López Obrador e o poder real

imagemCarlos Fazio

 ODiario.info

López Obrador foi eleito para a presidência do México. O seu partido (Juntos Haremos História) ganhou 31 dos 32 estados do país. Tão significativo como essa vitória é o fato de, desde Junho, destacadas personalidades da administração Trump e jornais norte-americanos o virem hostilizando ou apresentando como um “esquerdista”. Mas, se se mantiver fiel às suas declarações de mudança e quiser que elas avancem, as maiorias eleitorais não bastarão face à poderosíssima e criminosa oligarquia e ao vizinho do norte. Só um povo mobilizado e em movimento, preparado para um duro e prolongado combate, poderá concretizar tal resultado.

No dia primeiro de julho, milhões de mexicanos foram votar, e Andrés Manuel López Obrador (AMLO) é o novo presidente da República. A não ocorrer nada de extraordinário no período de transição, no primeiro de dezembro próximo, AMLO deverá assumir o governo. Mas, durante esse lapso, e ainda mais além do médio prazo, o poder continuará estando nas mãos da classe capitalista -transnacional.

É previsível também que, a partir deste 2 de julho, o bloco de poder (a plutonomia, Citigroup dixit), incluindo os seus meios de comunicação hegemônicos (Televisa e Tv Azteca, de Azcárraga e Salinas Pliego, ambos megamilionários da lista Forbes), e seus operadores nas estruturas governamentais (o Congresso, o aparelho judicial, etc), escalarão a insurgência plutocrática procurando ampliar os seus privilégios e garantir os seus interesses de classe, para continuar potenciando a correlação de forças em seu favor.

Para além do ruído das campanhas, o processo eleitoral decorreu sob o signo da militarização e da paramilitarização de vastos espaços da geografia nacional e de uma guerra social de extermínio (necropolítica) que elevou os níveis de violência homicida a limites nunca vistos no México moderno, semelhantes aos de um país em guerra (naturalizando-se em vésperas das votações o assassínio de candidatos a cargos de eleição popular).

Como recordou Gilberto López y Rivas em La Jornada, esse conflito armado não reconhecido é a dimensão repressiva do que William I. Robinson denomina acumulação militarizada, cuja finalidade é a ocupação e recolonização integral de vastos territórios rurais e urbanos para o saque e despojo dos recursos geoestratégicos, mediante uma violência exponencial e de espectro completo que é característica da atual configuração do capitalismo: o conflito e a repressão como meio de acumulação da plutonomia.

Para isso a classe dominante fez aprovar a Lei de Segurança Interna. E está latente, para ratificação no Senado, a iniciativa de Deputados de retirar judicialmente do lugar o presidente da República; a denominada estratégia de lawfare aplicada a Dilma Rousseff e Lula da Silva no Brasil, que implica o uso da lei como arma para perseguir e destruir um adversário político pela via parlamentar e/ou judicial, uma variante dos golpes suaves de manufatura estadunidense que poderia reverter contra AMLO.

A esse respeito, e para além da sua viragem ao centro e o redesenho do seu programa de transição reformista − capitalista, democrático e nacional, com grandes concessões ao bloco de poder dominante, a chegada de López Obrador ao governo poderia implicar, em princípio, uma perda de velocidade ou uma pausa para respirar (Galeano dixit) na tendência do incrementado fim de ciclo progressista e restauração da direita neoliberal na América Latina.

O impulso de uma nova forma de Estado social, sem ruptura frontal com o Consenso de Washington, significará, não obstante, uma mudança na correlação de forças regionais e terá tremendo impacto nos povos latino-americanos. Por isso não é de modo nenhum inocente – ou simplesmente centrada no aprofundamento das políticas de mudança de regime na Venezuela e Nicarágua− o recente périplo neomonroista do vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, por Brasil, Equador e Guatemala.

Justifica-se recordar o invulgarmente crítico editorial do Washington Post de 18 de junho, que assumiu como suficientemente credíveis os nexos de colaboradores próximos de López Obrador com os governos de Cuba e Venezuela, e as declarações do senador republicano John McCain, apontando AMLO como um possível presidente esquerdista anti estadunidense e as do atual chefe de gabinete da administração Trump, general (retirado) John Kelly, que afirmou que López Obrador não seria bom para os Estados Unidos nem para o México.

Segundo assessores de política exterior de AMLO, o seu governo colocará perante Washington a defesa intransigente da soberania nacional, fará a revisão do quadro da cooperação policial, militar e de segurança (DEA, CIA, ICI, Pentágono, etc) e, sob a premissa de que a emigração não é um crime, incrementará a proteção dos compatriotas irregulares, como se fosse uma procuradoria ante os tribunais dos Estados Unidos. Também reverá os contratos petroleiros e de obras públicas. O que sem dúvida trará fortes confrontações com a Casa Branca e a plutocracia internacional.

Como disse Ilán Semo, no México a Presidência da República encerra potencialidades simbólicas insuspeitadas, uma espécie de carisma institucional. Não importa quem a ocupe, inclusive um inepto (pensemos em Vicente Fox), o cargo transmite-lhe uma aura: é o Presidente. Depois da Independência, da Reforma e da Revolução Mexicana, AMLO quer passar à historia como o homem da quarta transformação. Mas para isso é necessária uma mudança de regime e impulsionar grandes saltos na consciência política dos setores populares; sem um povo organizado e mobilizado visando um projeto de mudança radical e profundo, não há carisma que chegue.

Fonte: http://www.jornada.com.mx/2018/07/02/opinion/027a1pol

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