela decisão do governo de direcionar grande parte da renda petroleira para as atividades sociais, especialmente a moradia.
Os Comitês de Terras Urbanas trabalham em comum acordo com os Conselhos Comunais e são formados por até de 400 famílias. Atualmente, são mais de 8 mil comitês espalhados pelo País. De acordo com os artigos 53 e 54 da Lei Especial de Regularização Integral da Posse da Terra e dos Assentamentos Urbanos, os comitês são responsáveis pela elaboração da Carta dos Bairros, onde mapeiam os principais problemas dos bairros, planejam as melhorias, recolhem a história, as tradições culturais e elaboram um plano de ordenamento para os assentamentos urbanos. Os comitês são eleitos pela assembleia dos cidadãos, onde devem participar um mínimo de 50% dos seus integrantes[17]. Para garantir a posse da terra o governo declara de interesse social tanto as terras públicas ou ociosas quanto as privadas. De acordo com dados do Ministério da Habitação, já foram entregues mais de um milhão de títulos de propriedade, tanto individuais quanto coletivas.
Importante ressaltar que o processo de organização popular nos bairros não só melhorou as condições de moradia dos cidadãos, como os CTUs se constituíram em um dos principais órgãos do poder popular, com um potencial transformador extraordinário, não só porque levaram dignidade à população, mas especialmente porque despertaram o imenso potencial político das massas. Isso explica o ódio dos fascistas contra esse processo: por exemplo, o Ministério da Habitação já foi atacado 14 vezes. Na última, 150 encapuzados incendiaram o ministério com seus funcionários dentro, o que gerou cenas de pânico, especialmente porque havia mais de 40 crianças no local. Felizmente ninguém morreu.
2.d) As Milícias Bolivarianas
As Milícias Bolivarianas representam uma espécie de instrumento armado do poder popular, ou o povo em armas, como se costuma dizer na Venezuela. Trata-se de uma força complementar das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB), com o objetivo de defender a revolução de maneira integral. Isso significa que, numa guerra assimétrica, a partir de uma invasão estrangeira, as Milícias estariam preparadas para uma longa resistência popular, que inclui a defesa militar nos bairros, das fronteiras do país, das empresas públicas e privadas e de um conjunto de locais estratégicos para a vida da população, a partir dos quais buscar-se-ia desgastar e golpear o inimigo, enquanto as FANB, constituída de militares profissionais, realizariam a defesa estratégica da nação.
Atualmente, as Milícias contam com 400 mil milicianos, todos voluntários, dos quais 160 mil mais permanentes, mas o presidente Maduro já autorizou a expansão das Milícias para 500 mil membros, “todos com direito a um fuzil”, e o objetivo é chegar a um milhão de milicianos. Anteriormente, as Milícias não dispunham de armas (que ficavam sob a custódia do Exército) e só as utilizavam em eventos especiais e treinamentos, mas agora vão receber as armas. As Milícias possuem um forte componente ideológico e foram constituídas pelo presidente Chávez, em 2007, dentro do princípio de que a segurança nacional não pode ser realizada apenas pelas Forças Armadas, mas também pelo povo armado, que deve realizar tanto as tarefas militares, quanto de inteligência, cultural e econômica e social. Estão ligadas diretamente ao presidente da República, ao ministro da Defesa, e fazem parte do operativo do Comando Estratégico Operacional.
Operativamente, as Milícias estão divididas em dois corpos principais: as Milícias Territoriais e os Corpos de Combatentes. Todos os milicianos realizam treinamento militar e cada batalhão possui 242 membros. A Milícia Territorial tem o objetivo de defender um território ou um objetivo estratégico dentro de um determinado território. Recebem treinamento quatro vezes ao mês, nos fins de semana, se organizam por área de residência ou territorial, e realizam também atividades sociais definidas por seu comando. Dentro das Milícias Territoriais há um grupo especial, a Milícia Rural, que utiliza equipamento diferente da milícia territorial.
Já os Corpos de Combatentes são formados por trabalhadores do setor público e privado e se organizam em função dos seus locais de trabalho. São encarregados não só da defesa das empresas em caso de ataque estrangeiro, mas ainda são responsáveis por manter em funcionamento, com um mínimo de pessoal, as empresas onde trabalham. O treinamento militar dos Corpos de Combatentes é menos rigoroso que o dos milicianos territoriais: eles treinam apenas meio dia por mês, mas até os aposentados das empresas também são integrados nos treinamentos, de acordo com sua condição física. Recebam instrução sobre tiro, comunicação, primeiros socorros e coordenação com os organismos de segurança.
