Nenhum destino para os trabalhadores dos EUA à parte dos trabalhadores do mundo

imagemA Impressa Comunista Internacional (ICP), mantida pelo Bureau de Relações Internacionais do Partido Comunista Turco (TKP), entrevistou membros do CC do Partido para o Socialismo e Libertação (PSL), os camaradas Eugene Puryear e Brian Becker. Em debate, a agenda imperialista e as lutas de classes nos EUA.

A primeira parte da entrevista aborda os efeitos da mobilização contra as intervenções imperialistas na Síria, as oportunidades decorrentes da popularização do “socialismo” nos EUA, as recentes lutas dos imigrantes no interior da classe trabalhadora dos EUA e o posicionamento dos comunistas dos EUA no movimento comunista mundial.

ICP: Sabemos que o PSL defendeu e continua a defender o internacionalismo proletário e a lutar contra as diferentes tentativas militares dos EUA em diferentes partes do mundo, afirmando abordar a questão da paz a partir do mesmo ponto de vista que Lenine a abordou há cem anos. Agora, por quais meios vocês estão disseminando essa consciência entre os trabalhadores e como vocês se organizam entre as massas?

Brian Becker: Para o Partido para o Socialismo e Libertação, sobre a questão da guerra e da paz, do imperialismo e do militarismo, nós trabalhamos muito através de uma organização de massas chamada de Coalizão ANSWER, que significa Aja Agora para Parar a Guerra e Acabar com o Racismo (Act Now to Stop War and End Racism). Existem algumas características acentuadas deste trabalho: em primeiro lugar, a organização é orientada para a ação. Por isso, é projetada para passar à ação em resposta às ações ou intervenções militares dos EUA ou ameaças contra países-alvo. A Coalizão ANSWER foi a principal organização nos últimos anos nos EUA, realizando protestos em massa contra a intervenção dos EUA na Síria.

Especificamente em agosto e setembro de 2013, quando John Kerry, Secretário do Estado dos EUA, exigiu que a administração Obama iniciasse uma grande guerra contra a Síria porque a Síria cruzou as linhas vermelhas de Obama em relação ao uso de armas químicas, organizamos protestos por todos os Estados Unidos. Eles foram realmente significativos em um sentido incomum, porque houve uma grande oposição de base a outra grande guerra no Oriente Médio e não foi simplesmente vindo da esquerda. Também vinha de amplas seções da população americana [dos Estados Unidos] e também de âmbito internacional. Nós vimos o mesmo fenômeno acontecendo no Reino Unido. Tanto que a Câmara dos Comuns, pela primeira vez em mais de duzentos anos, desafiou o governo e disse “não”, que a Grã-Bretanha não funcionaria como um parceiro menor em outra guerra dos EUA no Oriente Médio.

E, ao mesmo tempo, organizamos protestos em frente à Casa Branca com um grande número de pessoas. Estávamos cantando “Nenhuma guerra contra a Síria” no exato momento em que o presidente Obama agendou uma coletiva de imprensa no Jardim das Rosas, fora da Casa Branca, para anunciar os planos dos Estados Unidos contra a Síria. E dentro da Casa Branca, o governo Obama estava hesitante, incerto sobre o que fazer. E a mídia que estava lá se preparou para a coletiva de imprensa sabendo que havia grande hesitação e incerteza sobre se os EUA deveriam fazer isso, se envolverem em outra grande guerra. A mídia estava noticiando que a única coisa que se ouvia vindo através da transmissão ao vivo da Casa Branca era o nosso canto: “Nenhuma guerra contra a Síria!” Então, a palavra de ordem estava ecoando até mesmo nos corredores da Casa Branca, e a mídia começou a relatar isso como uma expressão dos 60% de americanos que disseram que se opunham aos ataques aéreos propostos. Cerca de uma hora depois, o presidente Obama chegou e anunciou que decidira deixar o Congresso decidir se deveria ou não haver envolvimento militar na Síria – o que significava que o governo Obama estava hesitante, tendo um debate interno que refletia toda essa pressão do Reino Unido, de diferentes setores de base, de manifestações e da mídia, que estava refletindo essa pressão. Como conseqüência, os EUA não seguiram em frente.

