Por uma grande rede comunicacional anti-imperialista
por Carlos Aznárez*
Num marco tão especial como foi o de recordar os 50 anos do assassinato de Ernesto “Che” Guevara, os participantes do II Encontro Latino-americano de Comunicadores e Comunicadoras Anti-imperialistas, reunidos em Vallegrande, Bolívia, não pudemos nos abster de estar imbuídos pelo pensamento e pela prática que o Guevara comunicador e jornalista impregnou ao mesmo. Não foram poucos os que recordaram esse guerrilheiro heroico que, além de preocupar-se com a logística de seus sucessivos acampamentos, tanto em Sierra Maestra como na Bolívia, sempre procurou que nunca faltasse um mimeógrafo e papel para escrever informes dirigidos à população, onde se desencadeavam os porquês da luta empreendida. Sobre o particular, falou no II Encontro, a antiga vice-ministra boliviana de Comunicação, Amanda Dávila, que depois de assinalar que não foram vãos (como sugerem porta-vozes da direita) os esforços libertadores de Che, passou a elogia-lo como um grande comunicador popular, desses que são imprescindíveis para entender as lutas passadas e futuras.
Outro integrante do painel, destacou a clareza do Che na hora de apresentar a Jorge Ricardo Masetti a necessidade de formar uma agência de notícias para enfrentar os ataques que resultariam do triunfo da Revolução Cubana. E, assim, de sua mão e da de Fidel, o autor de “Los que luchan y los que lloran” [Os que lutam e os que choram], colocou em marcha essa gigantesca fonte informativa que foi, é e será a Prensa Latina.
Com estes incentivos e rodeados de um âmbito geográfico tão particular como o de Vallegrande, Valle del Yuro e La Higuera, deliberamos durante três dias em torno de 200 comunicadores e comunicadoras chegados de inúmeros países do continente, da Europa e dos Estados Unidos. A caracterização de “anti-imperialista” à reunião que nos convocava servia para reafirmar um caminho iniciado um ano antes em La Paz, e levantar a aposta para que a partir dos debates, trocas e contribuições testemunhais de experiências concretas possamos colocar em marcha projetos mais ambiciosos vinculados a nossa prática jornalística contra-informativa.
Assim, pudemos escutar vozes urgentes e libertárias como as da lutadora Mapuche, Mewlen Huancho, marcando a fogo as táticas repressivas da presidenta Bachelet e afirmando que em seu território existem presos políticos mapuche se expondo para conseguir que sejam escutadas suas demandas de terra e repúdio às transnacionais. Sua voz se converteu em ato de solidariedade internacionalista quando de sua boca e de todas as dos presentes saiu o nome de Santiago Maldonado, cuja imagem presidiu o Encontro, junto com bandeiras da Bolívia, da Wilphala de Abya Yala, Peru, Argentina, do País Basco, Catalunha, México, da Nação Mapuche e tantas outras, que abraçavam o Che e seu combate pela humanidade.
Por sua vez, os jornalistas peruanos relataram as batalhas que vem travado para defender seus meios comunitários da voracidade de um governo pró-estadunidense de A a Z, e advertiram que apesar do neoliberalismo imperante, o povo luta intensamente. Um delegado mexicano insistiu na necessária condenação do narco governo de Peña Nieto, não só pela impunidade pelo caso dos 43 de Atyozinapa e das inúmeras fossas comuns descobertas, mas porque esse país se converteu em um cemitério de jornalistas populares e corajosos. “O mesmo ocorre em Honduras”, apontou outro expositor. E não faltaram denúncias sobre a situação dos e das presas políticas do Paraguai, ou a reiteração do que ocorre na Argentina sob o governo repressivo de Mauricio Macri, sendo os nomes de Maldonado, Milagro Sala, Agustín Santillán e Facundo Jones Huala, os exponentes mais claros de uma política que visa aniquilar os protestos.
