Deixou-nos fisicamente Isabel Moya

Deixou-nos fisicamente Isabel MoyaMulheres de todos os países, uni-vos contra o patriarcado, contra o capitalismo, contra o neoliberalismo!

Por Maria Torrellas. Resumen Latinoamericano 4 de março de 2018

Neste domingo, deixou-nos fisicamente nossa companheira Isabel Moya, em Havana.

Atualmente, dirigia a Editorial de la Mujer e a revista Mujeres, da Federação de Mulheres Cubanas. Além disso, era professora Titular Adjunta da Faculdade de Comunicação da Universidade de Havana e integrava o Comitê Acadêmico do Mestrado em Gênero da Cátedra da Mulher nesse centro. Conhecemos seu trabalho na Cátedra de Gênero e Comunicação do Instituto Internacional de Jornalismo José Martí, que presidia.

No mês de maio passado, estivemos com Isabel para realizar uma entrevista que será parte do documentário chamado: CUBANAS, que junto com outras companheiras, quer homenagear a mulher cubana. Ela agora será uma das homenageadas imprescindíveis. Este filme estreará em breve.

Resgatamos aqui algumas partes dessa entrevista, como a contribuição de seu trabalho, entrega e amor à causa das mulheres e suas lutas, não só em Cuba, mas no mundo.

Para Moya, as mulheres estiveram sempre nas reivindicações e lutas emancipadoras da nação cubana: – “as mulheres marcaram a construção da nação cubana. Você sabe que a história geralmente conta a partir dos vitoriosos e a partir dos varões, porque a história muitas vezes é contada somente a partir das guerras e dos conflitos, e existem pouquíssimos livros de história onde se fale dos espaços de resistência e mais, de resiliência, verdade? Que permitiu que os povos conseguissem importantes vitorias. No entanto, as cubanas foram um elemento substancial na construção da nação, precisamente desde seus saberes. Não só porque se incorporaram ao bosque mambisa [guerrilheiro], não só porque lutaram, mas porque essas mulheres, muitas delas da classe média alta, que passaram boa parte do tempo bordando, foram capazes de ir ao bosque e viverem em condições bastante precárias, ou de irem à emigração e viverem em Nova York, Estados Unidos, e dali continuar o apoio à luta pela libertação de Cuba do domínio colonial espanhol”.

VilmaNo editorial, depois do desaparecimento físico de Vilma, se difundiu muito sua vida e seu legado. Isabel afirmava que o mesmo era feito há anos com outras companheiras valiosas e seus legados: “Sim e para nós é muito importante, inclusive, tentamos destacar, trazer ao presente as mulheres menos conhecidas, porque existem algumas das lutadoras históricas que foram, pouco a pouco, ganhando um espaço, as pessoas as reconhecem. Por exemplo, em 1912, em Cuba, ocorreu o que se chamou a luta dos independentes de cor, que estavam contra a opressão pela discriminação racial no país. Nunca se falou sobre isto. É algo que veio sendo trago novamente por nós, que estamos colocando em nossas páginas as mulheres negras intelectuais, as mulheres negras operárias e trabalhadoras que se somaram a todo esse movimento antidiscriminação racial.

Acabamos de lançar à luz as publicações que elas faziam e tudo isso é para revelar qual foi o papel das mulheres na construção da nação cubana, de sua cultura. Porém, as mulheres lutam em sua diversidade, mulheres negras, brancas, mulheres operárias, mulheres intelectuais, porque é preciso dizer que em Cuba há um importante número de mulheres que marcaram a história do país e que agora, a partir da revista, se conseguiu que o ministério da Educação começasse a incorporá-las aos livros de história. Porém, a partir da revista, tentamos sempre revelar esses nomes, para que as pessoas as conheçam e saibam como lutaram”.

Apesar das conquistas extraordinárias em Cuba pelos direitos das mulheres, todavia é difícil superar a discriminação na linguagem para as mulheres onde continuamos invisibilizadas por um masculino genérico, que nos inclui sem nos nomear, isto nos explicava Isabel: “Isso é algo das resistências culturais. Dizia Gramsci, o famoso marxista italiano, que a maneira que o capitalismo tinha era inculcar nas classes oprimidas que a ideologia correta, que o padrão de êxito, que o bom, era a ideologia do capitalismo, não? De maneira que por isso… perceba que se fala muitas vezes hoje de ascensão social, ou seja, sem mudar o sistema de voto eu vou passar de operário à pequena burguesia, à classe média. Não interessa mudar o sistema, o que você quer é chegar a ser uma pessoa rica de classe alta. Já o marxismo propõe: não, não, não, vamos dinamitar essa estrutura para que as pessoas possam viver o mais horizontal possível, verdade? Porém, esse capitalismo faz com que você pense que a maneira de chegar ao sucesso, o padrão de êxito é dentro dessa dinâmica capitalista.

OCuba pelos direitos das mulheres mesmo se passa com o patriarcado. O patriarcado é a ideologia do machismo que está nos homens e nas mulheres. E o patriarcado que diz, bom, a norma é o masculino e isso, às vezes, está entronizado não só nos homens, mas também nas mulheres. Por isso, eu dizia que a mudança, no caso de Cuba, que se obteve tanto a partir da legislação, a partir da participação das mulheres na vida pública, de um reconhecimento de uma vontade política, hoje tem como maior desafio a cultura, a subjetividade, os julgamentos de valor.