Agora, esse é um dos exemplos de casos em que aquilo que as pessoas fazem realmente pode impactar profundamente na tomada de decisões políticas. Não o tempo todo, mas às vezes tem que haver uma congruência de esforços. Mas posso dizer com absoluta certeza que, se não houvesse manifestações de pressão da oposição, as pessoas dentro do governo Obama que exigiam um ataque militar teriam, de fato, levado a cabo seu intento. Agora, o que teria acontecido? É muito provável que houvesse uma guerra regional. Porque o Irã teria sido atraído. É claro que os combatentes da resistência e o Líbano teriam sido atraídos. Foi realmente um momento decisivo. E essa é a visão do nosso partido de que nunca devemos subestimar o potencial que a mobilização das pessoas pode ter. A Coalizão ANSWER fez isso em relação à  Síria, como fizemos durante a guerra na Líbia, mesmo sem sucesso.

Além de dar respostas imediatas às provocações militares,  também nos organizamos para alertar as pessoas sobre perigos iminentes com a política externa dos EUA sobre a Venezuela. Temos estado nas ruas repetidas vezes, desde quando Obama declarou pela primeira vez a Venezuela como uma “ameaça à segurança nacional” e a administração Trump disse que “todas as opções estão na mesa”, significando a possibilidade de ação militar em natureza encoberta ou aberta. Temos protestado em oposição a qualquer intervenção dos EUA na Venezuela.

Podemos ir, eu diria, qualquer lugar do mundo, porque os EUA estão ameaçando a América Latina, o Oriente Médio e a Ásia, e agora a Rússia e a China. Para nós do PSL, ter uma forte frente internacionalista e anti-guerra serve para expor aos trabalhadores americanos que uma guerra, uma ocupação, uma intervenção ou sanções contra países e pessoas visados são apenas do interesse dos capitalistas. Nós não somos “todos americanos” com interesses comuns. Temos uma burguesia e uma classe trabalhadora, e esta é uma política externa no interesse da burguesia.

E finalmente, a outra parte de nosso trabalho é expor que, ao mesmo tempo em que o governo dos EUA está eliminando serviços sociais vitais para os trabalhadores e pobres na América, está aumentando o orçamento militar da maneira mais extravagante possível, desde o ano passado. O orçamento dos Estados Unidos para gastos com guerra é oficialmente superior a US$ 718 bilhões. Isso é maior que o investido pela Rússia, pela China e pelos próximos oito países com maiores gastos militares juntos. E todo esse dinheiro, que vai para armas de destruição, para a mobilização de militares dos EUA, para a manutenção de mil bases militares ao redor do mundo, chega no exato momento em que o governo diz “Ah, não temos dinheiro para a educação”. Então, argumentamos com as pessoas da classe trabalhadora de que o orçamento militar em si não diz respeito à segurança nacional, mas acerca da segurança dos capitalistas, dos bancos e das corporações e do império dos EUA, e é na verdade prejudicial para a segurança, para a segurança pessoal das famílias da classe trabalhadora que dependem de programas sociais, cujos recursos foram reduzidos para que esse dinheiro possa ser usado em despesas militares.

Eugene Puryear: A única coisa que vou acrescentar no contexto deste trabalho, uma coisa que é muito importante para nós, é que fazemos um grande esforço em favor dessas organizações de vários tipos, sejam sindicatos ou grupos que trabalham com moradia. Nós os incentivamos a participar das manifestações anti-guerra ou outras atividades que estejamos conduzindo, e a falar com sua própria base de trabalhadores sobre esses assuntos. Nos Estados Unidos, há muitas tentativas de dizer que você deve trabalhar apenas em torno de questões domésticas ou econômicas; você nunca deve falar sobre questões imperialistas. Então, nós sempre trabalhamos duro para alcançar nossos amigos e outras organizações para desafiar essa visão e dizer que há uma conexão direta no contexto do imperialismo, como Brian estava dizendo, com o que está acontecendo em casa. Em suas próprias palavras, você deve explicar à sua base dos trabalhadores por que essas guerras não funcionam para eles. Portanto, não subscrevemos o que muitas organizações subscrevem, essa ideia de que você não deve mencionar as questões do imperialismo no contexto da luta interna mais ampla. Tentamos expandir a luta contra o imperialismo para além dos grupos ou conjuntos de pessoas que talvez já saibam algo sobre o assunto e se preocupem com ele.

