França: da repressão ao escândalo de Estado

imagempor Rémy Herrera

Resistir.info

Nos últimos meses, a repressão antissocial subiu vários degraus na França. O estado de emergência, substituído em novembro de 2017 por uma lei antiterrorista, tem muito a ver com isso. Mas é sobretudo a multiplicação das lutas dos trabalhadores, em muitos setores da sociedade, que explica a extensão das operações policiais e militares.

Até há pouco, as oposições visíveis ao presidente da República Emmanuel Macron vinham da rua, dos sindicatos e do povo mobilizado, muito mais do que da classe política e dos meios de comunicação. Tudo isso mudou em 18 de Julho após a explosão do “caso Benalla”. Bastaram três dias para fazer com que o Eliseu passasse da euforia da vitória da equipe francesa na Copa do Mundo de futebol para um sismo de amplitude política inimaginável.

A mesma mídia que havia servido como máquina de guerra para eleger o candidato Macron a chefe de Estado lembra hoje ao presidente que o seu poder executivo se limita ao de executante dos desejos dos grandes capitalistas. No Parlamento, o choque provocado por este “caso Benalla” conseguiu fundir a direita tradicional (os republicanos) e aquilo a que chamarei de “nova direita” (os resíduos da social-democracia) ao lado da extrema-esquerda ( France insoumise e Partido Comunista) e da extrema-direita (ex- Front National, agora Rassemblement national ) numa oposição generalizada contra Macron.

Mas do que se trata neste “caso”? Em 18 de Julho, vídeos datados do 1º de Maio último começam a circular na Internet mostrando um homem com capacete – que se verificará ser o adjunto do diretor do gabinete do presidente Macron, Alexandre Benalla – a interpelar e bater num casal jovem junto à manifestação da Festa dos Trabalhadores em Paris. Benalla revela-se brutal – à semelhança de numerosas operações de repressão, mas ainda ostenta insígnias das forças da ordem, quando ele não é nem polícia nem militar. Ele é apenas um guarda-costas, confiante e brigão, mas muito apreciado por Macron, que o havia recrutado durante a sua campanha eleitoral e depois o promovera no seu gabinete presidencial.

Sabe-se então que, com apenas 26 anos de idade e não tendo outra formação senão aquela recebida no trabalho do serviço de ordem do ex-Partido Socialista, Benalla teria se beneficiado de privilégios: promoção ultra-rápida, remuneração confortável, porte de armas obtido por procedimento não regulamentar, atribuição de um apartamento nos bairros elegantes da capital… Alguns destes favores eram manifestamente exorbitantes: hábito de dar ordens a polícias e militares, porte de braçadeira das forças da ordem, livre acesso à Assembleia Nacional, “contatos amistosos” na prefeitura de polícia que lhe transmitiu os registos de câmaras de vigilância que o põem em causa… Além disso, o gabinete de Macron pretende tê-lo imediatamente sancionado pelo seu excesso de zelo… sem que quaisquer traços dessas sanções fossem encontrados. Benalla continua a deslocar-se com o presidente, recebe seu salário, mantém seus privilégios…

Os slogans da campanha que prometiam uma “República exemplar” dão lugar à suspeita de criação de uma polícia paralela (ilegal, “privada”) obedecendo ao presidente da República. Frente às explicações reclamadas por todos, Macron e seu governo, atordoados, permaneceram mudos durante vários dias. Foram necessárias às oposições dez horas de batalha parlamentar para suspender os debates sobre a reforma constitucional (pretendida por Macron, pois destina-se a dotá-lo de poderes ainda mais vastos do que aqueles, imensos, de que já dispõe) e para constituir uma comissão de inquérito. Perante esta comissão, o ministro do Interior veio dizer que não sabia de nada, enquanto um desfilar de altos funcionários acrescentava que eles tão pouco sabiam muito mais.

Não é de admirar: tudo se passava no Eliseu. Foi preciso esperar uma semana (de caos) antes que Macron interviesse. Ele o fez à sua maneira, feita de provocações, dizendo em substância: “Sou o único responsável. E quem o quiser, que me venha!” Procurá-lo? Mas aqueles que conhecem as instituições políticas francesas sabem bem que a Constituição da V República protege poderosamente a pessoa do Presidente da República. De fato, o que declara Macron, como um pequeno fantoche de finanças, é que aplicará a força, que fará aplicar a vontade dos seus mestres capitalistas desafiando todos os contrapoderes: parlamento, mídia, manifestações popular…

Algumas vozes (não parlamentares) pedem a sua destituição. Duas moções de censura contra o governo foram apresentadas na Assembleia Nacional. O “caso Benalla”, ainda em curso, sujou profundamente – e oportunamente – a imagem de Macron tanto no país como no estrangeiro. Daí, preparar em melhores condições os trabalhadores para o futuro retorno de lutas sociais, em Setembro!

29/Julho/2018

https://www.resistir.info/franca/remy_29jul18.html