A luta de classes na França: o movimento dos coletes amarelos
Iniciativa Comunista
Escrito por W. Reutberg, militante de IC
Depois de muitos anos de derrotas para a classe trabalhadora francesa, que sofre uma ofensiva neoliberal e com o aumento da precariedade que alcançou níveis históricos, os setores populares da população francesa perderam toda esperança no governo, na classe política e nas instituições republicanas que gerem o país para o beneficio dos mais ricos. O governo de Macron, em um ano e meio de mandato, impulsionou uma ofensiva neoliberal sem precedentes na França: reforma trabalhista, da ferrovia, da educação, das pensões, enfraquecimento da seguridade social… A arrogância do presidente e a repressão total usada contra as contestações sociais (estudantes, mobilizações nas periferias, sindicalistas, ZAD) terminaram de afundar sua popularidade. Não é o único afetado: os acontecimentos dos últimos anos também geraram muita desconfiança frente a qualquer símbolo institucional incluindo as organizações políticas de esquerda, sindicais e sociais que não só sofreram derrotas através de suas lutas, mas principalmente institucionais e legais. É neste contexto que na França estourou há três semanas, em 17 de novembro, um movimento chamado “gilets jaunes” (coletes ou jalecos amarelos) unido pelo ódio a Macron e seu governo, que mobilizou centenas de milhares de pessoas, sobretudo nas zonas rurais e periféricas das cidades. Este movimento, que se define por ser muito heterogêneo, repudia qualquer organização institucional e acolhe qualquer descontentamento com o governo, utilizou como ferramenta de luta principal o bloqueio generalizado. Os jalecos amarelos se posicionaram em praças circulares, estradas e autoestradas de todas as regiões da França, parando a circulação ou abrindo os pedágios para que os motoristas passassem gratuitamente. O movimento não parou de crescer e de ganhar a opinião pública com os dias, multiplicando também os bloqueios e as reivindicações destacando a radicalidade e o aumento do protesto na ilha da Reunião desde o 1° dia. Apesar de muitos meios de comunicação e do governo tentarem reduzir as reivindicações ao aumento do imposto sobre o combustível, estas têm sido numerosas desde o princípio e com um forte conteúdo de classe. As reivindicações poderiam se resumir ao fim das políticas de austeridade, à exigência de um maior poder aquisitivo e a uma vida digna. Dentre as principais demandas se destacam: o aumento do salário mínimo e das pensões, teto para todo o mundo e aluguéis acessíveis, o fim da proibição à greve, nacionalização de setores privatizados como a eletricidade e o gás e melhoria dos sistemas públicos de educação e saúde, além da criação de um salário máximo. O imposto criado pelo governo terminou por fazer explodir a irritação das classes mais precárias que já não chegavam com seu salário ao fim do mês, mas também de muitos outros setores muito vinculados ao combustível.
É importante destacar que é um movimento heterogêneo, que aceita todo tipo de pessoas incluídas as racistas, fascistas e xenófobas, que tentam tirar partido da situação e do descontentamento dos franceses, apresentando falsas soluções. A estratégia do governo tem sido a de associar o movimento à extrema direita e para desacreditá-lo (é preciso recordar que Macron foi eleito explorando o medo da extrema direita durante as eleições presidenciais), com o objetivo de afastar numerosas organizações sindicais, sociais e políticas de esquerda e revolucionárias, que não desejam se ver vinculadas a um movimento ligado ao fascismo. Algumas organizações ou, sobretudo, grupos de militantes participam do movimento querendo estruturá-lo, dar-lhe uma identidade de classe definida e combater os elementos fascistas infiltrados. Não podemos nos enganar, a situação é muito complicada e ocorreram ações xenófobas e racistas em algumas regiões, porém, justamente aí onde as organizações revolucionárias e antifascistas participaram, se pode identificar e expulsar os fascistas do movimento. Ainda que pareça se destacar a classe trabalhadora, em cada região ou grupo de jalecos amarelos a composição de classe do movimento varia e suas reivindicações também. Nas zonas mais operárias e mais combativas, com reivindicações de classe mais fortes como na Normandia, os sindicalistas em greve e jalecos amarelos cooperam nos piquetes e bloqueios. Em outras zonas onde a mobilização tem um caráter mais pequeno burguês, a direita é mais forte e não por acaso as reivindicações se concentram exclusivamente na diminuição e eliminação de impostos. Este movimento interclassista aglomerou, até agora, muitos trabalhadores alheios à política, sendo estas – muitas vezes – suas primeiras manifestações e ações. No entanto, sua determinação, combatividade e radicalidade nas formas de lutas surpreenderam a todos os atores habituais da vida política francesa. O governo não soube controlar