Entrevista com Carolus Willer (PCV): “Devemos preparar-nos”

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Neste momento de recrudescimento dos ataques do imperialismo à Venezuela, divulgamos importante entrevista do Secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista da Venezuela, concedida logo após a realização das eleições presidenciais naquele país. O PCV apoia o governo de Nicolas Maduro, mas não deixa de apresentar as divergências que tem com o PSUV, um partido social-democrata. Entrevista com Carolus Wimmer, secretário internacional do PCV acerca da situação naquele país.

SDAJ: Qual é a vossa apreciação sobre a vitória eleitoral? 

Carolus Wimmer : A vitória de Maduro é para nós uma vitória eleitoral benvinda e importante, mas não uma vitória para comemorar e sim um incitamento forte à reflexão, à crítica e à auto-crítica. Os Estados Unidos, apoiados pela UE, anunciaram que não reconheceriam o resultado. A burguesia venezuelana montou uma greve dos transportes no domingo das eleições. Que a eleição tenha simplesmente podido se realizar, e mesmo com êxito e na calma, prova que a maioria da população quer a paz e a democracia. Para nós, a democracia significa que a população tem o direito de decidir pelo voto quem deve ser presidente.

SDAJ: A participação nas eleições e o número absoluto de sufrágios a favor de Maduro foram claramente mais fracos que nas eleições anteriores. Por quê? 

Carolus Wimmer: Isso tem a ver em primeiro lugar com o fato de que a oposição apelou ao boicote. Entretanto, uma parte da oposição, mesmo assim, participou nas eleições que foram democráticas com quatro candidatos oponentes a Maduro. Uma vez que a oposição, na sua maior parte, não participava, pode-se supor que uma parte dos nossos eleitores disse a si própria: “ele ganhará de qualquer modo” e não se deslocaram. Em comparação com os outros países da América Latina, experimentamos um alto nível de participação eleitoral. Desta vez, na escala do nosso país, não estamos satisfeitos, mas a participação continua superior àquela nas eleições na Colômbia, Argentina, Chile ou Brasil. É um número que é preciso relativizar.

SDAJ: Por que, como partido comunista, apoiaram Maduro? 

CW: Apoiamos Maduro com a palavra de ordem “unidade para a defesa da pátria”. A Venezuela é um país capitalista com as contradições inerentes a um país capitalista. Também temos contradições com o nosso aliado, o PSUV, que é um partido social-democrata. Mas no momento a prioridade é a defesa da soberania nacional da Venezuela contra as ingerências e as ameaças militares dos Estados Unidos e da UE. Era claro para nós que este objetivo comum devia prevalecer sobre as divergências com o PSUV, que entretanto explicamos durante a campanha eleitoral.

SDAJ: Assinaram um acordo com o PSUV, enquanto partido comunista. Quais eram seu conteúdo e seu objetivo? 

CW: Apoiamos Maduro com a condição de haver um projeto comum mínimo. É este o sentido do acordo assinado com o PSUV. Não foi fácil concluir este acordo, mas chegamos lá. Para nós, trata-se de um programa de combater para defender a classe operária e ele contém muitas propostas para remediar dificuldades e erros. É o primeiro programa comum em 19 anos entre o PCV e o PSUV na Venezuela. Consideramo-lo como um êxito, mas igualmente como uma necessidade. Sem este programa, certamente não teria havido apoio a Maduro da nossa parte.

SDAJ: Quais são os pontos centrais do acordo? 

CW: O programa compreende ao todo 19 pontos sobre os quais pudemos nos pôr de acordo com o PSUV. Isso faz parte do reconhecimento da necessidade de uma liderança coletiva do processo revolucionário. “Revolucionário” entendido no sentido de libertação nacional e não de conquista do socialismo. Na nossa opinião, a Venezuela enfrenta numerosos problemas porque os assalariados ainda não alcançaram nenhuma posição dirigente. Eles certamente podem votar, mas as posições dirigentes permanecem sempre ocupadas pela burguesia.

