A resistência de Aluizio Palmar

imagemAos 74 anos, jornalista mantém o maior acervo digital de documentos da ditadura militar

Júlia Rohden

Com os olhos atentos e a voz calma, o jornalista Aluizio Palmar conta sua história de vida que se confunde com a de outros brasileiros que resistiram à ditadura militar. Aos 74 anos, Aluizio segue ativo na busca por justiça às vítimas do regime. No intervalo entre uma roda de conversa e o lançamento do relatório da Comissão da Verdade do Paraná – Teresa Urban, ele conta sobre os anos de prisão, tortura e exílio. Hoje, é referência no campo dos direitos humanos e foi uma das principais fontes de informação do relatório paranaense.

Ex-integrante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) e da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Aluizio hoje brinca que é militante pela internet. No seu perfil do Facebook está estampada a frase “Não importa o que o passado fez de mim. Importa é o que farei com o que o passado fez de mim”.

Além de ativo nas redes sociais, o jornalista é fundador e editor do maior site de arquivos da ditadura. Documentos Revelados tem mais de 80 mil registros escritos e fotográficos, fruto de décadas de pesquisa que serve como fonte inclusive para as Comissões da Verdade.Fora da vida virtual, ele integra o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu e também o Comitê de Acompanhamento da Sociedade Civil na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

“Eu estava em busca da minha história, da minha memória”, conta Palmar. Ele passou a resgatar a história de outras vítimas da ditadura e, ao longo dos anos, reuniu um grande acervo. “Tinha muitos materiais guardados em pastas e decidi digitalizar tudo para dar publicidade a esse material”, afirma. O jornalista defende a importância da divulgação dessas memórias e conta que os anos de ditadura foram anos de silêncio e do que chama de “desmemorização constante”, com mudanças de identidade e vidas clandestinas em outros países para poder sobreviver.

Os caminhos de Aluizio
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Carioca do pequeno município São Fidélis, Aluizio começou a vida como militante ainda no ensino médio. Foi preso em abril de 1969, quando estava no oeste do Paraná para articular a resistência à ditadura no campo. Foram quase dois anos preso, passando por quatro centros de tortura no Paraná e no Rio de Janeiro. Aos 26 anos, perdeu o nascimento da primeira filha, foi torturado e ficou confinado em uma cela solitária.

A jornalista Juliana Machado entrevistou Aluizio para escrever o livro Cálices Quebrados. Ela conta que tentou saber os detalhes da vida de Aluizio na prisão. Juliana perguntava, Aluizio mudava de assunto. Ela insistiu até ele responder: “Sabe, eu penso assim: será que eu tenho que passar por tudo de novo contando? Não, eu prefiro não falar os detalhes, mas foi o ano de 1969 todo. Esse suplício, que se repetiu desde a minha prisão, aconteceu na Delegacia de Polícia de Cascavel; no Batalhão de Fronteiras, de Foz do Iguaçu; no quartel da Polícia do Exército, em Curitiba; no Centro de Informações da Marinha e nos centros de tortura das ilhas das Cobras e das Flores, também situadas no Rio de Janeiro. Eram torturas de todo tipo, desde choque elétrico, afogamento, pau de arara. As torturas eram realizadas em plena luz do dia.”

Em 1971, foi para o exílio no Chile, junto com outros 69 presos políticos em troca da liberação do embaixador da Suíça no Brasil, Giovanni Bucher. Dois anos depois, o país também sofreu o golpe militar, derrubando o governo do socialista Salvador Allende, e o jornalista se viu novamente sem chão. “Eu pensei: e agora? Não posso ficar no Chile onde estou legalmente exilado, porque foi instaurada a ditadura, e não posso voltar para o Brasil porque senão me matam. O que faço da minha vida?”.

Aluizio foi para o interior da Argentina, onde ninguém o conhecia. Lá se encontrou com a esposa e a filha,e passou alguns anos “sobrevivendo”, como diz. Nesse período teve outros dois filhos e lembra que não se falava de política dentro de casa por medo. Pouco tempo depois, em 1976, o jornalista precisou se mudar novamente porque os militares tomaram o poder na Argentina. “Queimei tudo. O pouco que tinha da minha história, da minha memória foi queimado”, lembra.

Com a Lei da Anistia, Palmar voltou para Foz do Iguaçu onde mora até hoje. Em 1980, criou o jornal Nosso Tempo que durou quinze anos denunciando as violências da ditadura. Ele também escreveu o livro-reportagem “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?” que revela o massacre de seis militantes atraídos para uma armadilha montada pelos militares no oeste do Paraná.

Lançamento do relatório da Comissão da Verdade do Paraná

Aluizio esteve em Curitiba para compor a mesa de convidados durante o lançamento do relatório da Comissão da Verdade do Paraná – Teresa Urban, na última segunda-feira (27). Familiares de vítimas, estudantes, militantes e jornalistas lotaram o auditório Poty Lazzaroto do Museu Oscar Niemeyer (MON).

O relatório foi divulgado após cinco anos de pesquisa para apurar violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar. São onze capítulos e dois volumes que reúnem as investigações feitas pela Comissão.

Desde 2012, quando foi constituída, a Comissão da Verdade do Paraná – Teresa Urban promoveu 59 reuniões públicas e coletou 106 depoimentos em audiências feitas em Foz do Iguaçu, Apucarana, Curitiba, Cascavel, Londrina, Umuarama, Maringá e também no município catarinense de Papanduva (SC).

O relatório também apresenta recomendações visando a prevenção de novos episódios de violação. Uma das recomendações é a criação de um comitê permanente de memória justiça e verdade. No evento de lançamento, o secretário estadual da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos, Artagão Júnior, informou que o governador do estado já assinou o decreto para instituir o comitê permanente.

Edição: Ednubia Ghisi (Texto) Franciele Petry Schramm

Ilustração: Aluizio esteve em Curitiba para participar do lançamento do relatório da Comissão da Verdade do Paraná – Teresa Urban.  Pedro Carrano

https://www.brasildefato.com.br/2017/12/01/perfil-or-a-resistencia-de-aluizio-palmar/

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