a situação em nenhum momento desde 17 de novembro e os movimentos tradicionais, que ficaram anos presos nas lutas institucionais, se veem totalmente oprimidos pela radicalidade e eficácia das ações. É um movimento que não titubeia em desobedecer à polícia (manifestações não autorizadas e percursos proibidos explicitamente como nos Campos Elíseos) nem em enfrentar os corpos repressivos utilizando a violência. O movimento declarou uma luta total e até agora parece inflexível. A intenção é atuar por todos os meios possíveis para que o governo ceda às reivindicações ou renuncie. Estrutura-se lentamente e com muita precaução porque não quer “rostos visíveis” ou líderes para tomar todas as decisões desde a base: os grupos de jalecos amarelos ativos nos bloqueios. Vários representantes foram desacreditados rapidamente. A mídia e o governo tentam forçar a estruturação do movimento e o aparecimento de cabeças, sendo que até agora essa estratégia redundou em fracasso (como mostra o repúdio em escolher representantes para se reunirem com o primeiro-ministro em 4 de dezembro). Apesar da instrumentalização midiática da violência por parte do governo, o movimento seguiu ganhando apoios e está colocando em evidência o papel dos corpos policiais como ferramentas puramente repressivas a serviço da classe burguesa e se consolida o uso da violência como ferramenta de defesa legítima contra a opressão. Ainda que em princípio o movimento tenha parecido conseguir a simpatia da polícia, a repressão foi total e em uma escala sem precedentes (comparável ao ocorrido de forma muito localizada na ZAD no ano passado). Os corpos policiais usaram todo seu arsenal: infiltrações, gases lacrimogêneos, cargas, granadas de vários tipos (destacar que a polícia francesa é das poucas que usa granadas explosivas tipo GLI F4, que arrancaram a mão de vários manifestantes), caminhões d’água e efetivos muito numerosos. Só em 1° de dezembro a polícia lançou umas 14.000 granadas de todo tipo e realizou mais de 400 prisões. Não existe contagem oficial de feridos desde o princípio do movimento, porém, se contam extraordinariamente às centenas (552 feridos e duas mortes devido a atropelamentos durante os primeiros dias), destacando a gravidade dos casos com perdas de membros (olhos por tiros de bala de borracha e mãos por granadas), um caso de coma e a morte de Zineb Redouane em Marselha, mulher de 80 anos ferida no sábado 1° de dezembro por uma granada lacrimogênea e morta em um hospital no domingo, dia 2 de dezembro. Apesar de todos estes ocorridos, a repressão só alimentou a mobilização; as pessoas já não se deixam enganar tão facilmente e entendem que a defesa é legítima contra os corpos repressivos e que o mobiliário urbano, bancos, lojas, restaurantes e carros de luxo queimados na capital são apenas riquezas burguesas que nada têm a ver com os sofrimentos diários da classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, a polícia é inútil ante a capacidade de resposta do movimento, que consegue enfrentá-la frontalmente ou surpreendê-la com múltiplas ações como se pode ver nos distúrbios do sábado em Paris (ficando em 24 de novembro e em 1° de dezembro sem munições em várias frentes) e outras cidades importantes da França, onde a polícia só pode confrontar zonas muito específicas. Para infundir mais medo, se colocou em marcha uma justiça expeditiva, sendo julgados desde segunda-feira 70 detidos: a maioria eram trabalhadores (artesãos, técnicos, operários) sem experiência militante, que nunca antes tinham ido a uma manifestação em Paris. Quase todos receberam penas de reclusão, inclusive por levar luvas, máscaras ou outros objetos que combatem o gás lacrimogêneo. Por outro lado, o medo e o cansaço dentro dos corpos de polícia são palpáveis (um sindicato de policiais declarou greve para 8 de dezembro) depois de semanas de mobilização. As ações cada vez mais decididas e as jornadas de 24 de novembro e de 1° de dezembro mostraram a ira e a determinação dos manifestantes. Porém, é importante recordar que o movimento nasce das regiões, onde os bloqueios se multiplicam, assumem novas formas a cada dia e onde a polícia não consegue, muitas vezes, seguir o ritmo. Em muitas regiões, os bloqueios que a princípio eram de estradas e informativos se transformam. Agora se busca bloquear centros econômicos ou órgãos que representam o Estado: prefeituras, centros de impostos, grandes armazéns, grandes fluxos de transporte, armazéns de combustível, portos e, inclusive, conseguiram bloquear dois aeroportos no sábado (Nice e Marselha). Até agora o movimento não parou de crescer e aglomerar novos setores que vêm com suas próprias reivindicações, diferentes setores de trabalhadores como a ferrovia, o pessoal da saúde, porém também coletivos das periferias como o “Justice pour Adma” (em homenagem a Adama Traoré, jovem assassinado pela polícia) e os que estão por vir: caminhoneiros e os agricultores.