A Milícia Territorial utiliza fuzil automático belga FAL ou a AK103, tanto a de fabricação russa quanto de fabricação venezuelana. Os milicianos mais especializados também realizam treinamento com metralhadoras, morteiros e canhões de 106 milímetros sem retrocesso. A Milícia Rural usa fuzil Mosin-Nagant M9. Entre oficiais há treinamento com metralhadoras pesadas, foguetes antitanques e blindados ligeiros. Comenta-se também que as Milícias treinam para operar helicópteros do Serviço de Busca e Salvamento.
Esse aparato popular está dentro da doutrina de defesa integral a pátria, baseada na união cívico-militar. Como diz Yorlis Fernandez, comandante de uma das centenas de batalhões de milicianos. “A revolução deve ser defendida de maneira integral, por uniformizados e o povo em armas … Já não se trata de uma cultura que estamos acostumados, na qual a segurança e a defesa correspondem apenas às Forças Armadas. Vemos a segurança da nação desde um ponto de vista onde todos podemos aportar os diferentes ângulos comtemplados pela constituição: o político, o econômico, o social, o cultural, o ambiental e militar … Somos um povo com consciência, com convicção de que esse processo revolucionário veio para dignificar os mais humildes”[18].
Desafios e perspectivas
As eleições constituintes na Venezuela representaram um duro golpe para a oligarquia parasitária e, consequentemente, para o imperialismo e suas agências de inteligência e financiamento da violência no país. A oligarquia, que vinha colocando o governo Maduro nas cordas e, inclusive, estruturando um governo paralelo, sob a orientação da embaixada dos Estados Unidos, calculou mal o desfecho da Constituinte. Eles se embriagaram com os sucessos parciais que vinham obtendo com a violência e as manifestações e foram surpreendidos pela disposição da população de dizer um basta à direita. Imaginavam que o boicote eleitoral e o caos no dia da votação, aliados ao descontentamento de vários setores com o desabastecimento e os erros do governo, seriam elementos suficientes para desqualificar e desmoralizar a Constituinte. Erraram e foram golpeados por uma votação maciça, que não estava de nenhuma maneira em seus cálculos.
Neste momento, como meninos mimados que perderam o doce, estão apelando para o “papai” Estados Unidos tomarem um conjunto de medidas para reinseri-los na cena política. Não é à toa que Trump declarou recentemente que não descarta a deflagração de uma intervenção militar. Realmente, foi um golpe muito duro para a oposição. De uma hora para outra a Venezuela saiu do noticiário internacional, as manifestações violentas promovidas pela oposição (que resultaram em 100 mortos, alguns queimados vivos, e mil feridos) e ampliadas pela mídia corporativa ficaram reduzidas a praticamente zero. Além disso, entre os setores da própria oposição há uma grande divisão: uma parte já decidiu participar das eleições regionais, enquanto o setor mais fascista da oposição decidiu não participa e ainda está acusando os antigos aliados de traidores. Mas isso não significa que irão desistir de seus objetivos, nem os seus patrocinadores deixarão de conspirar contra o governo.
Para as forças revolucionárias mais consequentes, como o Partido Comunista da Venezuela (PCV), a instalação da Assembléia Constituinte e as medidas que já foram tomadas neste mês e meio de trabalhos (Demissão da promotora-geral, a Constituinte assumir os poderes da Assembleia Nacional, etc.) representam uma vitória do povo venezuelano frente à política imperialista e à oligarquia local, mas a Constituinte deve promover mudanças profundas para atender as necessidades do povo. “A vitória pode ser efêmera se a Constituinte realizar apenas mudanças na superestrutura. É necessário realizar de imediato um conjunto de medidas que ataquem os problemas essenciais de nosso povo”[19], disse Oscar Figuera, secretário-geral.do PCV.
Realmente, esse é um momento crucial na luta de classes na Venezuela e possivelmente a derradeira oportunidade dada pelo povo para que o governo bolivariano realize as transformações que vem prometendo há anos. Ou seja, a política de conciliação e diálogo só fortaleceu a oposição, as concessões deixaram o inimigo mais forte e as vacilações no avanço para o socialismo criaram o impasse atual. São quase 20 anos de bolivarianismo e a Venezuela ainda é um país capitalista. A luta de classes não é um jogo de pôquer; na luta de classes não tem blefe. Portanto, é hora de transformar as proclamações do socialismo, do Estado Comunal e do Poder Popular em atitude práticas, de forma a que o poder seja efetivamente exercido pelo povo trabalhador.
