SOCIALIZAÇÃO DO TRABALHO DOMÉSTICO
UMA POLÍTICA DE COMBATE AO DESEMPREGO
Por Nathália Mozer – dirigente estadual do PCB no Rio de Janeiro e candidata a deputada estadual.
O trabalho que acontece no ambiente doméstico ainda hoje é qualificado como função feminina. Alguns séculos atrás essa atividade não era nem considerada trabalho, e isso porque este é um trabalho invisível e, de certa forma, só se nota a importância quando não é feito – casa, louça e roupa suja, comida que não foi feita, etc… Dentro da sociedade capitalista acaba sendo um trabalho alienante e improdutivo, uma vez que não agrega valor a nenhum produto. Historicamente é um trabalho visto como naturalmente feminino, como se mulheres tivessem nascido pra ocupar essa função.
A partir da maior inserção da mulher no mercado de trabalho, as mulheres passam a ocupar espaços que antes eram majoritariamente “masculinos”, tiveram que começar a conciliar trabalho formal com o doméstico e cuidado com a família. A relação que limita a mulher ao ambiente privado passa a ser questionada pelas feministas e também, a partir do momento que as mulheres passam a compor a parte mais explorada da classe trabalhadora, elas começam a se identificar com as pautas de lutas operárias. Nesse sentido passa a ficar mais evidente o caráter de várias faces da exploração da mulher na sua dupla jornada de trabalho.
É importante pontuar que a exploração da mulher através do trabalho doméstico é uma espécie de caricatura da exploração do trabalhador pelo burguês. Dentro de uma sociedade capitalista esse trabalho doméstico é fundamental para a produção e reprodução da força de trabalho. Por um lado, a mulher tem menos tempo livre e seu lugar no mercado de trabalho rebaixado; por outro, o homem tem mais tempo pra ser explorado, e o patrão se isenta de arcar com os custos integrais da reprodução dessa força de trabalho.
Marx e Engels se debruçaram pouco sobre essa questão, porém teóricos soviéticos foram muito importantes na formulação – e na prática – de soluções para tais problemas. Durante o século XX, na URSS, os bolcheviques buscaram transferir o trabalho doméstico, até então visto como uma questão da vida privada, para a esfera pública, colocando o Estado como principal responsável pela manutenção das forças produtivas. Naquele contexto, o trabalho doméstico passa a ser considerado necessário socialmente e equiparável ao trabalho produtivo. Pela primeira vez na história a possibilidade concreta de emancipação da mulher ganha materialidade e traz à luz a possibilidade de aliar luta revolucionária com as demandas das trabalhadoras – ainda que com defeitos.
A mulher trabalhadora sofre diariamente diversos tipos de opressão na sociedade capitalista e patriarcal. Nesse contexto se torna necessária uma reflexão sobre a questão da socialização do trabalho doméstico e o caráter que essa pauta histórica adquire nesse momento da conjuntura no Brasil.
Nos últimos anos vivemos uma espécie de ascenso do movimento feminista no Brasil. Não dá pra falar de organização contra o governo Bolsonaro, sem citar a importância do movimento feminista na articulação dessa resistência. Lembremos as diversas manifestações pelo país convocadas por diversos movimentos e organizações feministas -“Ele não” – antes do trágico resultado eleitoral de 2018. Organizar as trabalhadoras, bem como travar a batalha pela melhora em sua condição de vida se faz cada vez mais urgente e necessário, ainda nos marcos do capitalismo.
O aprofundamento da crise econômica no Brasil e no mundo, somado à política da fome, de desemprego e de morte, torna a vida dos trabalhadores cada vez pior. O desemprego bate recordes no país, e os trabalhadores são obrigados a buscar trabalhos informais, sem direitos e com salários baixíssimos, como meio de sobrevivência. E aqui especialmente as mulheres negras.
Nessa conjuntura adversa, o processo de socialização do trabalho doméstico adquire um caráter não somente de melhora nas condições de vida da mulher, mas também um caráter econômico enquanto política concreta de combate ao desemprego. Nesse momento urge a necessidade de um projeto que inclua não só o avanço da melhora das condições de vida das trabalhadoras, mas também e sobretudo a criação de postos formais de trabalho.
A criação de estrutura para acolhimento e cuidado das crianças, restaurantes e lavanderias coletivas – a socialização do trabalho doméstico – possuiu um efeito tanto econômico quanto político. E não só no aspecto de melhora das condições das trabalhadoras, mas também no sentido de avanço da organização dessas mulheres, algo central para nós enquanto comunistas.
Infelizmente ainda é bastante comum nas organizações de esquerda, coletivos e sindicatos, por exemplo, que mulheres tenham que se afastar da militância política devido à dificuldade de conciliar trabalho formal, doméstico e os mais diversos cuidados com o núcleo familiar. Ou ainda mulheres que não se veem representadas nas organizações revolucionárias. Apesar de alguns poucos avanços nos últimos anos, ainda há muito trabalho político a ser feito.
Alexandra Kollontai diz, em um de seus escritos, que “todo o direito que as mulheres ganham traz-lhe mais perto do objetivo conjunto de emancipação total”*. É óbvio e evidente que a sociedade capitalista inviabiliza a emancipação completa da trabalhadora, uma vez que necessita do patriarcado como forma de controle ideológico. Porém, é importante que nós, revolucionários, apontemos que existem formas de melhoria dessas condições, ainda nos marcos do capitalismo.
A renúncia ao trabalho doméstico não basta. Nossa luta é pelo fim da exploração da nossa classe. Para tal, é importante a participação em peso nos sindicatos, movimentos sociais, de bairro e estudantis, expondo as contradições do sistema capitalista na vida das mulheres trabalhadoras e pautando a firme independência de classe!
Pela emancipação das mulheres!
Pela socialização do trabalho doméstico!
Pelo Poder Popular!
*Os Fundamentos Sociais da Questão Feminina[Extratos] – Alexandra Kollontai, 1907.