O bolo e a cereja para os ricos e as migalhas para os trabalhadores
Flávio Lima*
No intervalo de 18 meses – período que o governo Michel Temer está no poder -, o Brasil vem passando por um processo de reorientação das políticas sociais e distributivas. Ao assumir de forma interina a Presidência da República, diz o geógrafo Ronnie Aldrin Silva, seu governo altera os padrões das políticas universalistas que vinham sendo implementadas desde a promulgação da Constituição de 1988.
De acordo com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), no período que compreende os anos de 2000 a 2015, a renda do país cresceu entre 1,7% e 2,9% ao ano, o que influenciou, diretamente, na redução no percentual de pessoas vulneráveis à pobreza da ordem de 4,8%. Estes índices demonstram a eficácia das políticas que começavam a dar passos para os experimentos de conciliação.
Chegado o momento do golpe parlamentar de 2016, a condição alterou-se significativamente. Neste movimento, a forma de governar voltou então a ser em prol de atender as demandas de um pequeno grupo, composto pelos ricos, empresários e políticos. Dado que demonstra que um imenso esforço de retirar o país dos piores índices sociais angariados nos governos anteriores foram em vão.
Desde então, o país entrou em mais um capítulo de crise política, econômica e social, marcadas por um tripé destrutivo, para lembrar o professor Ricardo Antunes, ao qual o mote é: privatizar o que ainda resta dos equipamentos públicos; flexibilizar todas as relações de trabalho; explorar os recursos naturais, tudo isso, é claro, sem demonstrar preocupação com a conciliação de classes.
Um presidente a serviço de quem?
O roteiro desenhado pelo governo Temer, não poderia ser tão danoso à classe trabalhadora. Ele entra em vigor para impor “reformas” sob o pretexto de combate à recessão em prol da “modernização”, a qual, a PEC do teto dos gastos públicos, a Reforma do Ensino Médio, a nova Lei da Terceirização, a Reforma Trabalhista, a mudança da participação obrigatória da Petrobrás na exploração do Pré-Sal, a reestruturação e privatização das estatais, e outras centenas de medidas tomadas, são exemplares.
O presidente interino também se beneficiou da crise financeira que paira sobre a esfera mundial, aproveitando-se da necessidade de alavancar a economia para dar sustentação às suas imposições. Isso o fez parecer um homem moderno, democrático e generoso, enquanto seu governo comandava o retrocesso de quase um século, momento em que não havia direito trabalhista e proteção social.
O pronunciamento realizado em 11 de julho de 2017, data em que foi votada no Senado a Lei nº 13.467 – Lei da Reforma Trabalhista que entrou em vigor no dia 11 de novembro -, nos apresenta um patamar de sua posição. Uma frase sintomática é, provavelmente: “nós estamos trabalhando hoje para que o amanhã seja de prosperidade e riqueza”.
É o que ele explicita ao dizer que o diálogo social mais indicado, seria o que seu governo vem construindo. Diálogo este que obscurece o antagonismo entre duas classes e não oculta seu desprezo pelos trabalhadores, quando indica que “trabalhadores e empregadores poderão fazer acordos que garantam empregos e sejam adequados as suas realidades, tudo com a proteção da lei”. Temer diz ainda que todos os brasileiros tendem a ser beneficiados quando este governo que quer “recolocar o país nos trilhos, e assim, voltar a crescer”.
Ainda que tente não demonstrar que representa uma classe em específico, implementa políticas que limitam a justiça social e conduzem para o aumento da desigualdade social.
Igualmente, o presidente interino enfatiza corriqueiramente a ideia de que nós, trabalhadores, não devemos nos opor aos empresários, já que são eles quem contribuem para a geração de empregos. Como em toda falácia astuta, ele altera o verdadeiro sentido das coisas ao sonegar, em vários de seus argumentos, o que realmente há por trás dos fatos, para nos impor, é claro, os interesses dos que sempre comandaram este país.
Ao mesmo tempo, ele repete que é o presidente quem deve decidir os rumos do país, mostrando que seu poder é particularmente autoritário e antidemocrático. Por um lado, demonstra toda sua arrogância, desconsideração e desrespeito com o conjunto de trabalhadores, por outro, a consulta e a discussão entre parceiros grupos financeiros e parceiros políticos para a “necessária transformação do país”, como diz no folheto intitulado Uma ponte para o futuro [1].