Aparecem novas greves setoriais e desde segunda-feira, 3 de dezembro, os estudantes realizam centenas de bloqueios nos institutos por toda a França, unindo-se as primeiras universidades na quarta-feira, 5 de dezembro. A repressão que estão conhecendo os estudantes ainda sendo menores de idade, também é muito grande. No entanto, as organizações de esquerda e sindicatos tradicionais seguem completamente oprimidos e a inutilidade da luta institucional e legalista está se colocando em evidência. Muitas de suas bases pedem (ou diretamente realizam ações conjuntas com os “gilets jaunes”) uma aliança com o movimento, que parece ser o primeiro em anos capaz de apresentar uma luta que faça tremer o poder e conseguir uma vitória, para reforçar e apoiar uma linha de classe dentro deste. O governo deu um primeiro passo para trás suspendendo o aumento do imposto sobre o combustível, congelando o preço do gás e da eletricidade, porém os jalecos amarelos que continuam mobilizados não se deixam enganar, pedem melhoria em suas condições de vida. Portanto, as mobilizações continuam se multiplicando e a convocatória de 8 de dezembro em Paris se manteve. Por último, o governo tentou impor o imposto com uma justificativa ecológica porque ia financiar futuras medidas neste âmbito. Muitos criticaram o movimento, dizendo que era antiecológico e que era composto por broncos que não entendiam a importância da mudança climática. Porém, setores do movimento souberam dar um caráter de classe ao debate ecológico, explicando que este tipo de reforma é inútil, uma falsa solução que só faz recair o peso da crise ecológica sobre a população. Souberam assinalar em suas reivindicações os setores mais contaminantes (aviação, transporte marítimo, setores industriais vinculados a energias fósseis…) para que sejam responsabilizados por seu impacto ecológico. A classe trabalhadora francesa não está disposta a pagar pela crise econômica e ecológica gerada pelo capitalismo. Ainda que seja um aspecto não central dos acontecimentos atuais, a luta de classes na França mostra como a ecologia capitalista não é mais que uma falácia. O capitalismo não é capaz de tratar os problemas que ele próprio gera, fazendo recair as consequências nos ombros dos trabalhadores. Por isso, impor um conteúdo de classe nos temas ecológicos se torna uma prioridade. O movimento espontâneo dos “gilets jaunes” não é o primeiro deste tipo na França e recorda os distúrbios nas periferias francesas em 2005 ou, inclusive, do maio de 68. É um movimento com muitas carências, inúmeras contradições e criticável em muitos aspectos. Porém, apesar de ser composto por muitos trabalhadores sem experiência militante nem sindical, está mostrando um exemplo da capacidade de luta da classe trabalhadora. Em poucas semanas de ação política, trabalhadores sem experiência política anterior desenvolveram ações cada vez mais estruturadas e mais radicais, enquanto aglomera em seu redor o descontentamento de quase todos os setores da sociedade. Ainda que sem um partido que a dirija, a classe trabalhadora ousa afrontar o poder burguês de forma decidida, alcançando um nível de combatividade que não se tinha visto aglomerando em muito tempo. Os trabalhadores estão usando todos os métodos a seu alcance para ganhar o enfrentamento e tentam lutar por seus próprios interesses. A greve, arma por excelência dos trabalhadores, está sendo usada muito escassamente e ainda que muitos setores pareçam estar entrando em greve, a greve generalizada parece complicada de conseguir. Depois de vários anos de derrotas e de luta institucional, este movimento apresentou uma luta sem quartel, que não se tinha visto em anos. O fascismo e outros inimigos de classe espreitam para aproveitarem-se dos acontecimentos. Agora mais que nunca, é responsabilidade da esquerda revolucionária organizar a classe trabalhadora que não deve se deixar enganar pelo governo ou outras falsas soluções e propor uma luta que defenda os interesses de classe dos trabalhadores.