ICP: A partir de 2013, o PSL identificou a popularização das ideias socialistas na sociedade dos EUA como uma prioridade, e vislumbrava uma grande oportunidade nesse tocante. Isso continuou depois de 2017, incluindo o início da administração Trump? Qual é a sua experiência em combinar o socialismo e as lutas da classe trabalhadora, especialmente no último ano e meio?

BB: Nós estabelecemos uma plano de trabalho estratégico que identificou a absoluta necessidade de popularizar o socialismo na América, porque os conceitos de socialismo e poder da classe trabalhadora foram eviscerados, extintos do discurso político americano por quase meio século. Hoje estamos em uma situação diferente. O socialismo está se tornando popular nos Estados Unidos. Não é simplesmente o trabalho da vanguarda para promover ideias socialistas. Ideias socialistas estão se espalhando. O trabalho da vanguarda agora deve ser DEFINIR o socialismo. Para levá-lo de uma compreensão abstrata, preponderantemente social-democrata do socialismo para um conceito diferente – que socialismo significa em primeiro lugar a tomada de poder pela classe trabalhadora, por aqueles que trabalham todos os dias, por aqueles que não têm nada a ganhar com o atual sistema capitalista, e que socialismo significa reorganizar a sociedade no interesse da maioria. Temos uma palavra de ordem operacional que é: “uma sociedade para muitos”. Isso requer uma reorganização completa de como o desenvolvimento bancário e industrial é realizado; também significa que os lucros ou as rendas geradas pelo trabalho dos trabalhadores serão usados para as necessidades de muitos. Então agora nós entramos em um novo estágio de não apenas popularizar, mas definir o socialismo. Estamos desenhando definições mais precisas e tentando diferenciar entre socialismo revolucionário ou comunismo ou poder da classe trabalhadora frente às noções de social-democracia, que é um “socialismo” que não visa derrubar o sistema capitalista, mas sim modificar ou mitigar algumas das suas piores características.

ICP: Nos últimos dois meses, as organizações de esquerda, bem como várias organizações de direitos humanos, até mesmo instituições como as associações psicológicas, denunciaram e reagiram contra as políticas trágicas, brutais e cruéis contra imigrantes da administração dos EUA, especialmente contra imigrantes mexicanos. Você têm alguma campanha de solidariedade ou se movem em direção a imigrantes e refugiados ao caracterizar a classe trabalhadora dos Estados Unidos como multinacional? Você têm meios especiais para organizar e recrutar pessoas entre esses trabalhadores de diferentes origens e nacionalidades?

EP: A resposta é sim para ambas as perguntas. Essa é uma das principais áreas de trabalho para nós. Em primeiro lugar, muitos de nossos membros, especialmente em áreas com grandes populações de imigrantes, vêm dessas próprias origens. Muitos deles experimentaram algumas das piores e mais cruéis políticas em suas próprias famílias. Portanto, apenas em virtude de suas próprias vidas como trabalhadores, eles já estão envolvidos. A luta em favor dos imigrantes decolou muito em 2006, quando literalmente milhões foram às ruas no primeiro de maio. Através da Coalizão ANSWER temos sido muito ativos nessa luta. Nós nos organizamos e unimos forças com outras organizações amigas para organizar muitas grandes manifestações desde então. Também na era Trump, participamos de muitos desses protestos urgentes, alguns dos quais seus leitores podem ter visto – como os protestos nos aeroportos que aconteceram pouco depois da posse de Trump, contra a proibição dos refugiados muçulmanos, ou contra as separações familiares mais recentes. No dia-a-dia, estamos trabalhando de maneiras que abordam diretamente a questão da imigração e também as questões subsidiárias que afetam muitos imigrantes, por exemplo, o sequestro de salários. Muitos imigrantes são as maiores vítimas da retenção dos seus salário pelos empregadores.

