As omissões do governo burgo-petista: o que fazer?

Brasília (DF), 07/11/2023 – O vice-presidente Geraldo Alckmin, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a abertura do 6º Brasil Investment Forum (BIF 2023), no Palácio Itamaraty. O evento reúne ministros e representantes do setor empresarial para discutir as oportunidades no Brasil para investidores estrangeiros. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Milton Pinheiro – Membro do Comitê Central do PCB e editor do jornal O Momento

Jornal O MOMENTO – PCB da Bahia

Está se concluindo o primeiro ano do governo de união nacional, dominado pela coalizão burgo-petista e gerenciado pelo presidente Lula. Quais foram as principais questões que pautaram a lógica política desse governo e o que foi apresentado como inflexão para que se possa romper com a estrutura montada pela extrema-direita no aparato de Estado, a partir do golpe efetuado por dentro das instituições que se consolidou com a liderança do agitador fascista Jair Bolsonaro?

É importante o registro histórico de que o ambiente das liberdades democráticas teve um importante processo de oxigenação a partir das eleições de 2022. Abriu-se um cenário político de maior possibilidade para a presença das reivindicações sociais, sem a anterior rotina da criminalização que sufocava as lutas proletárias e populares durante o governo da direita. Portanto, para a luta da classe trabalhadora, temos hoje uma cena política menos cercada pela dominação e coerção estatal.

No entanto, voltamos ao horizonte do projeto da coalizão burgo-petista, que não consegue nem mesmo estabelecer limites para as frações burguesas e paulatinamente o governo é capturado pelo novo bloco no poder. A liderança dúbia do presidente Lula acena de forma frequente para composições que geram políticas públicas fracas e diminutas e não tem demonstrado interesse em reagir ao programa que coloca na ordem do dia a pauta do sistema do capital.

Tais fatos ocorridos na órbita dessa coalizão demonstram que o governo mantém uma relação política com segmentos do Centrão, que, mesmo sendo fisiológica, não consegue se fortalecer no balcão de negócios do parlamento brasileiro para abrir novas perspectivas para sua governança. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, executa sua liderança retrógrada e conservadora como se tivesse a função de primeiro-ministro.

Esse quadro político-institucional, identificado no primeiro ano do governo, nos alerta e permite entender que os compromissos de campanha do atual presidente estão sendo solenemente colocados para fora dos interesses da ação do Lula e seu projeto de governo. A revogação da contrarreforma trabalhista, o exame das contrarreformas previdenciárias, a revogação da reforma do ensino médio, etc. não têm nenhuma repercussão política dentro do governo. Até mesmo o fantasma da PEC 32 (reforma administrativa), que retroage o Estado para o papel que ele tinha na primeira República, não é contestada pelo governo.

Mesmo com essa correlação de forças no ambiente político, os pressupostos da mediação do governo com a classe trabalhadora e as massas populares inexistem. O governo inverte o sentido e reafirma questões que articulam a sociabilidade da ordem capitalista e, em alguns pontos fundamentais como a reforma agrária, demonstra incapacidade de apresentar qualquer política que possibilite terra para quem nela trabalha. Portanto, em linhas gerais, nenhuma perspectiva de relação direta com o campo proletário e popular para enfrentar a direita e operar transformações necessárias, mesmo que sejam ainda no horizonte de medidas social-democráticas.

Com essa lógica de governabilidade, a razão neoliberal ganha força na coalizão burgo-petista. O ministro da fazenda, contumaz fermentador do modelo fiscal que interessa à burguesia interna, rasteja ao lado do que tem de pior no parlamento e na representação das diversas frações burguesas. A articulação política do governo age tão somente na dimensão do controle fisiológico dos votos nas duas casas do parlamento. A comunicação do governo é um desarranjo verbal e não consegue dialogar com nenhum segmento social.

Partindo desse modelo de governo e operando como força motora no campo do neoliberalismo, mas permitindo alguns pequenos benefícios sociais de alcance focalizado, mesmo quando temos no orçamento do Estado brasileiro um investimento de 53 bilhões para o programa bolsa família e um gasto de 790 bilhões em remuneração de juros com a dívida pública, Lula e sua coalizão fazem uma inflexão para sinalizar positivamente ao mercado.

O governo agiu para aprovar a nova lei do teto de gastos (arcabouço fiscal), fez uma reforma tributária que simplifica o processo, mas não ataca as grandes fortunas, nem os dividendos e constitucionaliza a lei Kandir para garantir privilégios ao agronegócio. Ao lado dessa vitória do chamado mercado, ou a mão “invisível” da burguesia, o governo não alterou nada de substancial na política do salário mínimo, muito menos na estrutura do Estado brasileiro, para que se permitisse um avanço significativo na prestação de serviços sociais para o povo brasileiro. Além disso, não construiu qualquer ação/legislação no sentido de coibir o papel das polícias que hoje agem de forma extremamente violenta contra populações negras e pobres das mais diversas periferias.

Em uma quadra histórica marcada pela crise da ordem do capital e de avanço da contrarrevolução, devemos observar com bastante maturação as lições que vêm da Argentina. Afinal, quando a crise econômica e social se estabelece e a social-democracia vira algoz da classe trabalhadora, a direita cresce e vence. Esse fenômeno está marcando decisivamente eleições na Europa e na América Latina. Por outro lado, devemos analisar por que diante dessa crise as massas populares veem na direita e extrema-direita uma saída, mesmo que seja de forma momentânea?

As duas questões levantadas nos permitem uma análise inicial, já que no escopo desse texto não temos como desenvolver de forma mais profunda. Primeiro, a social-democracia, nas suas variadas vertentes, já capitulou diante do neoliberalismo e da razão fiscal que coloca o fundo público a serviço das diversas frações burguesas. Portanto, é muito difícil empurrar os governos sociais-democratas para uma posição de enfrentamento à lógica do capital. Sendo assim, a esquerda não pode agir como linha auxiliar dessa política, não tendo uma ação concreta de independência de classe. Segundo, a esquerda em geral não consegue ter discernimento teórico-prático e ação concreta para não ser identificada como parte integrante desses governos.

A pluralidade de segmentos na esquerda ainda não conseguiu ter originalidade em sua ação. A esquerda da ordem é linha auxiliar no Brasil, do governo de união nacional do Lula, não agindo de forma concreta para que, em sua ação, possa evidenciar a independência de classe. É chocante que essa parcela da esquerda tenha como principal bandeira a luta pela prisão de Bolsonaro. Talvez caiba aqui a frase de um grande revolucionário do século XX: “Aquele que capitula diante do fato consumado não é capaz de enfrentar o futuro” (Trotsky). Essa esquerda está paralisada e termina por fortalecer o apassivamento das massas.

Contudo, no campo da esquerda revolucionária, mesmo operando no rumo da independência de classe, não consegue avançar para firmar uma unidade de ação e um programa mínimo que consiga movimentar o Bloco Revolucionário do Proletariado. A luta desse campo passa por superar também a autoproclamação, o isolacionismo esquerdista, o vanguardismo virtual que age de fora da luta de classes, o fracionismo, etc.

O eixo central dessa frente única classista e revolucionária deve ser operado a partir da luta pela reorganização da classe trabalhadora, no enfrentamento político-ideológico à extrema-direita e ao fascismo, na organização de milhares de comitês populares pelo Brasil, em campanhas nacionais por atos revogatórios das contrarreformas, pela construção dos espaços de Poder Popular como relação de duplo poder, na perspectiva da transição socialista.

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