Nota da UJC sobre a 13ª Bienal da UNE

NOTA POLÍTICA DA UNIÃO DA JUVENTUDE COMUNISTA ACERCA DA 13ª BIENAL DA UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES

Diante da proximidade da realização da 13ª Bienal da União Nacional dos Estudantes (UNE), a União da Juventude Comunista (UJC) vem, por meio desta nota, apresentar publicamente sua perspectiva para o movimento cultural de juventude e suas críticas ao processo de construção da Bienal, por entender que ele não será capaz de cumprir com as demandas da conjuntura em fortalecer a organização estudantil, de massificar a UNE, de garantir melhores condições para a juventude trabalhadora da cultura e de incentivar a produção da cultura popular.

É impossível compreender a história do Brasil sem nos debruçarmos na cultura e na arte daqueles que deram sangue e suor na construção desse país, isto é, os povos originários, os trabalhadores que foram escravizados e que lutaram por sua liberdade, e os imigrantes que se espalharam pelas fábricas das novas cidades. Historicamente, temos uma produção artística gigantesca, com uma variedade que só um país continental como o Brasil poderia ter. De norte a sul, no país inteiro, é possível ver como as características de um povo são diferentes, mas com paixões comuns em expressões culturais como futebol, os bailes de paredão, as festas populares e o carnaval. Diante disso, fazem parte da história brasileira uma série de artistas e produções culturais que tomaram conta do imaginário popular, mas também fizeram mudanças significativas para encurtar o distanciamento dos recursos para produção de cultura para o povo. Desde as escolas de samba lideradas por Candeia, o Teatro Experimental do Negro de Abdias do Nascimento ou o Teatro Popular Brasileiro de Solano Trindade, a Semana de Arte Moderna impulsionada por Tarsila do Amaral, a literatura política de Jorge Amado, não faltam exemplos que mostram o quão importante se faz para um país como nosso a arte e a cultura voltadas paras os interesses da nossa classe.

De todo modo, desde 2016, após o golpe jurídico e parlamentar – com intuito de aprofundar as políticas neoliberais já iniciadas nos governos petistas -, tivemos um retrocesso gigantesco no que diz respeito à política nacional para cultura. O governo de ultradireita de Bolsonaro, assim como o movimento fascista em outros momentos históricos, confrontou diretamente a cultura. Ao transformar o Ministério da Cultura em uma secretaria vinculada ao Ministério do Turismo, deu toda a tônica de como as políticas para cultura seriam tocadas nesses próximos quatro anos. A pandemia contribuiu para o projeto daqueles que buscavam enfraquecer ainda mais a cultura, uma vez que o setor foi duramente afetado pela impossibilidade de aglomerações. A vida dos trabalhadores da cultura não poderia ser pior. Sem investimento direto na área da cultura, vivemos cada vez mais a pressão meritocrática representada pelos editais. Apesar de, na pandemia, surgirem duas leis de incentivo que garantiram uma sobrevida aos trabalhadores e produtores culturais (lei Aldir Blanc e lei Paulo Gustavo), ainda assim a hegemonia da lógica de editais prevalece em detrimento a políticas de investimento direto.

Nesse sentido, urge aos movimentos culturais, na atual conjuntura, uma reflexão contundente sobre essa forma ainda hegemônica de investimento na área de cultura. Os editais privilegiam aqueles grupos que historicamente têm acesso a recursos e informações por questões de classe. As políticas culturais de editais são uma forma para captar recursos que hoje garantem mais isenções fiscais para grandes empresas. Não existem políticas que garantem uma massificação do acesso aos recursos e equipamentos de cultura para artistas e produtores de recortes sociais e geográficos historicamente esquecidos. A Bienal é um espaço fundamental para estarmos debatendo de forma contundente qual a política cultural que os estudantes querem para a UNE nos próximos anos. Queremos apenas reproduzir a lógica empresarial da cultura nos nossos espaços de fomento? Ou queremos voltar a ser a UNE que foi referência na produção popular de cultura com os Centros Populares de Cultura – CPCs?

Além disso, em sua convocatória, a direção majoritária da UNE, apresenta:

É necessário que voltemos ao princípio ativo das Bienais. Promover uma verdadeira investigação da identidade nacional da juventude brasileira, o tradicional palco de tendências teóricas, científicas e estéticas que de dois em dois anos a UNE se dispõe a montar, partindo dos desdobramentos, produções e plataformas de expressão que essas juventudes criam e utilizam para se relacionar e traduzir o mundo em que vivem, mas desta vez reformulado. (…) a realização da 13ª edição da Bienal da UNE chega com o compromisso de instigar a construção de um Programa de Reconstrução para o Brasil.