Nos Estados Unidos, argumentamos que há mais roubos a trabalhadores por capitalistas do que qualquer outro tipo de roubo. Muitas vezes, o alvo número um são os imigrantes empregados em restaurantes ou na construção civil. Nos Estados Unidos, isso é chamado de “roubo de salário”, onde os patrões literalmente roubam os salários dos trabalhadores em vez de pagá-los. Isso não é incomum. Então, em várias de nossas cidades, muitos de nossos companheiros estão trabalhando em questões como essa. Também trabalhamos muito de perto com algumas das populações mais segmentadas, que têm Status de Proteção Temporária na América. Quando há grandes desastres naturais no Caribe ou na América Latina, é provável que as pessoas venham para o país e seja um período temporário, em que elas podem ser expulsas mais facilmente, independentemente de qual seja a situação correntr em seu país de origem. Por exemplo, trabalhamos em estreita colaboração com a comunidade haitiana na cidade de Nova York e em outros lugares onde eles estão concentrados em seus esforços para impedir o fim do status de proteção temporária, bem como a demonização racista dos haitianos em geral. Porque a classe trabalhadora nos Estados Unidos é tão multinacional, e porque em muitas grandes cidades a classe trabalhadora é composta em grande parte por imigrante, um grande número de nossos membros como mencionei são os filhos de imigrantes de primeira geração, pessoas que vieram para os EUA quando eles eram muito, muito jovens.

Também estamos melhorando nossa organização em áreas próximas à fronteira dos EUA com o México. Por isso, temos trabalhado em vários níveis diferentes com as populações de imigrantes que vivem perto dessas áreas, onde há uma presença muito pesada do estado, da polícia e da Patrulha de Fronteira, que usam perfis raciais e invasões para aterrorizar as comunidades de imigrantes. As pessoas em algumas dessas áreas fronteiriças vivem até em assentamentos informais porque são indocumentados e não têm acesso a recursos. Também trabalhamos com algumas dessas populações para ajudá-las a lutar por suas necessidades básicas. Então, absolutamente, a imigração é uma das áreas mais importantes de trabalho, uma das nossas maiores áreas de atuação e muito orgânica para nós, porque a classe trabalhadora dos Estados Unidos em 2018 está integrada à população imigrante. É uma atuação em conjunto com o nosso trabalho contra a brutalidade policial sobre as populações negras. Muitos imigrantes também são muito visados, especialmente em estados como Califórnia, Arizona, Novo México.

BB: Nós, membros do PSL, também desempenhamos um papel importante na organização das trabalhadoras domésticas. As trabalhadoras domésticas nos Estados Unidos são em grande parte mulheres imigrantes e super-exploradas. Esta é uma questão fundamental, novamente, e você pode ver que a razão pela qual as pessoas estão vindo para os Estados Unidos é por causa da política econômica e militar do imperialismo americano que criou catástrofes e desastres em todo o mundo. Então, 60 milhões de pessoas estão em movimento agora, 60 milhões é mais do que em qualquer momento desde a Segunda Guerra Mundial. É claro que no final da Segunda Guerra Mundial, foi por causa da vasta destruição militar, mas é a destruição econômica causada pelo imperialismo e suas guerras que se apresenta como um fator importante para nós e importante para o movimento dos trabalhadores, na Europa também. Porque, à medida em que esses imigrantes e refugiados se movem em consequência do imperialismo, os movimentos de direita e fascistas estão se aproveitando, usando os imigrantes e refugiados como saco de pancadas, para expô-los como se fossem a causa de problemas econômicos e sociais. Portanto, devemos, além de defender comunidades e indivíduos imigrantes, expor isso como a característica fundamental do capitalismo moderno.

ICP: Do coração do imperialismo mundial, como vocês consideram o movimento comunista internacional e de que maneira vocês se envolvem?

BB: Somos um partido comunista. Nós existimos há 14 anos com a ideia de reconstruir um partido comunista nos Estados Unidos. Este é um projeto complicado e de longo prazo. É talvez o mais difícil de todos os projetos. Mas é uma necessidade imperativa, porque você não pode ter uma mudança revolucionária sem um partido comunista revolucionário liderando essa mudança. Ausente um partido comunista, a vitória é impossível. Consideramos a classe trabalhadora dos EUA não como uma entidade separada, separada do movimento comunista mundial, mas sim como um destacamento do movimento comunista mundial. Não há um destino para os trabalhadores dos EUA em separado ao destino dos trabalhadores do mundo, não existe tal possibilidade. Por isso, estamos construindo um partido comunista nos Estados Unidos e procurando coordenar, mostrar solidariedade e aprender com os partidos comunistas do mundo.

http://icp.sol.org.tr/interviews/no-separate-destiny-us-workers-apart-workers-world

Tradução: Gabriel Landi Fazzio, militante do PCB de São Paulo