Um diálogo estabelecido em busca de desestabilizar ainda mais os movimentos trabalhistas, ao qual o cerne é o enfraquecimento das centrais sindicais ou qualquer outro tipo de insurgência. Aliás, qualquer levante que introduza elementos contrários às propostas, tornam-se, discurso dos que “querem barrar o crescimento do país” [2].
Sob o discurso de negação de conflitos de classes, serve para acreditar que há um interesse comum entre os ricos e os pobres, entre trabalhadores e empresários, e assim denigrar aqueles que resistem à sua política: retaliando, inclusive, os que se colocam contra as políticas implementadas por seu governo.
O desprezo com as políticas sociais é sintomático do Governo Temer. Entre tantas manifestações, podemos lembrar que além da educação, da saúde, da habitação social e do saneamento básico, deixados novamente em segundo plano, a política fiscal injusta, decorrentes da má distribuição de renda, influenciam, diretamente, no aumento dos índices de pobreza, de desemprego, de desnutrição, de segregação, da violência, etc. Elementos que contrariam o discurso ofertado por Temer de que seu “governo está conectado com o século XXI”.
Eclode daí, a elevação espetacular da desigualdade que é, em grande medida, fruto da combinação, do jogo de forças de atores políticos, sociais e econômicos. Uma explosão sem precedentes do aumento das rendas derivadas da exploração do trabalho, criando um abismo entre os rendimentos dos grandes empresários e a massa de trabalhadores [3].
Um recente relatório divulgado pela OXFAM [4] indica que apenas seis brasileiros possuem riqueza equivalente ao patrimônio de um montante de 100 milhões. E mais: os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95% mais pobres.
Um último elemento a lembrar é o anúncio da próxima ofensiva, que seria a aprovação da Reforma da Previdência. Para tanto, Temer e seus seguidores, baseiam-se novamente no discurso de “modernização” e de reestruturação demográfica do país. Parece que de fato, a nova ofensiva neoliberal que se fortalece, não apenas no Brasil, mas em vários outros países, possui uma face mais violenta.
Finalmente, todas as medidas implementadas pelo governo Temer aqui indicadas, demonstram a todo tempo que o mesmo está a serviço de uma classe, e que esta, certamente não é à trabalhadora. Do contrário, o governo Temer evidencia sem nenhuma máscara, que está, desde sua assunção, à serviço do capital. Na divisão desigual dos fundos públicos, é servido aos ricos e aos empresários não apenas o bolo, mas também o glacê e a cereja. Aos pobres, trabalhadores, restam apenas as migalhas.
Existe possibilidade de mudarmos este quadro?
A ofensiva de Temer não é a primeira tentativa de desmonte social, e diante do cenário político que estamos vivenciando, que como dissemos é danoso não apenas no Brasil, mas em escala mundial, está longe de ser a última. Argumentos oferecidos por David Harvey, nos levam a crer que ela apresenta, até agora, a face mais perversa do neoliberalismo.
Por isso mesmo, a luta de classes e a mobilização contra este governo são mais do que nunca da atualidade. Perguntas que, apesar de parecerem óbvias, seguem sendo fundamentais para contribuir com a reflexão profunda e com ações que tenham longo alcance, e nos ajudem a reverter o atual quadro instaurado. Neste sentido, questionemos: Por onde devemos começar e como fazer?
Estamos certos de que um dos caminhos que contribuem para que possamos reverter o quadro nocivo que se instaurou não é a quietação que paira nos espaços geográficos. Há grande urgência em superar as formas tradicionais de fazer política para que consigamos sair dessa encruzilhada.
Para tanto, é preciso construir a unidade entre a fragmentada classe trabalhadora: trabalhadores das esferas privada ou pública, jovens e aposentados, negros e brancos, centrais sindicais e outras organizações, devem todos, sem exceção, lutar e resistir em conjunto. Faz-se necessário também reconstruir uma consciência de classe: a consciência de que os interesses dos trabalhadores e dos capitalistas são antagônicos e por fim, a consciência de que a classe trabalhadora é capaz de expropriar os empresários e de transformar a economia para atender às demandas das classes populares, mais que nunca, é fundamental.
* Geógrafo e discente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná.
[1] Relatório publicado pela Fundação Ulysses Guimarães em 29 de outubro de 2015.
[2] Discurso de Michel Temer em 18 de maio de 2017.
[3] A obra de Thomaz Piketty nos apresenta um panorama sobre essa problemática em escala mundial.
[4] Relatório A Distância que nos une, veiculado em 2017.
Foto: Jeso Carneiro (CC BY-NC 2.0). Presidente da República Federativa do Brasil, Michel Temer
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