Foi importantíssimo escutar os colegas da RPO boliviana (Rádios dos Povos Originários), que após a referência de Eduardo Loayza, reúnem mais de 100 emissoras comunitárias indígenas que estão distribuídas ao longo do território, “contando nossos problemas com nossa própria voz, sem intermediários nem paternalismos”.
Também se destacou a companheira venezuelana Carla Camacho, Secretária da Vice-presidência de Comunicação, Agitação e Propaganda do PSUV, que denunciou os contínuos ataques do terrorismo midiático que sofre a Revolução Bolivariana, e convocou a formar Brigadas Informativas em escala continental para fornecer “a verdade sobre a Venezuela”.
Da Europa, chegou até o fórum, o ex-deputado independentista basco e colunista do diário Gara, Floren Aoiz, que se referiu a tudo o que significou a luta e as ideias de Guevara para os jovens insurgentes de Euskal Herria dos anos 60-70, além de oferecer um panorama informativo sobre a situação atual da Catalunha e suas consequências em outras nações europeias sem Estado, como a própria Euskal Herria.
Foi estimulante escutar o exemplo de jovens comunicadores colombianos do Coletivo Frente Patriótica, que impulsionam entre outras atividades, a equipe de futebol “Euskadi, los hijos de Bolívar” [Euskadi, os filhos de Bolívar], em um bairro humilde de Bogotá, ou a informação sobre o império e suas redes midiáticas, contada por Andrés Conteris, do Democracy Now, ou nos inteirarmos de experiências comunicacionais como as dos e das integrantes da Cooperativa Argentina La Colmena, de Rosario e Entre Ríos. Ou o trabalho da web “Pulso de los Pueblos” [Pulso dos Povos], também da Argentina.
Nesse espírito de aproximação e colaboração entre iguais, que varios dos que incentivaram este II Encontro (entre outros, a Comunidade Comunicacional do Sul, o diário Prensa Rural, a Associação de Rede de Rádios Comunitárias (RRCB) e as POR, da Bolívia, Resumen Latinoamericano (imprensa gráfica, radialista e televisiva) da Argentina, Rádio Estación Chaska e o Sindicato Unitário de Trabalhadores do Jornalismo e da Comunicação Social (SUPTECOS), do Peru, a Vice-presidência de Comunicações da Venezuela, junto a comunicadores e comunicadoras de 12 países, conseguimos sentar as bases para formar uma ampla Rede de Comunicadores e Comunicadoras Anti-imperialistas da América Latina e do Caribe (Rede CAL). Dali, inclusive sem renunciar em nenhum momento às próprias identidades, se irão gestando campanhas comuns de contra-informação que possam enfrentar as permanentes mentiras dos meios hegemônicos.
Outras duas iniciativas a serem colocadas em prática são a criação da Escola “Ernesto Che Guevara” de formação e comunicação anti-imperialista da América Latina e do Caribe, e a colocação em marcha das Brigadas de Agitação, Propaganda e Comunicação (APC Internacional) para oferecer informação veraz e oportuna em tempo real, sobre a Venezuela e os povos do mundo, frente à censura imposta à Venezuela e a outras nações através de uma descarada propaganda de guerra.
Como conclusão prática de todo o discutido neste II Encontro, ou como parte de uma grande oficina de comunicação solidária, todos e todas as participantes geraram uma cobertura conjunta dos dois atos centrais das jornadas pelo Che, tanto o levado a cabo em La Higuera como o de Vallegrande, onde o presidente Evo Morales pronunciou um impactante e combativo discurso.
Sem dúvida, o desafio de unir não é simples, e de fato continua sendo um dos maiores déficits da esquerda latino-americana. Porém, no que se refere ao comunicacional, trata-se de uma impostergável estratégia para enfrentar o complexo momento que vive o continente. Informar para formar a fim de que os povos contem com elementos ideológicos que lhes permita exercer em boas condições sua autodefesa do ponto de vista anti-imperialista, anticapitalista, antipatriarcal e pelo socialismo.
*Resumen Latinoamericano.
Fonte: http://www.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)