Venezuela: a Anistia Internacional a serviço do Império

imagemRoger Harris *

… as posições da AI clamam por justiça, assim como muitas vezes apelam à punição, com o subtexto de que a punição das vítimas do Império é a justiça.

O Tio Sam tem um problema no seu “quintal” sul-americano com aqueles arrogantes venezuelanos que insistiram na eleição democrática de Nicolás Maduro como seu presidente, em vez de contornarem o processo eleitoral e instalarem o não eleito e trunfo dos EUA, Juan Guaidó. Nada se importando com isso, a Anistia Internacional veio em socorro destes com uma total e palavrosa defesa do imperialismo dos EUA :

“Perante graves violações dos direitos humanos, escassez de medicamentos e alimentos e violência generalizada na Venezuela, há uma urgente fome de justiça. Os crimes contra a humanidade provavelmente cometidos pelas autoridades não devem ficar impunes” – (Erika Guevara-Rosas, diretora para as Américas da Anistia Internacional).

A Anistia Internacional fracassa na sua opção de fazer apelos contra o governo de Maduro, no contexto de uma campanha concertada de mudança de regime, o que equivale à guerra, desenvolvida pelo valentão do norte. Os EUA estão a travar uma guerra ilegal contra a Venezuela e a opção da Anistia Internacional ignora esse inconveniente fato, omitindo mesmo, flagrantemente, qualquer menção às sanções.

Como observou o ativista de direitos humanos Chuck Kaufman, da Aliança para a Justiça Global , sobre a Anistia Internacional (AI): “Parece que eles não se importam mais com a sua credibilidade”. Um relato mais crível e honesto sobre a Venezuela do que o trabalho ardiloso lá apresentado, em 14 maio, pela AI, além da afirmação de que crimes contra a humanidade exigem uma resposta vigorosa do sistema de justiça internacional, também deveria ter enfatizado, juntamente com as alegadas transgressões do governo Maduro:

Graves violações dos direitos humanos. Os economistas Mark Weisbrot, do Centro de Investigação Econômica e Política, e Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia, noticiaram recentemente que as sanções dos EUA à Venezuela são responsáveis por dezenas de milhares de mortes. Este é o exato preço exigido à Venezuela, prevendo-se que pioraria com a mudança de regime que a AI está, implicitamente, a promover.

Escassez de medicamentos e alimentos. Desde 2015, quando o Presidente Obama as instituiu pela primeira vez, os EUA têm vindo a impor à Venezuela cada vez mais sanções ilegais e paralisantes, para, expressamente, criar miséria na população, na esperança de que ela se volte contra o seu próprio governo, democraticamente eleito. As sanções estão projetadas, especificamente, para sufocar a economia e para que a Venezuela não possa resolver os seus problemas. O governo dos EUA orgulha-se do impacto das sanções. Jogando do lado do “bom policial”, os EUA, contra o “mau policial”, a AI lamenta as reais condições que está, tacitamente, ajudando a promover, ao pedir o agravamento das “punições”. Novas sanções dos EUA contra a Venezuela foram impostas em 10 de maio.

Violência generalizada. O governo dos EUA ameaçou, assumida e repetidamente, com uma intervenção militar na Venezuela, se o governo eleito não abdicasse. Além do ataque militar, os EUA travaram uma guerra contra a Venezuela por meios econômicos e diplomáticos, sem mencionar a guerra de baixa intensidade, como ataques cibernéticos. A oposição da extrema-direita apelou para a derrubada ilegal do governo e evitou meios eleitorais para efetuar mudanças políticas. A AI está certa ao observar que, desde 2017, uma nova violência foi infligida ao povo venezuelano, mas recusa observar o papel da oposição em provocar essa violência com as suas guarimbas [1] e outras ações. Enquanto isso, Guaidó, cujo apoio popular na Venezuela está batendo no fundo, noticiou o envio de um seu emissário para se reunir com o Comando Sul dos EUA, para “coordenar”.

Como é possível que uma organização que se propõe a defender os direitos humanos e a justiça global possa ignorar tão abertamente os fatos que não se encaixam na sua narrativa e, tão obsequiosamente, papagueiem o palavreado de Trump-Pompeo-Bolton-Abrams? Por que iria tão longe a AI, a ponto de se encontrar com o autoproclamado Guaidó e, depois de alguns dias, emitir um relatório condenando o governo de Maduro, sem também investigar o outro lado do conflito?

Infelizmente, esta não é a primeira vez que a AI mostrou uma propensão imperial, como se verificou nos projetos de mudança de regime apoiados pelos EUA no Iraque , Líbia , Síria e Nicarágua.

Objetivamente, a desconstrução das muitas alegações (por exemplo, “mais de 8.000 execuções extrajudiciais pelas forças de segurança”) feitas contra a Venezuela no folheto e no respectivo relatório da AI tem de ser efetuada. Infelizmente, o Império tem um excesso de recursos para fabricar propaganda em comparação com a capacidade de a combater, por parte de grupos genuinamente humanitários. Só a AI tem um orçamento anual de mais de US$ 300 milhões. Segundo fontes citadas pela Wikipedia, a AI recebe doações do Departamento de Estado dos EUA , da Comissão Europeia e de outros governos, assim como da Fundação Rockefeller.

Para concluir, as posições da AI clamam por justiça, assim como muitas vezes apelam à punição, com o subtexto de que a punição das vítimas do Império é a justiça. Se a AI estivesse realmente preocupada com a justiça, em vez de justificar uma nova operação dos EUA de mudança de regime, deveria defender o seguinte:

. Acabar com as sanções unilaterais dos EUA à Venezuela, que são ilegais, com base nas cartas das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos.

. Apoiar o diálogo entre o governo eleito e a oposição, promovido pelo México, Uruguai, Papa Francisco e, mais recentemente, Noruega.

. Condenar as atividades de mudança de regime e interferência nos assuntos internos da Venezuela e rejeitar ativamente a posição agressiva do governo dos EUA, como a articulou o vice-presidente dos EUA, Pence: “Não é o momento para dialogar. É o momento para agir”.

. Respeitar a soberania da Venezuela e restaurar as relações diplomáticas normais entre os EUA e a Venezuela.

Notas

[1] guarimbas: ações de bloqueio de ruas com barricadas e recorrendo frequentemente à violência. – NT

* Roger Harris faz parte do Grupo de Trabalho para as Américas, uma organização anti-imperialista de direitos humanos, com 32 anos de idade.

Fonte: https://www.counterpunch.org/2019/05/21/venezuela-amnesty-international-in-service-of-empire/, colocado em 2019-05-21, acessado em 2019-05-22

Tradução do inglês de PAT