A atualidade da luta por memória, verdade e justiça
Antônio Lima Júnior*
No dia 03/07), o ministro chileno Miguel Vázquez condenou a 18 anos de prisão os nove ex-funcionários do Exército responsáveis pelo sequestro e assassinato do cantor Victor Jara e do dirigente comunista Littré Quiroga, em setembro de 1973 [1]. Jara e Littré foram presos após o golpe contra o governo socialista de Salvador Allende e levados para o Estádio do Chile, onde sofreram diversas torturas.
Jara teve sua língua cortada e suas mãos destroçadas, sendo assassinado com balaços em 16 de setembro, cinco dias após o golpe e sua prisão. Littré Quiroga fora assassinado um dia antes e teve seu corpo encontrado junto ao de Jara e outros quatro cadáveres no cemitério metropolitano de Santiago.
O caso é apenas um dos vários crimes associados à ditadura militar chilena (1973-1990), que têm sido levados à tona em busca de responsabilizar seus autores e lutar por memória, verdade e justiça. Casos como o rapto de crianças durante a ditadura [2] ou as suspeitas sobre a real morte do poeta Pablo Neruda [3] também entram no bojo desse combate.
No Brasil, a situação com relação aos crimes cometidos pela ditadura militar daqui (1964-1985) são bem diferentes. Dois dias após a sentença chilena, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o Estado brasileiro pela falta de investigação e julgamento aos responsáveis pela tortura e assassinato do jornalista Vladmir Herzog, nos porões do DOI/CODI em 1975. A apelação veio do Instituto Vladimir Herzog, encabeçado pelo filho do jornalista, Ivo Herzog, após desistir do julgamento nos tribunais nacionais ou em instâncias como a Comissão de Anistia.
Diretor de telejornalismo da TV Cultura e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Herzog foi preso em 24 de outubro, ao comparecer nas instalações do DOI-CODI, após intimação. Assassinado depois das sessões de tortura, no dia seguinte teve sua morte declarada oficialmente como suicídio, o que levou ao grande combate para desmentir a versão oficial, gerando uma comoção internacional, que resistiu à censura da imprensa.
O jornal El País lembrou também que a CIDH havia decidido, em 2011, que o Estado processasse os acusados pelos assassinatos e desaparecimento de 62 pessoas na guerrilha do Araguaia [4]. Casos como esses mostram o papel conivente do estado brasileiro em relação aos crimes cometidos no período da ditadura militar e a ineficiência do período de redemocratização em investigar e julgar, buscando reparar os erros e prezar para que os crimes de estado não mais aconteçam.
Além do Chile, exemplos como o da Argentina mostram a diferença nos países em que os crimes dos regimes militares foram julgados e seus danos reparados, como a emblemática prisão do ex-ditador Jorge Videla, condenado a 50 anos pela responsabilidade no sequestro de bebês, cometidos pelo seu governo no regime militar argentino (1976-1983). Aos 86 anos, Videla cumpriu prisão em regime fechado, falecendo no ano seguinte como condenado por suas atrocidades [5].
A luta por memória, verdade e justiça permanece na ordem do dia aqui no Brasil. É importante a mobilização dos movimentos sociais e democráticos nesta empreitada, buscando não somente que o Estado assuma seus erros, como que haja a responsabilidade aos culpados. Como Walter Benjamin diz nas suas teses sobre o conceito de história, são os vencedores quem contam a história oficial. Deixar escapar essa luta é aceitar que a ditadura militar venceu ao apagar física e memorialmente aqueles que resistiram e sempre estiveram ao lado do povo. Que o Estado pague pelos seus crimes, antes que os ditadores morram tranquilos em suas camas confortáveis, enquanto muitos ainda choram na busca incessante pela resposta do paradeiro de seus entes queridos. O que nós queremos é a verdade, antes de tudo.
1. Assassinos de Victor Jara são condenados no Chile http://pcb.org.br/portal2/20143/assassinos-de-victor-jara-sao-condenados-no-chile
2. Chile: acusações por rapto de menores durante a ditadura http://pcb.org.br/portal2/19669/chile-acusacoes-por-rapto-de-menores-durante-a-ditadura
3. Hora de fazer justiça com Neruda e com todos no Chile http://pcb.org.br/portal2/10922/hora-de-fazer-justica-com-neruda-e-com-todos-no-chile
4. Brasil é condenado por não investigar assassinato e tortura de Vladimir Herzog https://brasil.elpais.com/brasil/2018/07/04/politica/1530734238_207748.html
5. Morreu o antigo ditador argentino Jorge Videla https://www.publico.pt/2013/05/17/mundo/noticia/morreu-o-antigo-ditador-argentino-jorge-videla-1594722
*Militante do PCB do Ceará