Portanto, é necessário avançar para um programa de transição ao socialismo. Está mais do que claro que o desabastecimento, o contrabando de mercadorias, as manipulações do câmbio só ocorreram porque estes instrumentos estão nas mãos da burguesia. Por isso, é fundamental nacionalizar o sistema financeiro e instaurar o monopólio do câmbio, de forma a devolver ao Estado a capacidade de controlar a política monetária, de crédito e a estabilidade da moeda. Da mesma forma, é fundamental estatizar os oligopólios de produção e passá-los para o controle dos trabalhadores, medida a partir da qual se abrirá espaço para o controle dos preços sob a supervisão dos Conselhos Comunais.
Como a Venezuela importa a grande maioria dos produtos que consome, tanto os manufaturados quanto os agropecuários, é importante também o controle do Estado sobre o comércio exterior. Com o câmbio e o comércio exterior controlados pelo Estado, torna-se mais fácil e racional a política de importação. Para combater o contrabando e o desabastecimento, é fundamental o controle estatal da distribuição das mercadorias e a criação de uma rede nacional de abastecimento, sob controle dos Conselhos Comunais, de operários e camponeses, e uma política dura contra a corrução em todos os níveis governamentais.
Também é crucial a Constituinte definir uma política de curto, médio e longo prazos para a autossuficiência produtiva e agropecuária. Isso significa formular um plano industrial para tornar o país soberano na produção manufatureira e superar a política rentista que vigorou até hoje, assim como uma política agropecuária que garanta a soberania alimentar, com crédito, assistência técnica e extensão rural para todos que queiram produzir. Tudo isso sob o controle do conselho dos trabalhadores, criando assim uma dinâmica revolucionária capaz de resistir a qualquer investida do imperialismo e da oligarquia parasitária local.
Em outras palavras, o socialismo se constrói com medidas práticas, respaldado no poder popular. Nesse momento em que a Venezuela joga um papel determinante na luta contra o imperialismo e a oligarquia local, é necessário avançar na conquista efetiva do poder não apenas político, mas também econômico, social e cultural, fato que abrirá espaço para outros processos revolucionários em toda a América Latina.
*Edmilson Costa é secretário-geral do PCB
1. Zero, Marcelo. Para se entender a Venezuela. Blog da Carta Capital, 22 de setembro de 2017.
2. Para se compreender melhor o papel das Missões na Venezuela, consultar: Scartezini, Natália. A relevância das missões sociais para o desenvolvimento da revolução bolivariana na Venezuela. Lutas Sociais (PUC-SP), jan/jun 2013.
3. “Venezuela Freedom 2 – Operation”, disponível em: www.globalresearch.ca/us-
4. A Carta Democrática é um instrumento da OEA que busca o fortalecimento da democracia e preservação da institucionalidade e na região, punindo os países que promovam rupturas na ordem democrática. Ou seja, os Estados Unidos promovem a violência e a desestabilização da Venezuela e ainda utilizem seu poder na OEA para condená-la por se defender.
5. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela. Artigo 347. De la Asamblea Nacional Constituinte. Caracas, fevereiro de 2009.
6. A maior parte dessas informações foi recolhida de insurgente.org. Disponivel em: http://insurgente.org/lo que note-cuentan de los lideres de la oposicion venezolana.
7. Constitución de la República Bolivariana de Venezoela. Asamblea Nacional, aprovada por referendo em fevereiro de 2009.
8. Constitución de la República Bolivariana de Venezoela, Art. 184, op. cit
9. Artigo I, Ley Orgánica de los Consejos Comunales. Asamblea Nacional de la República de Venezuela. Reimpressão, novembro de 2012.
10. Ley Orgánica de los Conselhos Comunais, op. cit. Artigo 2.
11. Ramirez, Albert. Comunas socialistas em Venezuela. Disponível em: https://pt.slideshare.net/
12. Ley Orgánica de las Comunas. Asamblea Nacional de la República Bolivariana de Venezuela. Dezembro de 2010.
13. Artigo 5, Ley Orgánica de las Comunas, op. cit.
14. Ramirez, op. cit.
15. Scartezini, Natalia. Movimentos sociais urbanos na Venezuela: o desenvolvimento do poder popular como alternativa ao Estado burguês”. Espaço Acadêmico, agosto 2017.
16. Scheidt, Eduardo. A democracia participativa na Venezuela da era Chávez e a questão dos Conselhos Comunais: Transformação em direção a uma nova cultura política?. Anais do XII Encontro Internacional da ANPHLAC. Campo Grande, 2016.
17. Ley Especial de Regularización Integral de la Tenencia de la Tierra de los Assentamientos Urbanos Populares. Artigos 53 e 54. Asamblea Nacional de la República de Venezuela, junho de 2006.
18. Disponível em: https://www.telesurtv.net/
19. Tribuna Popular, junho de 2017.