Canadá: corporações por trás do apoio ao golpe na Venezuela

imagemÉ conveniente, porém incorreto simplesmente culpar os Estados Unidos pelo papel nefasto de Ottawa (capital do Canadá) na tentativa de golpe em curso na Venezuela.

As críticas à posição do governo do partido Liberal por uma mudança de regime na Venezuela geralmente estão focadas em sua submissão a Washington. Contudo, a hostilidade de Ottawa a Caracas é também motivada por segmentos importantes das corporações canadenses, as quais já travaram grandes embates com os governos bolivarianos.

Para garantir uma maior parte dos lucros provenientes do petróleo, a Venezuela forçou as companhias privadas de petróleo a se tornarem parceiros menores na companhia estatal, a PDVSA, em 2007. Isso levou a PetroCanada, baseada na cidade de Calgary, a vender sua porção em um projeto de que participava no país. Políticos canadenses reclamaram privadamente sobre se sentirem “queimados” pelo governo venezuelano.

A Venezuela tem a maior reserva reconhecida de petróleo do mundo. O país também possui enormes quantidades de ouro.

Diversas companhias canadenses entraram em conflito com o governo de Hugo Chávez em seu lance para ganhar maior controle sobre a extração de ouro. Crystallex, Vanessa Ventures, Gold Reserve Inc. e Rusoro Mining todas tiveram longas batalhas judiciais com o governo venezuelano. Em 2016 Rusoro Mining ganhou uma ação de $1 bilhão de dólares debaixo do tratado de investimento Canada-Venezuela. Naquele mesmo ano, a Crystallex foi compensada com $1.2 bilhões sob o mesmo tratado. Ambas as empresas continuam buscando por pagamentos e obtiveram o dinheiro da Citgo, a subsidiária da PDVSA nos Estados Unidos de propriedade do governo venezuelano.

Em 2011 o Financial Post publicou “anos após empurrar para fora os investimentos estrangeiros para o setor de mineração de ouro, o presidente Chávez está continuando com seu próximo passo: nacionalização completa”. Destacando sua importância para o capital canadense, o editorial da Globe and Mail criticou a decisão em um artigo intitulado “Chávez nacionaliza todas as minas de ouro na Venezuela”.

Em sinal de hostilidade ao governo venezuelano do setor de mineração canadense, o fundador da Barrick Gold, Peter Munk, escreveu uma carta em 2007 ao Financial Times intitulada “Parem a demagogia de Chávez antes que seja tarde”: “Seu editorial ‘Chávez no controle’ foi uma muito gentil descrição de um ditador perigoso – o último do tipo que lidera uma nação através do processo democrático, e aí perverte e abole a democracia para perpetuar seu próprio poder… não estamos ignorando as lições da história e esquecendo que os ditadores Hitler, Mugabe, Pol Pot entre outros se tornaram líderes de nações através de um processo democrático?… demagogos autocráticos do estilo Chávez passam despercebidos até que seus países se tornem regimes totalitários como a Alemanha nazista, a União Soviética ou a Sérvia de Slobodan Milošević… Não podemos dar a chance de o presidente Chávez fazer a mesma transformação na Venezuela”. Um ano antes, o capitalista canadense disse aos acionistas da Barrick Gold que ele preferia investir na parte ocidental do Paquistão (controlada pelo Taliban) do que na Venezuela ou Bolívia. “Se eu tivesse a opção de colocar meu dinheiro em um dos países latino-americanos governados por Evo Morales ou Hugo Chávez, eu sei onde eu colocaria minha grana”, disse Munk, se referindo ao fato de ambos os países terem aumentado a participação pública na extração de recursos minerais em detrimento dos investidores estrangeiros.

Beneficiando-se da privatização de companhias estatais de mineração e brandas restrições para investimento estrangeiro, os investimentos do setor de mineração canadense explodiu na América Latina desde os anos 1990. Nenhuma empresa de mineração canadense operava no Peru ou México no começo dos anos 1990; já em 2010 havia aproximadamente 600 empresas nos dois países. Essas empresas possuem dezenas de bilhões de dólares investidos nas Américas. Qualquer governo da região que reverta as reformas neoliberais que permitiram esse crescimento é uma ameaça para os lucros do setor minerador canadense.

O setor mais poderoso das corporações canadenses não ficou nem um pouco feliz com as políticas nacionalizantes de Chávez. Juntamente com o crescimento do setor de mineração, os bancos canadenses expandiram suas operações para uma série de países latino-americanos para realizar mais negócios com os clientes canadenses da mineração. Os bancos canadenses se beneficiaram da liberalização das regras para investimento estrangeiro e das regulações bancárias na região. Poucos dias depois da morte de Chávez em 2013, a coluna de negócios do Globe and Mail publicou uma história na capa sobre os lucros do banco Scotiabank na Venezuela, que foram comprados pouco antes a chegada do ex-presidente ao poder. O artigo dizia: “O banco da Nova Scotia [Scotiabank] é geralmente admirado por sua grande expansão na América Latina, tendo completado grandes aquisições na Colômbia e Peru. Mas quando se trata da Venezuela, o banco fez pouco nos últimos quinze anos – principalmente porque o governo do Presidente Hugo Chávez foi hostil aos investimentos estrangeiros de larga escala”. Enquanto o Scotiabank é poderoso na América Latina, outros grandes bancos canadenses também possuem negócios significativos na região.

No pico da competição ideológica entre a esquerda e a direita na região, o governo de Stephen Harper – ex-primeiro-ministro do Canadá – dedicou um esforço significativo para fortalecer os governos de direita da região. Ottawa aumentou os financiamentos na América Latina especialmente para estancar a crescente rejeição do capitalismo neoliberal e em 2010 o ministro do comércio Peter Van Loan admitiu que o objetivo “secundário” do acordo de livre comércio do Canadá com a Colômbia era apoiar o governo de direita do país contra seus vizinhos venezuelanos. O Globe and Mail explicou: “O desejo do governo canadense de apoiar as novas democracias liberais na América Latina em uma competição ideológica com a esquerda, nacionalistas autoritários como a Venezuela de Hugo Chávez é raramente expressada com força, ainda que esteja no centro da iniciativa de Ottawa”. Um conservador anônimo disse ao jornal: “Para países como Peru e Colômbia que estão tentando ser parceiros na região, eu acho que todo mundo está tentando mantê-los juntos ao lado do livre comércio no debate latino-americano, em vez de jogá-los para o lado bolivariano”.

Ottawa quer acabar com a independência/desenvolvimento socialista na Venezuela. Mais especificamente, o crescimento da mineração, dos bancos e de outros setores na América Latina empurrou o Canadá a uma postura mais agressiva na região. Então, enquanto é verdade que o Canadá geralmente cumpre o papel de marionete dos EUA, capitalistas no Gigante Nevado do Norte também são atores independentes buscando encher seus próprios bolsos ao mesmo tempo em que buscam atacar a soberana vontade do povo venezuelano.

Texto de Yves Engler, militante de esquerda e autor do livro “Left, Right — Marching to the Beat of Imperial Canada” para o site www.yvesengler.com. Traduzido por Igor Galvão.

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