ENTREVISTA EXCLUSIVA COM INTEGRANTES DAS FARC-EP NA MESA DE DIÁLOGO COM O GOVERNO COLOMBIANO
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM INTEGRANTES DAS FARC-EP NA MESA DE DIÁLOGO COM O GOVERNO COLOMBIANO
“O triunfo de um povo é o triunfo de todos”
O jornal Imprensa Popular entrevistou com exclusividade em Havana, capital de Cuba, os representantes da Equipe de Diálogo das FARC-EP Marco León Calarcá, Hermes Aguilar e Ricardo Teles, que participam dos diálogos de paz entre a insurgência e o governo colombiano. Confira, a seguir, a íntegra da entrevista:
IMPRENSA POPULAR – Camaradas, é uma honra para nós do Partido Comunista Brasileiro e do jornal Imprensa Popular poder realizar essa entrevista com a Equipe de Diálogo das FARC-EP neste momento tão transcendental para a história da Colômbia e para os rumos da América Latina. Na sua opinião, o que devem fazer os internacionalistas brasileiros para colaborar na busca da almejada paz com justiça social na Colômbia?
Marco – Primeiramente, enviamos as saudações das FARC ao povo brasileiro através do Partido Comunista Brasileiro. Pensamos que a solidariedade é inerente à paz. Neste momento estamos claros de que o processo e a possibilidade de construir os caminhos para a paz são um triunfo do movimento popular – do qual fazemos parte. Assim como conseguimos abrir a porta, necessitamos ajuda para mantê-la aberta e avançar.
E não somente dos internacionalistas brasileiros, mas de todos os povos do mundo, porque inclusive pensamos que temos a necessidade de paz em todo o mundo. A paz é um direito essencial, e a única possibilidade de avançar na construção de sociedades dignas que merecem os povos, que merecemos nós, também. Porque é conhecido o nível de exploração dos povos, que é um nível de exploração ao que se somam a repressão, a violência, os assassinatos, a impunidade. Isso configura uma imagem do que foi a história da Colômbia, e é uma história que se repete. Lá os ventos de mudança são também os ventos de transformação da Nossa América. Por essa razão e importância, eu não concordo em que o processo poderia ser mais rápido, mais lento, que deva se ceder ante tal ou qual coisa.
É inquestionável que existem em nossa América algumas mudanças, algumas expectativas de que em realidade alguns governos estariam representando os interesses da população. Mas, ainda existem países onde esses ventos de mudança não sopram, enfrentam barreiras que os detêm.
E há ventos e ventos, que respondem a qualquer mudança de tempo ou posição. E os acordos com freqüência são os que explicam qualquer tipo de facilidade para essas mudanças. Não obstante acabam por ser arrumados de acordo com a história do mundo e a conjuntura atual.
IP – Qual deveria ser a postura do Brasil e da Unasul nesse momento?
Hermes – Sem dúvida, o Brasil, pelas suas dimensões e grau de desenvolvimento é muito representativo na América Latina. Pode-se dizer que em um futuro não muito distante, as decisões do Brasil serão determinantes, pois novos elementos geoestratégicos estão aparecendo no ambiente político do Continente. Através, tanto do MERCOSUL quanto da UNASUL se estão estabelecendo novas relações entre governos, povos e exércitos dos países que os integram, relações que nada têm a ver com a prepotente e dominadora doutrina Monroe que diz “América para os americanos”. Hoje tudo passa pelo Brasil. Ademais, devemos levar em conta outros organismos que têm a ver com esse processo de integração, como a CELAC, na qual se integram Cuba e toda América Latina. Esse processo começa a formar um forte movimento em nosso Continente.
Na Colômbia há, infelizmente, uma das “democracias” mais atrasadas, por não ter modificado em nada sua forma de funcionar. Nunca houve uma possibilidade de abertura, sequer na democracia burguesa.
E vejam bem…. já os EUA não conseguem impor sua dominação como antes. Basta lembrar a amarga experiência de ter que ver com seus próprios olhos a derrota contundente de seu projeto conhecido como ALCA. Mas, não deixa de tentar recuperar o terreno perdido, mediante a estratégia do “não mas sim”. Quem não lembra do golpe de Estado na Venezuela?
No Haiti, lembrem uma tragédia terrível para invadir seu território com milhares de soldados, quando o que necessita o povo desse país são médicos (as), enfermeiros (as), água, comida, barracas, remédios, hospitais de campanha, ambulâncias, etc, etc, etc. Algo tem por trás dessa invasão.