Outros pontos referem-se ao combate à corrupção, à exigência de uma planificação centralizada, ao combate contra os privilégios da burguesia, à exigência de que, na situação econômica difícil que atravessa o país, não vá nenhum dólar para a burguesia. Um outro assunto, decisivo para nós, é a busca do desenvolvimento produtivo. A Venezuela é um país petrolífero. Vivemos, desde há um século, do petróleo. É necessário que o país se industrialize mais – e não só com “projetos mamute”, mas também através de pequenas e médias empresas, o artesanato, a agricultura. Isso não constitui um programa socialista, mas sim um começo positivo, se o governo está realmente pronto a melhorar concretamente a situação e a pôr em ação os pontos mencionados.

SDAJ: Acerca de que pontos distinguem-se do PSUV? 

CW: A diferença entre o PCV e o PSUV é aquela que separa o comunismo da social-democracia. Não é o que colocamos em primeiro lugar neste momento, mas lutamos pelo socialismo. O socialismo é a libertação do homem da exploração, o poder à classe operária, aos assalariados e ao conjunto dos trabalhadores.

Nossa base teórica é o marxismo-leninismo e podemos demonstrar, 200 anos após o nascimento de Karl Marx, que a Venezuela já realizou grandes progressos, nomeadamente no nível da superestrutura. Marx fala da base econômica e da superestrutura. Mas o que é que é decisivo em primeiro lugar? A base econômica! Isso quer dizer que a consciência dos homens e das mulheres é igualmente determinada pela situação econômica. Acerca deste ponto, tem havido uma interpretação falsa em todos os processos progressistas na América Latina, quer seja na Argentina, no Brasil com Lula, no Equador com Correa, etc. Todos eles concentraram-se na superestrutura: educação, saúde, construção de habitações, uma nova constituição, democracia participativa, cultura, desporto… Tudo isso é belo e justo. Na Venezuela isso funcionou enquanto as cotações do petróleo permaneceram elevadas. Havia muito dinheiro para consagrar à superestrutura. Mas com a queda das cotações do petróleo, a realidade nos recapturou.

SDAJ: Que papel desempenham as agressões do imperialismo americano e da UE? 

CW: Está claro para nós que, quando a luta das classes progride, o que é indiscutivelmente o caso na Venezuela, o inimigo de classe reage. Este pode nos deixar por algum tempo relativamente tranquilos, enquanto não representemos um perigo, mas quando nosso trabalho e nossa luta avançam e ameaçam os privilegiados da burguesia e dos monopólios multinacionais, a reação vem naturalmente. Enquanto comunistas, não temos de ver nisto uma tragédia. Mas somos tão contrários à trégua, que o capitalismo pode conceder desde que possa continuar a exploração, que estamos determinados a lutar para nos libertar. Este inimigo de classe saberá “evidentemente utilizar todas as nossas fraquezas. E nossa fraqueza principal é a fraqueza da base econômica da Venezuela. Tudo isso deve-se ao todo-poderoso petróleo. A infraestrutura não corresponde assim de modo algum às necessidades produtivas de um país independente, mas está dirigida unicamente para a exportação. Isso traduz-se pelo fato de que todas as cidades estão situadas na costa e que, no interior, por assim dizer, não existem. As estradas e as ferrovias foram construídas para ir dos poços de petróleo e das minas para a costa. Toda a estrutura foi pensada para a exploração do país, das suas matérias-primas e para os lucros dos grandes monopólios dos países imperialistas.

É lógico que os países imperialistas se esforcem por controlar nossos países e combatam toda forma de resistência. Aquilo que se vê nas múltiplas guerras na África vale também para a Venezuela. O que se passa na Venezuela? Desde há 19 anos, um pequeno país, fraco, resiste contra uma potência imperialista e militar cada vez mais forte. Como Cuba, como a Bolívia mas com uma diferença, a riqueza da Venezuela. Se fôssemos um país pobre, desprovido de recursos naturais, sem dúvida seríamos considerados com um pouco mais de paciência. Mas o imperialismo é ávido. Eis porque os Estados Unidos e também a UE, enquanto representante do capitalismo europeu, não mudarão seu plano destinado a assegurarem o domínio sobre estas riquezas naturais.