W. Reutberg, militante da IC
Escrito por W. Reutberg, militante de IC
Depois de muitos anos de derrotas para a classe trabalhadora francesa, que sofre uma ofensiva neoliberal e com o aumento da precariedade que alcançou níveis históricos, os setores populares da população francesa perderam toda esperança no governo, na classe política e nas instituições republicanas que gerem o país para o beneficio dos mais ricos. O governo de Macron, em um ano e meio de mandato, impulsionou uma ofensiva neoliberal sem precedentes na França: reforma trabalhista, da ferrovia, da educação, das pensões, enfraquecimento da seguridade social… A arrogância do presidente e a repressão total usada contra as contestações sociais (estudantes, mobilizações nas periferias, sindicalistas, ZAD) terminaram de afundar sua popularidade. Não é o único afetado: os acontecimentos dos últimos anos também geraram muita desconfiança frente a qualquer símbolo institucional incluindo as organizações políticas de esquerda, sindicais e sociais que não só sofreram derrotas através de suas lutas, mas principalmente institucionais e legais. É neste contexto que na França estourou há três semanas, em 17 de novembro, um movimento chamado “gilets jaunes” (coletes ou jalecos amarelos) unido pelo ódio a Macron e seu governo, que mobilizou centenas de milhares de pessoas, sobretudo nas zonas rurais e periféricas das cidades. Este movimento, que se define por ser muito heterogêneo, repudia qualquer organização institucional e acolhe qualquer descontentamento com o governo, utilizou como ferramenta de luta principal o bloqueio generalizado. Os jalecos amarelos se posicionaram em praças circulares, estradas e autoestradas de todas as regiões da França, parando a circulação ou abrindo os pedágios para que os motoristas passassem gratuitamente. O movimento não parou de crescer e de ganhar a opinião pública com os dias, multiplicando também os bloqueios e as reivindicações destacando a radicalidade e o aumento do protesto na ilha da Reunião desde o 1° dia. Apesar de muitos meios de comunicação e do governo tentarem reduzir as reivindicações ao aumento do imposto sobre o combustível, estas têm sido numerosas desde o princípio e com um forte conteúdo de classe. As reivindicações poderiam se resumir ao fim das políticas de austeridade, à exigência de um maior poder aquisitivo e a uma vida digna. Dentre as principais demandas se destacam: o aumento do salário mínimo e das pensões, teto para todo o mundo e aluguéis acessíveis, o fim da proibição à greve, nacionalização de setores privatizados como a eletricidade e o gás e melhoria dos sistemas públicos de educação e saúde, além da criação de um salário máximo. O imposto criado pelo governo terminou por fazer explodir a irritação das classes mais precárias que já não chegavam com seu salário ao fim do mês, mas também de muitos outros setores muito vinculados ao combustível.
É importante destacar que é um movimento heterogêneo, que aceita todo tipo de pessoas incluídas as racistas, fascistas e xenófobas, que tentam tirar partido da situação e do descontentamento dos franceses, apresentando falsas soluções. A estratégia do governo tem sido a de associar o movimento à extrema direita e para desacreditá-lo (é preciso recordar que Macron foi eleito explorando o medo da extrema direita durante as eleições presidenciais), com o objetivo de afastar numerosas organizações sindicais, sociais e políticas de esquerda e revolucionárias, que não desejam se ver vinculadas a um movimento ligado ao fascismo. Algumas organizações ou, sobretudo, grupos de militantes participam do movimento querendo estruturá-lo, dar-lhe uma identidade de classe definida e combater os elementos fascistas infiltrados. Não podemos nos enganar, a situação é muito complicada e ocorreram ações xenófobas e racistas em algumas regiões, porém, justamente aí onde as organizações revolucionárias e antifascistas participaram, se pode identificar e expulsar os fascistas do movimento. Ainda que pareça se destacar a classe trabalhadora, em cada região ou grupo de jalecos amarelos a composição de classe do movimento varia e suas reivindicações também. Nas zonas mais operárias e mais combativas, com reivindicações de classe mais fortes como na Normandia, os sindicalistas em greve e jalecos amarelos cooperam nos piquetes e bloqueios. Em outras zonas onde a mobilização tem um caráter mais pequeno burguês, a direita é mais forte e não por acaso as reivindicações se concentram exclusivamente na diminuição e eliminação de impostos. Este movimento interclassista aglomerou, até agora, muitos trabalhadores alheios à política, sendo estas – muitas vezes – suas primeiras manifestações e ações. No entanto, sua determinação, combatividade e radicalidade nas formas de lutas surpreenderam a todos os atores habituais da vida política francesa. O governo não soube controlar a situação em nenhum