Depois, a bola da vez foi Honduras: golpe de Estado. E seguindo nessa linha, temos mais recentemente o golpe de Estado no Paraguai. Por outra parte, continuam a instalar Bases Militares em nosso Continente. Há países que aceitam ceder território; outros, com atitude digna e soberana, lhe dizem: não. E não podemos esquecer que por ai anda a Quarta Frota. Fazendo o que?
Os EUA ficam nervosos quando observam o espírito soberano e de independência que têm a integração e a complementariedade de nossos países, assim como a consciência política e a luta anti-imperialista dos seus povos. E mais, ainda, estão muito preocupados, pois sabem das grandes possibilidades que América Latina unida tem para fazer excelentes planos de desenvolvimento a serem incluídos na agenda geoestratégica mundial, já que conta com as maiores reservas de recursos naturais determinantes para a sobrevivência da Humanidade. E, em todo isso, o Brasil tem uma grande missão a cumprir.
IP – E como, de fato, você avalia a atuação do Brasil e da UNASUL nesse episódio específico de diálogos para a paz na Colômbia e ao longo dos últimos anos?
Ricardo – Aproveito a oportunidade de estar falando com os camaradas do Partido Comunista Brasileiro para enviar uma calorosa, ampla e generosa saudação aos revolucionários e ao povo do Brasil. Sentimos o calor e a solidariedade dos brasileiros através de todos esses anos de intensa luta na Colômbia, incluindo os dez últimos anos de uma guerra que foi incrementada pelo senhor Uribe Velez.
Nesse processo, recebemos a solidariedade efetiva e o calor do povo brasileiro, principalmente quando no Brasil Olivério Medina, um dos nossos dirigentes, foi detido. Foi o povo brasileiro quem impediu que fosse extraditado, sendo que os comunistas e revolucionários brasileiros tiveram um papel determinante, impedindo que nosso companheiro hoje estivesse na prisão pagando por delitos que não cometeu. Agora, sobre a UNASUL e os outros organismos que estão surgindo, é uma nova forma de fazer diplomacia na América Latina. Os EUA já não podem fazer em nosso Continente o que tradicionalmente vinham fazendo. Os organismos fundados como fantoches, a exemplo da OEA, estão nesse momento ultrapassados, e na nova diplomacia vão ganhando mais força os povos que começam a se despertar para o processo de unidade latino-americana e caribenha.
Nesse sentido a UNASUL, a ALBA, a CELAC vão jogar um papel decisivo para impedir que os EUA sigam dominando nossos países como vinham fazendo.
Existe uma questão que não é conhecida, mas nessa aproximação entre as FARC e o governo colombiano, generosamente o governo do Brasil ofereceu seu território para que se iniciassem os diálogos discretos e secretos entre as duas partes. Também, na recente crise entre Colômbia e Venezuela o governo brasileiro, assim como o cubano, teve papel determinante para evitar uma guerra. Dessa forma, acreditamos que a UNASUL tem um papel fundamental nesse momento de inicio dos diálogos.
Num futuro próximo é possível esperar que a UNASUL e o Brasil venham a fazer parte da mesa de diálogo para acompanhar o processo.
Além disso, o Brasil poderia participar de um grupo de países amigos pela paz na Colômbia, porque esse processo não afeta somente o território colombiano, é um assunto regional. O Brasil tem um papel importante para a paz no Continente.
IP – Que garantias são necessárias para que não venha a se repetir o que ocorreu com a União Patriótica e o assassinato de milhares de lutadores no passado?
Marco – A garantia necessária, a única condição indispensável para que não ocorra o que aconteceu com a União Patriótica é a vontade política da classe dominante colombiana, que abandone o esquema da doutrina da Segurança Nacional que, para a vergonha do país, é a única nação que a segue aplicando agora com o nome de Segurança Democrática, porque não existe a possibilidade real de conter os assassinos do povo.
O que existe é a pressão popular, existe a defesa popular, mas então cairemos no mesmo: para defender o caminho da paz temos que nos armar para acabar com esses grupos paramilitares que funcionam a mando das forças oficiais. Então, é um problema de vontade política, para que de verdade se olhe para o futuro da pátria construído em conjunto com as forças populares.
