A luta de Marielle não pode parar!
Avançar a organização popular contra as desigualdades e por uma nova política de segurança pública.
Eduardo Serra – membro do Comitê Central do PCB
O brutal e covarde assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio de Janeiro, não foi um crime comum, mas sim um crime político que teve alvos claros. Um crime ocorrido no momento em que vivemos, no país, uma grave crise política e econômica, com elevados níveis de desemprego e de desmonte do sistema de seguridade social pública. Um crime cometido em meio à intervenção federal militar na área de segurança do Estado do Rio de Janeiro, composta por medidas que introduzem mudanças na estrutura das polícias civil e militar e em suas conexões e pela presença das forças armadas nas áreas mais pobres da cidade.
Marielle foi executada pelo que simbolizava: uma pessoa de origem popular, que veio de um bairro e de uma família pobre e se propôs a representar os moradores dos bairros proletários, os trabalhadores que vivem no subemprego, na fronteira do desemprego e da miséria, que convivem com a violência das ações policiais em seus bairros, com a presença do crime organizado e com a ação das milícias.
Ela representava, também, grupos sociais, como os negros e os homosexuais, que sofrem a violência, o preconceito e a discriminação de partes significativas da sociedade. Esses são os primeiros destinatários do recado dado pelas balas, com a clara mensagem de que devem manter-se calados.
Marielle era uma militante partidária e de movimentos sociais. Uma militante de esquerda, de um partido de esquerda. E as esquerdas se posicionam, também, em favor dos pobres, dos trabalhadores, dos direitos sociais. Esses movimentos e partidos são também destinatários do recado das balas, para que se mantenham calados.
Mas os recados não foram apenas para esses destinatários. Se a presença do exército nas favelas não passa de pirotecnia, pois não é essa a finalidade de sua existência, a capacitação e a vocação das Forças Armadas e as suas ações tendem a repetir o caráter grosseiro e discriminador contra as populações de baixa renda, a possível reestruturação e reequipamento das polícias civil e militar pode abalar as estruturas de facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas e das milícias. Estas são organizações nascidas de esquemas de segurança privada montados nos bairros, para a “proteção” de seus moradores, e que, pouco a pouco, transformaram-se em máfias controladoras da comercialização de mercadorias e serviços ilegais e que, assim como o tráfico, exercem o domínio político dos territórios onde atuam, pois ambas mantêm forte presença nas áreas mais carentes do Rio de Janeiro e prováveis laços com grupos políticos pertencentes aos partidos burgueses. Assim, os outros destinatários são as organizações policiais e toda e qualquer ação pública que possa limitar a presença e a realização de negócios dessas duas vertentes do crime.
O assassinato de Marielle é um crime intolerável e seus responsáveis devem ser identificados e presos. Mas isso não basta. Há que buscar uma série de medidas e ações estruturais de diferentes ordens para que um salto de qualidade seja alcançado na esfera da segurança pública.
Como pano de fundo e base para a proliferação do crime estão a enorme desigualdade social presente no Brasil e no Rio de Janeiro em particular, e a ausência do Estado no atendimento às necessidades básicas da população. O elevado desemprego e a falta de perspectivas de trabalho e de estudo, principalmente para os jovens, criam um ambiente cultural que induz à adesão ao crime como meio de sobrevivência. O Estado não se faz presente, nas áreas mais carentes, na Saúde e na Educação públicas, nos postos do Ministério do Trabalho, na Polícia e em outras instâncias, reforçando o sentimento de exclusão e descrença na ordem social.
A não legalização das drogas também contribui para esse quadro de extrema violência. Sabe-se que morre-se mais pelo combate às drogas do que pelo seu uso. A ilegalidade alimenta os grupos criminosos e o comércio de armas, que também serve a interesses criminosos.
Por fim, cabe ressaltar que a fragilidade da polícia civil e a natureza militar da PM são outro pilar de sustentação desse estado de coisas. É preciso reestruturar as polícias, construir, sem prejuízo para os policiais hoje em exercício, uma nova instituição, civil, com formação em academia, planos de carreira estruturados e boa remuneração para os seus profissionais, condições técnicas para lastrear as investigações, sob controle da sociedade.
É um longo caminho, um caminho que deve ser trilhado a partir de agora.