momento desde 17 de novembro e os movimentos tradicionais, que ficaram anos presos nas lutas institucionais, se veem totalmente oprimidos pela radicalidade e eficácia das ações. É um movimento que não titubeia em desobedecer à polícia (manifestações não autorizadas e percursos proibidos explicitamente como nos Campos Elíseos) nem em enfrentar os corpos repressivos utilizando a violência. O movimento declarou uma luta total e até agora parece inflexível. A intenção é atuar por todos os meios possíveis para que o governo ceda às reivindicações ou renuncie. Estrutura-se lentamente e com muita precaução porque não quer “rostos visíveis” ou líderes para tomar todas as decisões desde a base: os grupos de jalecos amarelos ativos nos bloqueios. Vários representantes foram desacreditados rapidamente. A mídia e o governo tentam forçar a estruturação do movimento e o aparecimento de cabeças, sendo que até agora essa estratégia redundou em fracasso (como mostra o repúdio em escolher representantes para se reunirem com o primeiro-ministro em 4 de dezembro). Apesar da instrumentalização midiática da violência por parte do governo, o movimento seguiu ganhando apoios e está colocando em evidência o papel dos corpos policiais como ferramentas puramente repressivas a serviço da classe burguesa e se consolida o uso da violência como ferramenta de defesa legítima contra a opressão. Ainda que em princípio o movimento tenha parecido conseguir a simpatia da polícia, a repressão foi total e em uma escala sem precedentes (comparável ao ocorrido de forma muito localizada na ZAD no ano passado). Os corpos policiais usaram todo seu arsenal: infiltrações, gases lacrimogêneos, cargas, granadas de vários tipos (destacar que a polícia francesa é das poucas que usa granadas explosivas tipo GLI F4, que arrancaram a mão de vários manifestantes), caminhões d’água e efetivos muito numerosos. Só em 1° de dezembro a polícia lançou umas 14.000 granadas de todo tipo e realizou mais de 400 prisões. Não existe contagem oficial de feridos desde o princípio do movimento, porém, se contam extraordinariamente às centenas (552 feridos e duas mortes devido a atropelamentos durante os primeiros dias), destacando a gravidade dos casos com perdas de membros (olhos por tiros de bala de borracha e mãos por granadas), um caso de coma e a morte de Zineb Redouane em Marselha, mulher de 80 anos ferida no sábado 1° de dezembro por uma granada lacrimogênea e morta em um hospital no domingo, dia 2 de dezembro. Apesar de todos estes ocorridos, a repressão só alimentou a mobilização; as pessoas já não se deixam enganar tão facilmente e entendem que a defesa é legítima contra os corpos repressivos e que o mobiliário urbano, bancos, lojas, restaurantes e carros de luxo queimados na capital são apenas riquezas burguesas que nada têm a ver com os sofrimentos diários da classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, a polícia é inútil ante a capacidade de resposta do movimento, que consegue enfrentá-la frontalmente ou surpreendê-la com múltiplas ações como se pode ver nos distúrbios do sábado em Paris (ficando em 24 de novembro e em 1° de dezembro sem munições em várias frentes) e outras cidades importantes da França, onde a polícia só pode confrontar zonas muito específicas. Para infundir mais medo, se colocou em marcha uma justiça expeditiva, sendo julgados desde segunda-feira 70 detidos: a maioria eram trabalhadores (artesãos, técnicos, operários) sem experiência militante, que nunca antes tinham ido a uma manifestação em Paris. Quase todos receberam penas de reclusão, inclusive por levar luvas, máscaras ou outros objetos que combatem o gás lacrimogêneo. Por outro lado, o medo e o cansaço dentro dos corpos de polícia são palpáveis (um sindicato de policiais declarou greve para 8 de dezembro) depois de semanas de mobilização. As ações cada vez mais decididas e as jornadas de 24 de novembro e de 1° de dezembro mostraram a ira e a determinação dos manifestantes. Porém, é importante recordar que o movimento nasce das regiões, onde os bloqueios se multiplicam, assumem novas formas a cada dia e onde a polícia não consegue, muitas vezes, seguir o ritmo. Em muitas regiões, os bloqueios que a princípio eram de estradas e informativos se transformam. Agora se busca bloquear centros econômicos ou órgãos que representam o Estado: prefeituras, centros de impostos, grandes armazéns, grandes fluxos de transporte, armazéns de combustível, portos e, inclusive, conseguiram bloquear dois aeroportos no sábado (Nice e Marselha). Até agora o movimento não parou de crescer e aglomerar novos setores que vêm com suas próprias reivindicações, diferentes setores de trabalhadores como a ferrovia, o pessoal da saúde, porém também coletivos das periferias como o “Justice pour Adma” (em homenagem a Adama Traoré, jovem assassinado pela polícia) e os que estão por vir: caminhoneiros e os agricultores.