Do contrário seria, então, levar ao fracasso qualquer tentativa de paz. É que nós como insurgência, as FARC, somos resultado e consequência dessa violência oficial. Nós não fazemos a guerra porque gostamos da guerra, já que para nós a guerra não é um fim. Desde 1964, em um dos primeiros documentos que publicaram os marquetalianos – como chamamos os nossos fundadores – com o título de Programa Agrário dos Guerrilheiros, que afirma que somos revolucionários e buscamos a transformação pela via democrática e de massas. Mas essa porta nos foi fechada violentamente. No entanto, como somos revolucionários e temos um objetivo, tivemos que buscar outra forma de luta, a luta armada.
Mas nós desde nossa origem temos mantido erguida a bandeira da paz, que sempre foi nossa vontade – assim como é agora -, que sempre foi nossa convicção. Já o outro lado até agora não teve convicção. Esperamos que agora, com condições diferentes (me referia anteriormente aos ares de mudança no continente, à movimentação social que existe em Colômbia) para forçar a oligarquia a modificar seu método de fazer política, porque nos acusam de violentos, mas são eles que desde a época da independência utilizam o assassinato como arma política.
Em 1830 assassinaram o Marechal Antonio José de Sucre e se recordamos a história sempre recorreram à violência para tratar de calar o povo, para tratar de impedir as mudanças. Então, desse ponto de vista, existe uma força popular que veremos se consegue convencê-los a não utilizar a violência, porque se recorrem à violência então não poderemos construir a paz, já que até agora as condições que nos obrigam a estar armados não mudaram, pelo contrário, se agravam. Nós queremos solucionar essas condições e que a violência não seja aplicada contra o nosso povo, porque temos claro que a violência reacionária sempre terá como resposta a violência revolucionária.
IP – O governo Santos teria como cumprir essas garantias necessárias para o processo de paz?
Hermes – Vamos sentar à mesa para tratar dessas questões. Nos encontros exploratórios que foram feitos durante 6 meses as duas partes se sentaram à mesa para construir uma agenda de diálogos sobre o problema nacional. Isso quer dizer que haverá uma batalha, não no campo de guerra, mas em uma mesa em que o movimento guerrilheiro estará na defesa de todo povo colombiano, colocando os temas necessários para que a violência não siga. Iremos tratar nos diálogos com o governo das causas da violência e buscar caminhos para solucioná-las.
Se o governo somente tiver como objetivo submeter o movimento a uma desmobilização não iremos avançar: a única garantia para que se conquiste a paz na Colômbia é o combate às causas da violência, dando condições dignas de vida para o povo. Hoje a Colômbia é um dos países mais desiguais do planeta, com a maioria do povo vivendo na pobreza e a oligarquia nadando em enormes riquezas. Nos momentos anteriores ao diálogo o paramilitarismo chegou ao seu auge, tendo ligações diretas com políticos, latifundiários, empresários e militares, sempre tendo como pano de fundo o narcotráfico.
Cerca de 80% dos políticos colombianos têm ligação com a narcopolítica, assim como muitos oficiais das Forças Armadas, alguns tendo inclusive sido condenados nos EUA por ter ligação com o narcotráfico. Se o governo tentar repetir o que ocorreu anteriormente seria um desastre para o país, como já foi demonstrado no passado.
A guerra forjada pelo governo e pelo paramilitarismo tem sido muito cruel para o povo colombiano, que sofre com os assassinatos e desaparições de sindicalistas, camponeses, estudantes, líderes comunitários, além dos que morrem em combate por uma solução política às injustiças. O governo não tem alternativa senão a de iniciar o diálogo com a insurgência e com o povo, porque a outra via apenas aprofundará a crise. Além do mais, existe uma crise de partidos e um movimento que vem diariamente se fortalecendo, chamado Marcha Patriótica, que pode garantir a sustentação desse novo processo.
A Marcha Patriótica tem modificado profundamente o cotidiano nacional e objetiva conquistar direitos que beneficiem o povo. Este processo de diálogo deve necessariamente estar acompanhado pelo povo e suas organizações, pois é o único capaz de obrigar o Estado a fazer as mudanças urgentes. É somente o povo organizado que pode conquistar as transformações necessárias em benefício da maioria.
IP – E como está hoje a mobilização popular para pressionar o governo e exigir conquistas nos diversos aspectos relacionados com a paz?
Hermes – Neste momento existe uma grande força dos setores populares e do movimento revolucionário. Nós das FARC não somos apenas guerrilheiros. Desenvolvemos um trabalho político clandestino em diversos setores da sociedade colombiana, desde o Partido Comunista Clandestino, junto ao movimento operário, juvenil, camponês, comunitário, cultural, etc. Em cada brecha na sociedade colombiana existem revolucionários trabalhando e aportando para o processo.
