A hora da verdade
Denúncias existentes nos arquivos das auditorias militares, nos dossiês levantados por organismos de defesa dos direitos humanos, nos bancos de dados dos jornais e em provas testemunhais não deixam dúvidas quanto a violações graves dos direitos humanos & assassinatos, torturas, “desaparecimentos“ de opositores e de pessoas ligadas a estes (apenas por parentesco, laços de amizade ou atividade profissional), praticadas por agentes do Estado, nesse período, sem que tenha sido possível, até agora, esclarecê-las, mesmo após a reconstituição do Estado Democrático de Direito.
Ora, esse fato tem impedido que a sociedade brasileira cicatrize suas feridas e possa, finalmente, olhar para frente. Isso nunca poderá ocorrer, sem a satisfação a tantas famílias vitimadas, que têm o direito de saber o que ocorreu com os seus entes queridos. Só a verdade poderá proporcionar a criação desse clima almejado por todos. Foi pensando nisso que o governo teve a lucidez e o senso de justiça, de aceitar a proposta da Conferência Nacional de Direitos Humanos, depois de recolhidas as sugestões das conferências regionais, durante vários meses, colocando como um dos itens da terceira versão do PNDH a criação de uma Comissão da Verdade (como tinha sido cobrado, aliás, pela ONU e a OEA) para realizar essa tarefa.
Bastou esse anúncio para o mundo vir abaixo: desencadeou-se uma campanha desinformativa, na base de informações falsas. Em primeiro lugar, a Comissão é apenas de esclarecimento dos fatos, não de punição de possíveis responsáveis (só o Judiciário poderia fazer isso, se assim o entendesse). Em segundo lugar, não visa à revogação da Lei da Anistia. Na verdade, ninguém no governo tem essa proposta. O que está em curso, por iniciativa do Conselho Federal da OAB é uma interpelação ao STF para que defina a interpretação da Lei da Anistia e sua abrangência (que a OAB entende não beneficiar os agentes do Estado que praticaram crimes de lesa-humanidade). Fora disso, o que há é o velho artifício de se criar uma crise artificial para mais uma vez tentar sonegar essas informações. Contudo, a sociedade brasileira já está muito amadurecida para continuar a cair nesse engodo.
*Mário Albuquerque – Presidente da Associação 64/68 Anistia e membro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
Fonte: http://opovo.uol.com.br/opovo/opiniao/944493.html