Aparecem novas greves setoriais e desde segunda-feira, 3 de dezembro, os estudantes realizam centenas de bloqueios nos institutos por toda a França, unindo-se as primeiras universidades na quarta-feira, 5 de dezembro. A repressão que estão conhecendo os estudantes ainda sendo menores de idade, também é muito grande. No entanto, as organizações de esquerda e sindicatos tradicionais seguem completamente oprimidos e a inutilidade da luta institucional e legalista está se colocando em evidência. Muitas de suas bases pedem (ou diretamente realizam ações conjuntas com os “gilets jaunes”) uma aliança com o movimento, que parece ser o primeiro em anos capaz de apresentar uma luta que faça tremer o poder e conseguir uma vitória, para reforçar e apoiar uma linha de classe dentro deste. O governo deu um primeiro passo para trás suspendendo o aumento do imposto sobre o combustível, congelando o preço do gás e da eletricidade, porém os jalecos amarelos que continuam mobilizados não se deixam enganar, pedem melhoria em suas condições de vida. Portanto, as mobilizações continuam se multiplicando e a convocatória de 8 de dezembro em Paris se manteve. Por último, o governo tentou impor o imposto com uma justificativa ecológica porque ia financiar futuras medidas neste âmbito. Muitos criticaram o movimento, dizendo que era antiecológico e que era composto por broncos que não entendiam a importância da mudança climática. Porém, setores do movimento souberam dar um caráter de classe ao debate ecológico, explicando que este tipo de reforma é inútil, uma falsa solução que só faz recair o peso da crise ecológica sobre a população. Souberam assinalar em suas reivindicações os setores mais contaminantes (aviação, transporte marítimo, setores industriais vinculados a energias fósseis…) para que sejam responsabilizados por seu impacto ecológico. A classe trabalhadora francesa não está disposta a pagar pela crise econômica e ecológica gerada pelo capitalismo. Ainda que seja um aspecto não central dos acontecimentos atuais, a luta de classes na França mostra como a ecologia capitalista não é mais que uma falácia. O capitalismo não é capaz de tratar os problemas que ele próprio gera, fazendo recair as consequências nos ombros dos trabalhadores. Por isso, impor um conteúdo de classe nos temas ecológicos se torna uma prioridade. O movimento espontâneo dos “gilets jaunes” não é o primeiro deste tipo na França e recorda os distúrbios nas periferias francesas em 2005 ou, inclusive, do maio de 68. É um movimento com muitas carências, inúmeras contradições e criticável em muitos aspectos. Porém, apesar de ser composto por muitos trabalhadores sem experiência militante nem sindical, está mostrando um exemplo da capacidade de luta da classe trabalhadora. Em poucas semanas de ação política, trabalhadores sem experiência política anterior desenvolveram ações cada vez mais estruturadas e mais radicais, enquanto aglomera em seu redor o descontentamento de quase todos os setores da sociedade. Ainda que sem um partido que a dirija, a classe trabalhadora ousa afrontar o poder burguês de forma decidida, alcançando um nível de combatividade que não se tinha visto aglomerando em muito tempo. Os trabalhadores estão usando todos os métodos a seu alcance para ganhar o enfrentamento e tentam lutar por seus próprios interesses. A greve, arma por excelência dos trabalhadores, está sendo usada muito escassamente e ainda que muitos setores pareçam estar entrando em greve, a greve generalizada parece complicada de conseguir. Depois de vários anos de derrotas e de luta institucional, este movimento apresentou uma luta sem quartel, que não se tinha visto em anos. O fascismo e outros inimigos de classe espreitam para aproveitarem-se dos acontecimentos. Agora mais que nunca, é responsabilidade da esquerda revolucionária organizar a classe trabalhadora que não deve se deixar enganar pelo governo ou outras falsas soluções e propor uma luta que defenda os interesses de classe dos trabalhadores.
W. Reutberg, militante da IC
Fonte: http://www.iniciativacomunista.org/noticias-internacional/1149-evolucion-de-la-lucha-de-clases-en-francia-el-movimiento-de-los-chalecos-amarillosTradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)