Hoje vemos marchas na Colômbia que não se viam desde 1948, construídas por mais de 2 mil organizações camponesas, afrodescendentes, indígenas, sindicais, estudantis, culturais e artísticas, que chegaram a mobilizar cerca de 2 milhões de colombianos e colombianas: o movimento Marcha Patriótica. O movimento vem se organizando em nível nacional, em cada região da Colômbia, realizando marchas e mobilizações nacionais, regionais e locais, o que mostra seu intenso processo de consolidação como força política.
A juventude também tem feito um belo trabalho. Recentemente os estudantes enfrentaram uma lei que avançaria na privatização da educação superior e venceram o governo. É um momento importante, em que o povo tem mostrado às classes dominantes a sua imensa força.
IP – Para finalizar, que mensagem gostariam de enviar aos militantes do PCB e, em especial, à juventude comunista no Brasil e a outros internacionalistas?
Ricardo – Certamente por sorte vocês, por sua juventude, não haviam nascido quando aconteceu o golpe de Estado e a ditadura pavorosa que o Brasil sofreu e que logo se espalhou por todo o continente. Aí a juventude brasileira deu uma cota muito grande de sangue enfrentando a ditadura.
Atualmente a juventude brasileira também enfrenta grandes batalhas para melhorar as condições de vida de seu povo. Certamente vocês não vivem uma guerra aberta de caráter militar contra o Estado, mas existem outras formas de luta, de organização popular, desde que o Estado burguês permite esse tipo de organização sem o risco de serem assassinados. É justa a participação em qualquer atividade de tipo legal, ocupando as contradições dos grandes ou pequenos espaços existentes no estado burguês.
A juventude colombiana, ao contrário, nos últimos 60 anos nunca pôde ter um dia de paz ou de sossego, e por isso milhares de jovens se viram obrigados a empunhar as armas. Jovens que nesse momento poderiam estar na universidade, no colégio, na escola, preparando-se para as batalhas do futuro.
Nós, de longe, observamos a juventude brasileira, que se manifesta através de seu folclore, da arte, do esporte; temos visto seus cantores, seus estudantes, seus artistas. Uma juventude que tem muita criatividade, que deve aproveitar muito o tempo para o estudo, para sua formação, e colocar todo isso a serviço de seu povo, evitar a postura de caráter egoísta, o individualismo, e os valores que se perderam devido às políticas neoliberais.
Acredito que a Juventude Comunista deve ser e é exemplo de dignidade, de valores que a sociedade e o mundo necessitam hoje mais do que nunca. Nenhum de nós queremos que nenhum jovem do mundo passe por situações degradantes e acredito que a juventude está sendo chamada a construir um mundo mais digno, um mundo melhor, com trabalho, com educação, com saúde, com pleno desenvolvimento físico e espiritual do ser humano.
Esta é a nossa mensagem dos guerrilheiros colombianos para os militantes do PCB e para a juventude comunista e, através de vocês, a todo o povo brasileiro, em especial a toda a juventude trabalhadora, homens e mulheres.
Marco – Para finalizar, gostaria de dizer que é necessária a solidariedade na luta dos povos, porque o triunfo de um povo é o triunfo de todos, e a derrota de um é a derrota de todos. Assim, é importante esse processo de organização. Que em nossa voz, em nossas respostas, vá o espírito da Guerrilherada Fariana, desses milhares de guerrilheiros e guerrilheiras que continuamos lutando pela paz e cumprindo com nossa tarefa de avançar nossa revolução em benefício de todos os povos do mundo.
Hermes – Eu gostaria de saudar o militantes do PCB e da UJC, e a todos os amigos que nos tem apoiado todos esses anos, com essa solidariedade comunista, combativa, que todos devemos ter. Nós, guerrilheiros, sempre estamos atentos para que a luta no Brasil, a luta de qualquer país seja nossa luta. Essa experiência que estamos adquirindo com a mesa de diálogo e outras experiências que possam surgir, queremos compartilhar com outros países, como Brasil, com os companheiros que ousam e que combatem a cada dia procurando melhorar o país.
E no nosso coração fica a palavra de ordem:
Contra o imperialismo, pela pátria; contra a oligarquia, pelo povo: somos as FARC – Exército do Povo, até a vitória final!.
Entrevista exclusiva ao Imprensa Popular