EUA despejam óleo no incêndio do Golfo
por M. K. Bhadrakumar*
O apresamento de um petroleiro iraniano ao largo de Gibraltar pela British Navy na sexta-feira passada está rapidamente adquirindo um caráter grotesco. A Grã-Bretanha atuou sob as ordens dos EUA; por sua vez, os EUA atuaram provavelmente sob as ordens da “Equipe B”. Até agora, apenas um responsável de topo dos EUA exprimiu alegria acerca do incidente – o conselheiro de Segurança Nacional John Bolton, o qual naturalmente é membro do secretariado da Equipe B. Nenhum dos outros três membros da Equipe B – o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyau ou os dois príncipes coroados do Golfo (bin Salman e bin Zayed) avançaram nesta controvérsia.
A intenção original por trás da operação anglo-americana era claramente provocar os iranianos a alguma ação retaliatória. Mas o Irã recusou-se a ser provocado e está aguardando o seu momento. Tivesse o Irã actuado impulsivamente ou precipitadamente, uma conflagração militar poderia ter-se seguido, a qual teria proporcionado simplesmente o álibi para um ataque militar em grande escala dos EUA a alvos iranianos. Mesmo o Artigo 5 da Carta da OTAN sobre segurança coletiva pode ser invocado. A Equipe B tem estado em busca de uma tal janela de oportunidade. A última visita do secretário da Defesa dos EUA a Bruxelas foi uma missão para arregimentar apoio da OTAN para um ataque militar contra o Irã.
Entretanto, o Irã é suficientemente astuto para imaginar o plano de jogo anglo-americano. Teerã está indignada e advertiu de consequências, mas tudo a seu tempo. Uma vez que o Irã se recusou a ser provocado, a Grã-Bretanha fez uma falsa alegação de que teria feito uma tentativa abortada para “intimidar” um petroleiro britânico. Teerã, naturalmente, negou furiosamente a alegação. Enquanto isso, há um movimento paralelo dos EUA para reunir uma “coligação de vontades” ostensivamente para proteger petroleiros no Estreito de Ormuz, uma via navegável iraniana. Há uma história por trás disso.
A falsa alegação da Grã-Bretanha foi imediatamente aproveitada pela US Navy para avançar com o seu plano mestre de estabelecer escoltas para a navegação no Estreito de Ormuz. O general Mark Milley, que fora indicado para presidente do US Joint Chiefs of Staff, foi citado como tendo dito em 11 de Julho durante um testemunho perante o Comité dos Serviços Armados do Senado em Washington que o Pentágono está a trabalhar para formar uma coligação “em termos de proporcionar escolta militar, escolta naval, à navegação comercial”. Nas suas palavras: “Penso que estará em desenvolvimento durante o próximo par de semanas”.Milley caracterizou o projeto como uma afirmação do princípio fundamental da “liberdade de navegação”, uma expressão que Washington utiliza arbitrariamente no seu livro de regras “Índico-Pacífico”.
Não é preciso muito engenho para imaginar que os EUA pretendem assumir o controle do Estreito de Ormuz – embora o estreito esteja em águas iranianas-omanitas à luz do direito internacional. Como o ponto mais estreito do Estreito de Ormuz tem 21 milhas náuticas [38,39 km], todos os navios que passam por ali devem atravessar as águas territoriais do Irã e de Oman. Os direitos de passagem para navios estrangeiros sob o direito internacional consequentemente serão sujeitos ou às regras da passagem inocente não-irrevogável ou à passagem de trânsito conforme o regime legal aplicável.
O tópico tem precedente no Tribunal Internacional de Justiça (ICJ). O ICJ confirmou a regra habitual do direito internacional, utilizada na navegação internacional, de que navios de guerra estrangeiros têm o direito de passagem inocente em estreitos durante tempos de paz, o que significa que durante tempos de paz os estados costeiros só poderiam proibir a passagem de qualquer navio de bandeira estrangeira se a sua passagem fosse não inocente.
Entretanto, a área cinzenta aqui (a qual os EUA querem desafiar) é que o Irã tem o direito legal como um estado costeiro de impedir o trânsito ou a não-irrevogável passagem inocente de navios se o navio que estiver envolvido na passagem através do estreito constituir uma ameaça ou realmente utilizar força contra a soberania do Irã, a sua integridade territorial, ou independência política ou possa estar a atuar de qualquer outro modo em violação dos princípios do direito internacional incorporados na Carta das Nações Unidas.
Em termos estratégicos, portanto, ao precipitar a captura do petroleiro iraniano, os EUA e a Grã-Bretanha estão a seguir o caminho de criar um pretexto para desafiar os direitos do Irã sobre o Estreito de Ormuz e ganhar o controle do estreito. Isto é também planejamento de contingência antecipado na medida que sob o direito internacional, se os EUA fossem atacar território iraniano sem uma decisão do Conselho de Segurança da ONU, seria levantada a questão de se as disposições para a passagem em trânsito sob a UNCLOS continuariam a ser aplicadas ao Estreito de Ormuz ou se o Irão poderia invocar as leis do mar e actuar contra petroleiros, especialmente se eles forem considerados estar a ajudar o inimigo.
Escusado será dizer, é possível ver que aquilo que pode ter parecido como um ato aventureiro ou tolo da Grã-Bretanha ao capturar o petroleiro iraniano poderia realmente ser o topo de um projeto calibrado destinado a impor efetivamente um bloqueio naval contra o Irão. De facto, isto constitui o capítulo mais recente da política dos EUA de “pressão máxima” contra o Irã.
A propósito, uma segunda extensão do atual projeto é também tomar o controle das vias de navegação estratégica através do Bab al-Mandeb (ao largo do Iêmen), o qual leva ao Canal de Suez (o estreito de Bab-al-Mandeb conecta o Mar Vermelho com o Golfo de Aden e o Mar Arábico).
O controle estadunidense do Bab al-Mandeb significará que a utilização do Canal de Suez pelo Irã. ficará sob intenso monitoramento dos EUA. Os EUA têm uma base militar no Djibuti em frente ao Bab al-Mandeb (contra este pano de fundo, a feroz guerra no Iêmen fica em perspectiva).
Naturalmente, tudo isto constituem atos que estão em grosseira violação do direito internacional e da Carta das Nações Unidas e a Índia deveria manter-se a milhas de distância do projeto anglo-americano de impor bloqueio naval contra o Irã sob qualquer pretexto.
Na verdade, a Índia será convocada a tomar algumas decisões difíceis no período que se aproxima quanto à situação emergente no Golfo Pérsico. Em primeiro lugar, a Índia deveria ficar longe do projeto liderado pelos EUA de estabelecer escoltas militares para navios no Golfo Pérsico. Há informações de que a Indian Navy enviou dois navios com helicópteros ao Golfo de Omã. Presumivelmente, este deslocamento de não será parte da flotilha naval liderada pelos EUA para intimidar e bloquear o Irã.
Em segundo lugar, há uma forte probabilidade de os EUA invocarem seus privilégios sob o Logistics Exchange Memorandum of Agreement a fim de terem acesso a instalações militares indianas para reabastecerem seus navios. Na assinatura do LEMOA, em 2016, peritos indianos criticaram-no como um “erro estratégico”. Num apelo apaixonado, Bharat Karnad em Agosto de 2016 escreveu: “Isto (o LEMOA) é, talvez, o mais grave erro estratégico cometido pelo país nas suas quase sete décadas de existência independente”. A crítica de Karnad prevenindo quanto às graves consequências revelou-se profética. ( aqui )
O texto do LEMOA permanece secreto. O público indiano nem mesmo sabe se a Índia tem a opção de rejeitar qualquer iniciativa dos EUA para ter acesso às nossas bases militares numa situação como a de hoje, quando nuvens de guerra estão se acumulando na nossa vizinhança e Washington está avançando preparativos para uma operação militar contra o Irã, um país amigo com o qual a Índia tem tido profundos laços civilizacionais e preocupações comuns no cenário regional contemporâneo.
O governo estará traindo os interesses nacionais da Índia de médio e longo prazo se proporcionar à US Navy instalações de apoio nas suas bases militares atualmente sob o LEMOA.
Terceiro e mais importante: Delhi está mantendo um silêncio ensurdecedor – por razões melhor conhecidas pelos formuladores de políticas – sobre as tempestades que se aproximam na região do Golfo Pérsico. Caramba, mais de 7 milhões de indianos vivem e trabalham nessa região. Mesmo se desconhecêssemos que estes indianos não residentes baseados no Golfo dão apoio orçamentário significativo à economia indiana, que chega a b.ilhões de dólares por ano através das suas remessas, o governo tem obrigação para com os seus cidadãos de não deixar pedra sobre pedra a fim de garantir a sua segurança física. Dezenas de milhões dos seus parentes na Índia dependem deles criticamente para seu sustento.
Será que o governo não deveria dizer alguma coisa no sentido de que a Índia se opõe a uma situação de guerra no Golfo Pérsico e que a administração Trump deveria amtuar com a máxima contenção? Se isto não é uma questão de política externa que mereça ser articulada pelo primeiro-ministro, o que mais poderia ser? Outros países como a Rússia, a China e os aliados próximos dos EUA têm falado sobre a crise do Golfo Pérsico.
O que explica a covardia do governo? Medo de Trump? Estarão nossas elites demasiado comprometidas com a Equipe B? Pacto faustiano com Netanyahu (que segundo se informa está por vir a Delhi para encontrar o primeiro-ministro)? Ou simplesmente a Abordagem do Avestruz de não ver o mal, não ouvir o mal ou não falar mal se for acerca do tio Sam? De qualquer forma, que espécie de impressão quanto a Índia como potência regional é que o governo está querendo projetar? Vergonha na Índia!
12/Julho/2019
https://www.resistir.info/irao/bhadrakumar_12jul19.html