Em 10 anos, número de negros assassinados na Bahia cresce 118%
MTST – 10/04/2018
Estado tem o índice mais elevado, em números absolutos, de negros assassinados no país, quantia que chega ao o dobro da de São Paulo. Secretaria de Segurança Pública da Bahia diz que não utiliza o marcador racial na prevenção dos crimes e na contagem das vítimas de homicídio
Segundo o Atlas da Violência de 2017, 5.446 negros foram vítimas de homicídio na Bahia, em 2015. Os dados por raça apresentados ao Alma Preta pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que a quantidade de pretos e pardos assassinados no estado da região Nordeste representa 13% do total de negros assassinados no Brasil naquele ano, quando o número chegou a 41.592.
Em 2005, quando os números começaram a ser contabilizados, a Bahia ficava atrás em número de negros vítimas de homicídio de estados como Rio de Janeiro, com 4.658 assassinatos, São Paulo, 3.734, Pernambuco, 3.517, e Minas Gerais, com 2.870.
Os dados na Bahia daquele ano foram de 2.380 pretos e pardos assassinados, quem compõem o grupo racial negro, segundo o IBGE. A marca de 5.446 assassinatos representa um crescimento de 118%, entre 2005 e 2015, no número de negros vítimas de homicídio na região.
Cláudia Rosalina Adão, autora da obra “Territórios de Morte: Homicídio, Raça e Vulnerabilidade Social na Cidade de São Paulo”, descreve possíveis explicações para o aumento das taxas no estado da Bahia tanto no campo da segurança quanto na esfera das políticas públicas governamentais a nível regional e federal.
“O acesso às armas de fogo, o tráfico de drogas ilícitas e as disputas pelo controle dos pontos de distribuição e venda de drogas, o aumento de policiamento violento e repressivo; a privatização dos serviços básicos como saúde, educação, previdência e segurança pública são fatores que contribuem para o aumento dos índices de homicídio”.
Eduardo Ribeiro, coordenador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas (INNPD), também crítica a ineficácia no registro de casos de morte no Brasil, o que pode implicar na subnotificação de diversas vítimas.
“Há uma dificuldade de organização desses dados. Isso tem a ver com o nível de relevância das mortes negras para o Estado brasileiro”.
A autora do livro, Cláudia Rosalina Adão, também chama atenção para a dificuldade de conhecer, de mais maneira mais aprofundada, a violência contra a comunidade negra na região Nordeste do país.
“Ainda são escassos os estudos sobre as condicionantes da evolução dos homicídios na região Nordeste com recorte racial”.
A Secretaria de Segurança Pública da Bahia, em resposta ao Alma Preta sobre o assassinato de negros, disse que “as investigações das mortes ocorridas no estado, bem como as ações de prevenção à violência são adotadas independentemente da cor da pele das vítimas”.
O órgão de segurança aponta o tráfico de drogas como o responsável por grande parte dessas execuções e afirma que o governo do estado desenvolve projetos sociais nas comunidades.
“A SSP promove inúmeras ações, através de projetos sociais e proteção aos jovens, como o Programa Educacional de Resistências às Drogas e à Violência (PROERD), presente em boa parte dos municípios baianos, ampliando a discussão sobre o assunto nas escolas”.
A Secretaria também reitera que “dezenas de projetos são desenvolvidos nas Bases Comunitárias de Segurança, oferecendo lazer, esporte, educação e conhecimento em localidades carentes de serviços básicos e comumente utilizados pelo tráfico de drogas para a conquista dos jovens”.
Violência destacada na região Nordeste
A Bahia, apesar de ser onde há a maior taxa de negros assassinados em números absolutos, não é o estado que registrou o maior crescimento no número de negros assassinados.
O estado com o aumento mais alarmante foi o Rio Grande do Norte, que saiu dos 275 casos em 2005, para 1.283, em 2015, crescimento de 366% do índice.
Outros estados que lideram o aumento nas taxas de homicídio de negros são o Ceará, com o crescimento de 198%, saindo de 760 para 2.272 negros assassinados, o Maranhão, com 173%, saindo de 774 para 2.118 negros executados, e Sergipe, com 253%, saindo de 345 para 1.221 afrodescendentes vítimas de homicídio.
Ana Cláudia Rosalina crítica a existência de uma política econômica de fortalecimento do mercado e sucateamento do serviço público como uma ferramenta de exclusão da comunidade negra no campo social.
“A adoção do neoliberalismo, além de enfraquecer as políticas públicas, aumentou o processo de exclusão que já existia e acentuou as condições que levam a produção da morte nas periferias. Há nesse contexto a crescente necessidade de exclusão social e eliminação física dos grupos que não se adaptam à agenda neoliberal. As imagens e os números que cercam as condições de vida da população negra na região nordeste estampam essa dinâmica”.
Quedas no Sudeste
Estados com destaque na região Sudeste tiveram aumentos mais tímidos ou até uma redução nos números com relação a 2005.
Minas Gerais teve um crescimento da ordem de 14%, com 3.300 mortes negras em 2015, enquanto o Rio de Janeiro apresentou uma redução de 24,5%, com 3.517 assassinatos em 2015, e São Paulo uma redução de 32%, com 2.537 homicídios de negros.
A queda mais acentuada, em São Paulo, não pode ser creditada ao governo estadual, segundo Cláudia Rosalina Adão. Ela enxerga no período um enfraquecimento de políticas públicas voltadas para a saúde, educação e assistência social, fatores que costumam ser responsáveis pela queda das taxas de homicídio.
Com base no pesquisador canadense Graham Willis, da Universidade de Cambridge, Inglaterra, Cláudia apresenta outra resposta.
“Ele argumenta que em geral, a queda de 73% nos homicídios no estado desde 2001, é muito brusca para ser explicada por fatores de longo prazo como avanços socioeconômicos e mudanças na polícia”.
Para Graham Wills, não há políticas públicas efetivas nas periferias de São Paulo no início dos anos 2000. O pesquisador canadense afirma que é nesse período que o PCC ramifica sua atuação na cidade de São Paulo, e se estabiliza como presente no cotidiano das periferias do município.
Cláudia Rosalina acredita que essa diminuição se deve mais por ação “do crime organizado, do que por políticas efetivas do Estado. O PCC atua como um regulador da violência, da vida e da morte nas periferias”.
Questionada sobre a existência de um genocídio negro também no estado de São Paulo, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) preferiu destacar a diminuição da letalidade policial no território paulista. O órgão também informa que o combate aos crimes contra a vida faz São Paulo ter a menor taxa de homicídios do país.
“As políticas públicas de combate aos crimes contra a vida permitiram que o Estado atingisse o índice de 7,86 casos por 100 mil habitantes, patamar mais baixo da série histórica iniciada em 2001, com redução de 76,4% desde então. A média do país é de 25,7 homicídios por 100 mil habitantes, de acordo como anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública”.
No que tange à seletividade racial, a assessoria de imprensa também ressalta a queda da vitimização da população negra por conta da ação policial.
“De acordo com o estudo, houve redução de 72% da vitimização da população negra por armas de fogo em São Paulo, sendo que em 2014, a taxa chegou a 10,3 pessoas negras por grupo de 100 mil. Em 2003, o patamar era de 36,2 indivíduos. O Atlas da Violência 2017, divulgado em junho pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Ipea, mostra que São Paulo é o Estado com menor taxa de homicídios da população negra do país: a taxa, em 2015, foi de 15,4 pessoas por 100 mil habitantes, patamar 59% abaixo da média nacional”.
Por Pedro Borges
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