46 anos depois: o legado de Abril
por César Príncipe
Milhões intervieram na Libertação de Portugal e do Império. Milhões foram obreiros de um Grande Abril Objetivo e interlocutores de um Imenso Abril Subjetivo. O Objetivo materializado nas transformações legislativas e institucionais, na estatização e cooperativização dos meios agroeconômico-financeiros estruturantes, na dinamização do espírito coletivo e eletivo, na alfabetização das praças, no terminus da guerra colonial, na independência dos Territórios Ultramarinos; o Subjetivo na mobilização do potencial crítico e criativo através de recursos ideológicos, simbólicos e comunicacionais (escrita literária, jornalística e agitpropagandística, canto, pendões, artes cênicas e murais, cartazismo, autocolantes, cartunismo). Abril fabricou durante ano e meio de produção acelerada um Imaginário Portuguese Dream. A Inteligência e a Estética Progressistas ilustraram a Revolução dos Cravos, adicionando a seu contribuição a um dos momentos mais proeminentes, porventura o maior definidor nacional: 1139, 1383, 1640, 1820, 1910, 1974.
Esse Abril foi há 46 anos e já não está na flor da juventude e muito há que cumprir e fazer recumprir de geração em geração, tal foi a exigência do Projeto Emancipador e Fraternizador e tantas foram as adversidades da Obra dos Capitães e do Povo Unido. Empresa cívico-militar inacabada por desavenças no seu seio e insuficiência de aliados face aos dispositivos da conjura interna e externa. Gorada ou enga(vetada) a Via Original para o Socialismo, consolidou-se o modelo liberal burguês, oficializou-se o Trespasse da Soberania e ganhou foros de modernidade o Empreendedorismo das Influências e o Contrato Antissocial. Da parte das alas vencidas e não convencidas, mil vezes se tem juramentado: 25 de Abril Sempre. É um clamor do Fundo da História, o Mito de Eterno Retorno da Vila Morena. E assim se tem recobrado determi(nação) e representificado os Valores das Espingardas e Mãos Floridas. E assim foi avultando o contraste entre os 25: o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975. Um chamou os pobres ao protagonismo. Outro impôs a submissão das plebes. Bastará folhear a CRP: o Golpe Carlucciano congelou uma Parte Nuclear da Constituição, códice humanista sem paralelo na Europa Ocidental do séc. XX. Com óbvia desconfiança do futuro, os constituintes (uns por convicção, outros por mimética circunstancial) acharam prudente salvaguardar as Conquistas Irreversíveis, como se um sistema devorador respeitasse profissões de fé proletária e conquistas civilizacionais. De resto, cindir o Movimento das Forças Armadas e o Movimento Social de Base foi meta ensaiada desde os alvores de Abril por figurantes e organizações personalistas e golpistas (direitistas, reformistas, ultraesquerdistas).
Na verdade, se o Programa do MFA assentou em Três DDD (Democracia, Desenvolvimento, Descolonização), formulário que obteve inicial e pactuado consenso, o perfil do processo foi oscilando entre Três III (Ideais, Ideias, Interesses). Passado um curto período de adulação do vozerio dos desfavorecidos, os ideais de diversas formações foram sendo reduzidos a vagas ideias e as ideias submetidas a tortuosos interesses e estes geridos pelos Proprietários e Capitães da Indústria e da Finança e seus mediadores partidários, parlamentares e governamentais. Não foi por acaso que, na primeira revisão constitucional, o Arco dos Negócios disse ao que vinha: privilegiou a matéria econômica como prioridade das prioridades. A partir daí, este comando constitucional inverteu o alinhamento: os Três Motores do Desenvolvimento (Economia Pública, Cooperativa e Privada) ficaram sob o Primado da Ordem Privada. O Grande Patronato Tradicional, que pragmática ou intimamente fez do Regime Fascista a sua Casa de Pasto e a sua Apólice de Contenção do Mundo do Trabalho e o Grande Patronato Emergente, que gradativamente capturou o regime novembrista, depressa tomaram lugar nas Campanhas das Privatizações, dos Fundos Europeus e das Novas Oportunidades.