Porém, em nenhum momento do documento existe uma análise sobre as reais condições do jovem artista e produtor brasileiro hoje. Não há menção aos desafios que a juventude trabalhadora da cultura terá que enfrentar, joga nas costas da construção “de um novo ciclo”, mas se furta a apresentar inicialmente sua leitura sobre, por exemplo, a “MEIficação” do trabalho de cultura. Se furta a apresentar uma discussão sobre a jornada de trabalho que na maioria das vezes é dupla ou tripla para aqueles que querem viver da sua arte. Evidente que temos desafios de restaurar tudo que o bolsonarismo deixou destruído, porém é fundamental que, se queremos construir um “Programa de Reconstrução para o Brasil” e que a cultura seja uma dessas bases, é fundamental apresentar também um horizonte de melhorias nas condições de trabalho da juventude, e não incentivar a reprodução da lógica de mercado nos espaços da UNE, diferenciando artistas pela sua expressão no mercado.

Desde que a UJC retornou à diretoria da UNE, em 2017, percebemos que as principais deliberações são feitas através das forças políticas que são maioria na entidade, sem utilizar de métodos democráticos e coletivos de fortalecimento da própria entidade. Sempre buscamos debater a ampliação e democratização dos fóruns da UNE e de suas estruturas, como o Circuito Universitário de Cultura e Arte, o CUCA da UNE.

Com a indicação da realização da Bienal, buscamos debater coletivamente, nas reuniões da Diretoria Executiva, a necessidade de fortalecer esse espaço enquanto uma ferramenta política essencial para aproximação da UNE com a juventude, inclusive a que não está na universidade, através da cultura popular que se realiza organicamente nos bairros e territórios. Como esperado, o que vimos foi a centralização da organização do evento na força política que dirige a entidade, a UJS.

Ademais, a própria construção colaborativa da Bienal junto às demais entidades do movimento estudantil – como a UBES e a ANPG – é artificializada, não tornando-se um esforço real para que o debate sobre a educação, a cultura e a Universidade Popular possam reverberar no conjunto das organizações de estudantes e pesquisadores de nossas instituições.
Em outros momentos da história, vimos que a vinculação do movimento estudantil com a cultura popular foi essencial para criar referência entre setores da classe trabalhadora que são excluídos dos espaços de educação formal e desenvolver importantes trabalhos de mobilização por reivindicações da classe trabalhadora junto a esses setores. Nos anos 60, por exemplo, a UNE foi responsável pela criação dos CPCs que foram e são movimento de referência na América Latina. Esses eram responsáveis por interiorizar no Brasil o debate sobre cultura e formar lutadores populares, como Vianinha, que através da arte apontavam as contradições capitalistas e avançava na organização da classe trabalhadora.

No atual momento do Brasil, com a fragmentação da luta política e baixa capacidade de mobilização das entidades estudantis e sindicais, retomar esse trabalho é um papel que a entidade pode cumprir. Se o bolsonarismo e o fascismo representaram uma política oposta à cultura popular, é necessário construí-la também enquanto alternativa para a luta, uma vez que a institucionalidade não vai fazer isso e, muito menos, lutar contra o golpismo de forma eficiente.

Visto a nossa responsabilidade histórica, observamos com muita clareza que apenas a UJC preza pela politização da Bienal e fortalecimento do CUCA enquanto instrumento cultural da UNE. Outras organizações da oposição da entidade até se posicionam em favor da qualificação. Mas, no final, esse interesse em politização se resume em conquistar vagas dentro do modelo imposto pela UJS, a direção da entidade. Esta, por sua vez, não possui disposição em ampliar a participação na construção do evento, de forma mais ampla.

Além disso, prejudicando ainda mais os esforços pela ampliação do evento e sua popularização, está o valor das inscrições para o evento: de R$125 a R$225. Cotistas, prounistas e beneficiários do Fies possuem direito a um desconto de apenas R$25. Mesmo com esse valor exorbitante para um evento do movimento estudantil, a inscrição só dá direito ao certificado de participação, ao alojamento (que normalmente é extremamente precário) e o translado entre alojamento e evento, ou seja, não inclui sequer a alimentação do estudante.

Defendemos uma UNE mais democrática, construída de forma ampla pelas organizações políticas que a constroem e foram democraticamente eleitas em seu último congresso. Uma entidade estudantil histórica como a UNE, principalmente na conjuntura que vivemos, onde a ameaça fascista segue atuante, possui o dever de ser referência na luta estudantil, abarcando a diversidade política da esquerda brasileira. A unidade, tão pautada nos últimos anos, inclusive pelos setores da social democracia que dirigem a entidade, não deveria ser apenas uma forma de justificar a aproximação com a direita tradicional, mas uma ferramenta para a ação conjunta em prol dos interesses da juventude brasileira.

Por uma UNE combativa e democrática! Por uma Universidade Popular!

Coordenação Nacional da UJC