“O primeiro passo é levantar bem alto a bandeira da luta anticapitalista”
Italiano da província de Lucca, na Toscana, Vito Giannotti foi metalúrgico e no início dos anos 1990 colaborou decisivamente na criação do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), entidade que realiza cursos para lutadores sociais e políticos sobre comunicação sindical e popular. Nesta entrevista ao Portal do PCB, Vito avalia como a imprensa utiliza Marx na crise econômica e defende a utilização de todos os canais e veículos para informar os trabalhadores.
PCB – Como estudioso e militante da comunicação, como você vê os grandes veículos de comunicação citarem Marx para debater a atual crise econômica?
VITO GIANNOTTI – Énatural. No século XIX, Marx fez uma análise do capital que valeu para ontem, vale hoje e continuará válida amanhã. Sua descrição da acumulação primitiva do capital, sobre os preços, a mais valia, o lucro e a globalização é completamente atual.
O que ele fala da alienação, da ideologia, das classes sociais interessa a qualquer leitor dos jornalões comerciais do sistema como a todo militante de esquerda. Por isso a imprensa burguesa, para analisar e explicar a atual crise, cita Marx. Não é por nenhuma paixão, obviamente.
PCB – Realidades como a dos países europeus e do Oriente Médio são fielmente retratadas na mídia?
VG – Nem todo jornal da imprensa comercial e patronal é igual. Você tem jornais e revistas que são verdadeiros panfletos do conservadorismo. É o caso de O Globo ou do panfleto da extrema direita que é a revista Veja. Estes são ferramentas da burguesia para moldar a cabeça do seu público. São pura propaganda político-ideológica.
Ao lado disso você tem jornais ou revistas que são feitos para informar o mais fielmente possível os donos do mundo, os executivos, os manda-chuvas. Os patrões e seu Estado Maior precisam de informações fiéis e seguras para saber onde investir seu dinheiro, onde expandir seus negócios. Para isso eles têm veículos mais sérios, cheios de dados e informações. É o caso do jornal Valor Econômico ou da grande revista do capital mundial, The Economist. São instrumentos refinados da burguesia local e mundial.
Se você quiser saber para onde vai a Grécia ou o Egito não adianta procurar no O Globo ou nos jornais-esgoto, como o Expresso ou Meia Hora.
PCB – Como as novas tecnologias podem ser utilizadas pelos grupos revolucionários em sua luta contra-hegemônica?
VG – A batalha da hegemonia não começou hoje. Há dois séculos que nossa classe produz seus jornais operários, sindicais e populares. O que precisamos é continuar esta batalha. No Brasil, os trabalhadores já tiveram dois jornais diários, A Plebe e A hora Social em 1919.
Já em 1946, o PCB possuía oito jornais diários. Um em cada grande capital do país. No Rio de Janeiro tivemos a Tribuna Popular com uma tiragem diária igual a do Correio da Manhã, que na época era o maior jornal do país. E hoje? Estamos longe de fazer nosso dever de casa.
As novas mídias são importantes, são algumas das várias ferramentas, ao lado do velho jornal, das revistas, dos livros, do rádio e da quase “toda-poderosa” TV. Qual é o melhor instrumento?
Para quem quer disputar a hegemonia na sociedade, são todos. Não se trata de ‘ou isso ou aquilo’. Trata-se de isso mais aquilo. Claro, vamos usar páginas na Internet, blogs, Twitter, Facebook, mas sem ilusões.
Com as estatísticas do analfabetismo absoluto e funcional que persistem no nosso país, ainda estamos longe de dispensar livros e jornais. Estamos longe de pensar que grandes massas da população estarão familiarizadas com blogs, facebook e twitter e milagrosamente lendo seus e-books.
Então, com quem usa a mídia eletrônica, blogs nele! Para os outros? Vamos continuar com rádio, jornal, revistas, livros e, sobretudo, lutar para ter redes de televisão democráticas e não capitanias hereditárias como são hoje.
PCB – Então os materiais impressos ainda são insubstituíveis numa porta de fábrica ou sala de aula?
VG – São muito necessários. Não só nas portas de fábrica ou salas de aula, mas nas mãos e bolsos de cada cidadão, cada morador da cidade. É a batalha diária com a nossa mídia contra a mídia deles, dos patrões.
PCB – Que avaliação você faz da trajetória do Núcleo Piratininga de Comunicação?
VG – Já são quase 20 anos durante os quais falamos e ensinamos as mesmas coisas: a necessidade de os trabalhadores construírem suas ferramentas de comunicação para fazerem a disputa de hegemonia na sociedade.
Uma comunicação feita pelos trabalhadores, de acordo com seus interesses de classe. Que seja bem feita, bonita, atrativa, frequentíssima, isto é, diária. E que transmita toda nossa política de classe. Nosso projeto de uma nova sociedade, uma sociedade socialista.
Nisso, como nos ensina Gramsci, um dos dois componentes da hegemonia é o convencimento. O outro é a força. Força da organização sindical, política, partidária e que acaba em leis, instituições, que irão do Exército ao Judiciário. Mas o primeiro passo, para o NPC, é o convencimento. Ou seja, a comunicação.
PCB – Por fim, em seu XIV Congresso, o PCB aprovou a proposta de criação de uma Frente Anticapitalista e Antiimperialista. Qual sua avaliação sobre a proposta?
VG – Acho muito boa a formulação da luta anticapitalista e anti-imperialista. O problema é como convencer, dezenas, centenas, milhares e milhões disso. Esse é o papel da comunicação. Hoje o primeiro passo é levantar bem alto a bandeira da luta anticapitalista, isto é, do socialismo. O socialismo como proposta concreta de organização de outra sociedade completamente diferente da desgraceira que aí está. Pouco se fala disso. Mas sem isso, nossa comunicação acaba sendo o conto da carochinha.
Fonte: Imprensa Popular. Edição Fevereiro de 2012.