E isso é tão ou mais difícil que mudar uma lei, porque significa romper com quinhentos anos de uma cultura judaico-cristã ocidental muito machista, a qual depois vão somar várias culturas africanas – falamos de África, já que os escravos que foram trazidos da África vieram de diferentes lugares do continente. Tudo isso faz com que a cultura machista esteja hoje, sim, em certos espaços em retrocesso, porém em outros espaços aparece como o que poderíamos chamar de neomachismo, que já não são tão abertamente machistas, porém fazem parte dessa resistência. Por exemplo, incorporar a linguagem de gênero, que tanto tinha demonstrando que não existe uma verdadeira compreensão de que a linguagem é uma expressão de aproximação e que, portanto, se você não se torna visível está ausente, está excluída. É preciso trabalhar muito.

Nós publicamos um trabalho sobre esse tema, escrito por um filólogo cubano que se chama Luís Toledo Saravia. Porque, inclusive em Cuba, existem aqueles que dizem “não é que a academia, a Real Academia da Língua” e ele começa dizendo, bom já não é mais nada mais porque é real, então não tem nenhuma relação com o que estamos dizendo, sobre as mudanças que temos que incorporar, verdade?

Porém, realmente existe resistência. Isto se levou, inclusive, ao debate da própria Assembleia Nacional quando se discutiu a lei do Código de Trabalho. Pensou-se que, como era uma lei nova, poderia incorporar cada vez mais essa linguagem de gênero, porém existe muita resistência. Em alguns lugares foi possível colocar… por exemplo, na lei onde diz trabalhadores, entenda-se que se diz trabalhadoras e trabalhadores. Por que não diz: onde diz trabalhadoras entenda-se que se diz trabalhadores e trabalhadoras”.

Esta era Isabel, comunicadora e lutadora feminista até o último momento de sua vida. Isto nos expressou sobre o Movimento Feminista Mundial e especialmente do Ni una menos [Nem uma a menos]: “Eu acredito que existe algo importante. Em primeiro lugar, que o movimento de mulheres ressurgiu porque é preciso dizer que existe uma espécie de impasse no movimento de mulheres. E por outro lado, que o movimento de mulheres cada vez está mais articulado com os movimentos feministas. Ou seja, existe um momento em que o movimento feminista tinha uma força e o movimento de mulheres também, porém tinham menos pontos de contato; inclusive existiam aquelas que diziam, não, eu não sou feminista. Este é o movimento de mulheres, porém não sou feminista.

Esta união se evidencio una campanha Ni una menos. Para mim tem sido muito interessante, assim como as marchas do 8 de março realizadas no mundo todo.

Porém, observe, veja um elemento que eu analisava. Quando Trump chegou à presidência nos Estados Unidos, vocês sabem que ocorreram várias marchas. A maior delas e a que mais se somaram países foi a marcha protagonizada pelo movimento de mulheres, com a qual, se quer dizer que cada vez mais a consciência a nível individual está se expressando a nível de grupo, de que nós mulheres não podemos continuar sendo discriminadas. Ou seja, talvez há vinte anos as misoginias deste presidente dos Estados Unidos tivessem passado menos inadvertidas. Hoje, em contrapartida, o movimento de mulheres saiu e foi uma das maiores marchas dentro dos próprios Estados Unidos e a nível mundial.

E eu via que a convocatória de Ni una menos penetrou profundamente em diferentes países e contextos, não só no contexto latino-americano que está muito marcado pelos feminicídios, pelos desaparecimentos, como em outros países onde, inclusive, é preciso dizer que a vida das mulheres não vale nada e que fazer jornalismo – e sim é um jornalismo feito por mulheres – é mais arriscado.

Então, eu creio que tudo isso gerou este forte movimento de mulheres, que vai crescendo e que temos que conseguir nos articular mais, porque do mesmo modo como diziam os velhos marxistas e comunistas, proletários de todos os países, uni-vos, hoje temos que dizer: mulheres de todos os países, uni-vos contra o patriarcado, contra o capitalismo, contra o neoliberalismo. Assim, eu gostaria de deixar esta ideia, de que, sim, um mundo melhor é possível, mas não é possível sem a presença, sem o saber, sem a resiliência das mulheres, de todas as mulheres, em toda sua diversidade, porque também temos que aprender isso, que não existe uma mulher, que as mulheres são muitas, diversas, plurais e que nisso estamos trabalhando, não? Como disse Anais Nin, coloque seu sonho no horizonte e, então, comece a andar.

Claro, ao horizonte não se chegaria nunca, não? Porém, esse sonho a gente agarra. Se nós mulheres colocarmos nosso sonho unidas, se tentarmos ir colocando esse grãozinho de areia no caminho, a próxima geração se aproximará ainda mais do horizonte e assim sucessivamente.

Querida Isabelita, ATÉ A VITÓRIA, SEMPRE!!!

AS MULHERES VENCERÃO!!!

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2018/03/04/cuba-nos-dejo-fisicamente-isabel-moya-mujeres-de-todos-los-paises-unios-contra-el-patriarcado-contra-el-capitalismo-contra-el-neoliberalismo/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)