O amor morava aqui e foi destruído pela Braskem

Editorial A Voz do Povo

Por Rikartiany Cardoso¹

Essa é uma das frases mais tristes, impactantes e que denuncia um dos maiores desastres socioambientais e minerais do mundo, em curso em Maceió-Alagoas. Os últimos 5 anos tem sido bárbaros para os maceioenses, que entram para o mapa de conflitos minerais em 2020, somando-se a mais um exemplo da genealogia dos desastres nas américas dos povos originários: a mineração.

Desde a sua instalação, durante a ditadura empresarial-militar, na década de 70 que a Braskem SA (antiga Salgema) sempre ocasionou “acidentes” laborais, crimes socioambientais e deslocamentos forçados, portanto, não existe nada de novo nesse histórico de destruição. Após abalos sísmicos em 2018 e percepção coletiva do problema estrutural que atravessa a capital alagoana, estudos foram iniciados pela defesa civil e a CPRM buscando entender a causa dessa subsidência e instabilidade do solo. Em 2019, após profundas análises, restou evidente que a responsabilidade dessa situação vinha da mineração irresponsável e predatória da Braskem, que não respeitava regras ambientais, diâmetro e distância entre as minas.

Mesmo nesse contexto, nada foi feito, investigado ou responsabilizado em nenhuma esfera, chegando ao ápice que é o deslocamento forçado de mais de 60 mil pessoas diretas na terra de Dandara e Zumbi, sem contabilizar imóveis, empreendimentos e impactados indiretos, além dos milhares na borda de ilhamento socioeconômico. É um crime de proporções ilimitadas e ainda em curso! Ou seja…em contínuo crescimento e sem indenização justa, célere e democrática.

Enquanto as ações da Braskem multiplicam as vítimas, as omissões do Estado, por meio do governo do estado, da prefeitura e dos órgãos do judiciário triplicam esses números. Acordos que não indenizam nem compensam danos materiais e morais; decisões autoritárias e persecutórias aos moradores e lideranças; destinação inapropriada das áreas agora pertencentes a mineradora, fruto desse negócio de sucesso imobiliário; falhas na preservação do patrimônio material e imaterial das áreas impactadas; ecossistemas destruídos e irrecuperáveis; violação de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário, a exemplo do direito à moradia digna, ambiente equilibrado e a justa indenização.

Só no último mês 5 abalos e tremores foram sentidos, e na última semana de novembro fora constatado a iminência do colapso da mina de salgema nº 18 (de 35), o que indicava a necessidade de deslocamento imediato dos moradores da região próxima a mina, nos bairros do Mutange e Bom Parto, implicando em mais vítimas diretas e aumentando a borda de ilhamento socioeconômico do entorno. Na última quarta-feira (29\11\2023) dezenas de pessoas saíram de seus lares, forçadas pelo crime da Braskem, para escolas públicas da capital, não só os deslocados ambientais impactados, como os alunos dessas escolas. Na última quinta-feira (30\11\2023), as previsões de horários quanto ao colapso da mina 18 compõem um relógio de horror para moradores das áreas e regiões próximas, além da desorganização urbana na capital alagoana.

O sururu vem desaparecendo da lagoa mundaú, as áreas de maior vulnerabilidade sendo atravessadas pelo racismo ambiental tão utilizado pelo capital mineral e o prefeito JHC (PL) assinando acordo que isenta a mineradora (acordo global, assinado em set\2023) de quaisquer danos a capital alagoana.

Aquilo que a Braskem tentou cobrir, desvelado a luz do dia pela natureza adoecida e a população revoltada, todas as veias perfuradas e destruídas no solo alagoano sangram e expõem a miséria que é a mineração no sistema capitalista, onde o lucro é colocado acima da vida. Só a população, trabalhadores e trabalhadoras organizados podem parar essa sangria!

¹ Mestranda em Direitos Humanos (UFPE). Bacharel em Direito. Militante do MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração) e PCB (Partido Comunista Brasileiro). Autora do capítulo “Mineração e Direitos Humanos: Uma análise sobre a genealogia dos Desastres” no livro Temas de Crítica ao Direito – Vol 2 (EdUFAL), além de diversos outros capítulos e artigos sobre os impactos da mineração.