SDAJ: A que tradução política isso vos conduz? 

CW: Isso significa que devemos nos preparar para uma luta de longa duração, como Cuba e outros países o fizeram com êxito, como o Vietnam. É verdade que somos um partido pequeno, mas desempenhamos um papel importante, em particular na organização da classe operária e ao lado da juventude trabalhadora. A tarefa é grande, mas as possibilidades também são grandes. Nestes dias e isso vale de modo agudo para a nossa revolução bolivariana, a luta é portadora de dificuldades e perigos mas também de uma grande possibilidade de mudar as coisas. Se a luta das classes se desenvolve muito fracamente, então quase nada muda e os países imperialistas podem continuar a explorar tranquilamente.

A Venezuela mostrou sua grande solidariedade internacional, em primeiro lugar em relação à América Latina, mas também no resto do mundo. Reforçar o processo revolucionário na Venezuela implica também que sustentemos outros combates emancipadores. É por isso que o imperialismo americano nos classifica no “eixo do mal” e que há perigo de um ataque direto dos Estados Unidos contra a Venezuela. Isso nos coloca diante de uma situação complicada. Nós, que lutamos pela Revolução e pelo socialismo, lutamos também e sempre pela paz e a liberdade frente às guerras imperialistas. Mas quando o imperialismo nos ameaça com a guerra, devemos ser capazes de nos defender. No momento, conduzimos este combate naturalmente no quadro do sistema capitalista. Isso implica que lutamos por reformas. Mas ao mesmo tempo batemo-nos pela revolução porque sabemos que as reformas são sempre limitadas. E temos também de nos bater pela paz. Devemos nos preparar militarmente para um possível ataque desde agora e não reagir apenas quando ele já tiver ocorrido.

Esta é uma das lições a tirar do golpe fascista no Chile em 1973. Após o golpe criticou-se (do exterior, é sempre mais fácil) a confiança concedida pelo governo às forças armadas. Então, se havia dado como certo que uma democracia que não havia experimentado nem um golpe em mais de cem anos (mesmo que houvesse golpes por toda a parte), isso não aconteceria. Mas de fato foi só porque a burguesia, durante 100 anos, não sentiu necessidade de desencadear um golpe. Em 1973 no Chile, claro, não foi um governo revolucionário, mas antes um governo progressista e democrático que havia sido eleito. Para a burguesia chilena e o imperialismo norte-americano, essa era uma razão suficiente para um golpe militar. Essa ação criminosa parecia improvável e sempre será o mesmo onde não estivermos bem preparados.

Outro exemplo importante é Cuba. O imperialismo e, em primeiro lugar, o imperialismo estadunidense, fez muito para que a Cuba socialista desaparecesse, mas eles não o conseguiram até o presente. Porque, desde há quase 60 anos, a unidade do povo cubano reforçou-se. Esta unidade do povo é o que precisamos na Venezuela. Assim, enquanto Partido Comunista da Venezuela, apoiamos a união da população civil e das forças armadas. Ela constitui um dos fatores importantes para explicar por que o governo de Maduro ainda sobrevive. Se as forças armadas se dividirem ou se se virassem contra o governo, seria uma coisa muito má. Isso pode parecer paradoxal para a esquerda na Europa. Mas afirmamos que devemos estar em estado de nos defender porque não somos um país imperialista, ao contrário dos Estados Unidos ou dos Estados membros da UE.

02/Agosto/2018

[Secretário internacional do PCV. Entrevista realizada pela SDAJ (Juventude Operária Socialista Alemã), movimento ligado do DKP (Partido Comunista Alemão). 

A versão em francês encontra-se em solidarite-internationale-pcf.fr/… 

https://www.resistir.info/venezuela/c_willer_02ago18.html