Apesar de tudo, o 25 de Abril de regulação constitucional adaptou as trincheiras, acorrendo às emergências econômicas, políticas, sociais e culturais, reeditando e reinventando as consignas das marchas da memória, o animus dos cadernos denunciativos e alternativos. No decurso de 46 anos, as tropas especiais de Abril não deixaram de exercer a cidadania no quotidiano, nos espaços de representação, nas concentrações “ninguém arreda-pé”, no rechaço dos superpredadores e dos seus empre(gados) de banqueteamento e branqueamento. O Corpo Indefectível da Revolução tem igualmente retardado e limitado o contágio neofascista que campeia por Europas e Américas. A Vacina 25 A tem-se revelado o nosso cordão sanitário.
25 de Abril Sempre
Afinal, que saudades guardar da Ditadura? Afinal, o que derrotamos em 25 de Abril de 1974? A Opressão, a Repressão, a Censura, a Exploração, o Subdesenvolvimento, a ausência de Rede de Águas e Esgotos no mundo rural e em áreas urbanas degradadas, o Semianalfabetismo, a Subnutrição Crônica, a Falta de Assistência na Saúde e na Previdência, o Abandono da Terceira Idade, a Tragédia Agônica do Ultramar, o Drama da Emigração a Salto e o Orgulhosamente sós no Concerto das Nações. E quantos presos políticos somou a branda tirania ou autodenominado Estado Novo Salazarensis-Caetanensis? Dezenas de milhares no Continente e nos Arquipélagos dos Açores e da Madeira. Tal número não inclui detidos e abatidos nas Colônias. Os nomes e os números dos independentistas (guerrilheiros, simpatizantes ou próximos) não mereceram registro nos Tombos do Portugal Multirracial. E na verdade, em termos de ausência de direitos, liberdades e garantias, todos os povos penavam em múltiplos degredos, fossem ou não cientes dos motivos da sua condição, da sua sujeição. O País de S & de C foi um exemplo de penitenciária global: os muros estendiam-se do Minho a Timor. E quantas sevícias e quantos assassinatos em cárceres, colônias penais e ou campos da morte lenta, à queima-roupa ou nas três frentes africanas? Só do lado português ou metropolitano, mais de 11.000 caídos. E do lado dos angolanos, moçambicanos, guineenses? Não se cuidou de estatísticas. Eram pretos. E quantos refugiados espanhóis foram acossados como reses e entregues ao paredón franquista? E quantos portugueses sofreram a infâmia, o desterro e o exílio? E quantos foram exonerados da função pública e os expurgados pela esfera privada colaboracionista?
46 Abris são uma bela e robusta prova de vida.
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Revolução dos Cravos: vitória contra o fascismo em Portugal
No dia 25 de abril de 1974 eclodia a Revolução dos Cravos em Portugal, concluindo um longo processo de lutas que foi responsável pela derrubada do regime ditatorial do Estado Novo, de inspiração fascista e vigente desde o ano de 1933, quando ascendeu ao poder Antonio de Oliveira Salazar. O movimento foi liderado por militares descontentes com a guerra colonial portuguesa na África e era composto majoritariamente por capitães, que ficaram conhecidos como os “Capitães de Abril”.
O Partido Comunista Português (PCP), sob a firme liderança de Álvaro Cunhal, teve participação decisiva na luta contra a ditadura, assim como outros grupos socialistas, razão pela qual, logo após a queda do regime autocrático, conquistou-se uma Constituição, aprovada em 25 de abril de 1976, com grande influência das forças democráticas e populares.
Abril, terra da fraternidade!
«Grândola, vila morena» é uma canção do compositor e cantor português Zeca Afonso, que foi escolhida pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) para ser a segunda senha de sinalização para dar início à Revolução dos Cravos, responsável pela derrubada da ditadura fascista em Portugal em 25 de abril de 1974.
José Afonso escreveu a primeira versão do poema “Grândola Vila Morena” após ter sido convidado a participar nos festejos do 52º Aniversário da Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense (SMFOG) em 17 maio de 1964 e ter ficado impressionado com o ambiente fraterno e solidário desta sociedade alentejana.
À meia noite e vinte minutos e dezoito segundos do dia 25 de abril de 1974, a canção foi transmitida pelo programa independente Limite através da Rádio Renascença, como sinal para confirmar o início da revolução.
Grândola Vila-Morena
Zeca Afonso
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade