“Tanto a Copa quanto as Olimpíadas são eventos comerciais privados”
O Portal do PCB entrevista o coordenador do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro, Marcelo Braga Edmundo. Com histórico de luta em defesa dos Direitos Humanos e contra a violência das forças do Estado contra a população pobre, Marcelo critica de forma contundente as preparações para os megaeventos esportivos no Brasil.
Portal do PCB – Qual o maior desafio com a realização desses eventos?
MARCELO BRAGA EDMUNDO -A nossa capacidade de mobilização e organização para resistir a um processo que se mostra cada vez mais violento e sedutor. Não se trata apenas de contestar e denunciar o que vem acontecendo, mas de apresentar alternativas para a população, desconstruindo toda a propaganda que se faz em torno dos jogos.
PCB- Como assim?
MBE – Os jogos, tanto a Copa quanto as Olimpíadas, são eventos comerciais privados, que visam o lucro, de todos os tipos e de todas as formas. Comercializa-se tudo, a disputa esportiva fica em segundo ou terceiro plano.
PCB – Mas não há apoio popular aos eventos?
MBE – Acredito que mesmo quem é totalmente favorável à realização dos jogos no Brasil não concorda com a forma como as obras estão sendo tocadas, sem nenhuma transparência. Há superfaturamento, orçamentos estourados, falta de um projeto claro, sem falar na falta de participação da população, direta e indiretamente atingida. Os investimentos e as obras, são feitos não para atender a necessidade da cidade e de quem vive nela, mas para satisfazes os interesses de grandes grupos econômicos, em geral, ligados aos detentores dos jogos.
PCB – E como fica o diálogo com quem quer estar presente, assistir com os próprios olhos?
MBE – A população com certeza passará longe de onde serão realizados os jogos. A maior parte dos ingressos será dividida entre os patrocinadores e em pacotes turísticos de empresas ligadas aos donos dos jogos, seja Fifa ou COI. Para piorar, há o controle do espaço urbano pelo Estado, para atender aos interesse privados e exercer o controle social. A situação é tão crítica que nem assistir aos jogos na rua, saboreando o tradicional churrasco de gato e bebendo a cerveja de preferência, será permitido. É muito revoltante.
PCB – E as remoções de moradores?
MBE – É uma violência a remoção e o deslocamento forçado. Uma violência que começa muito antes da remoção em si, mas logo no anúncio das obras. A população das áreas nas quais ocorrem estas remoções sofre uma pressão psicológica absurda, para provocar a desmobilização e a falta de resistência em relação ao projeto. É para “facilitar o trabalho”. Essa pressão provoca rachas e desavenças nas comunidades atingidas, dificultando a atuação dos movimentos organizados.
PCB – E as relações entre os moradores, como fica?
MBE – O deslocamento de onde construíram suas vidas e suas histórias é ruim. Para nós, moradia não é apenas quatro paredes, mais até que o saneamento e a infra-estrutura básica. Moradia é também a relação com o local onde se vive, onde um conhece o outro.
E nos locais para onde esta população é reassentada, a 30, 40, 50 km de sua origem, a população também é atingida na sua rotina e realidade. Uma sala de aula que tem 30 alunos passa a ter 50, o posto de saúde que já não consegue atender a demanda local fica inviável e por aí vai. Os mercados, as áreas de lazer e principalmente as relações entre os grupos sociais são totalmente afetados.
PCB – E o papel da especulação imobiliária?
MBE – Muitas destas remoções não têm nenhuma relação direta com a preparação da cidade para receber os jogos, mas simplesmente para atender aos interesse da especulação imobiliária, oferecendo novas áreas para exploração e supervalorização. Aliás, esta especulação acaba por atingir não só as áreas onde ocorrem as remoções mas toda a cidade. Aquele de classe média que vive de aluguel ou está tentando comprar um apartamento já percebeu isso. Os preços estão cada vez mais fora da realidade. Por isso é importante entender que os mesmos interesses que estão por detrás das remoções, que muitos ignoram, são os mesmos da supervalorização do mercado imobiliário, que provoca um deslocamento forçado em toda a cidade.