Cuba: o suicídio de um “dissidente”

A nota mostra que o suposto “prisioneiro de consciência” não o era; por isso nunca figurou na lista dos “presos políticos”, elaborado pela já dissolvida Comissão de Direitos Humanos da ONU em 2003, substituída por causa de sérios vícios e de sua manifesta arbitrariedade à serviço dos interesses dos Estados Unidos pelo Conselho de Direitos Humanos. Como pode um “prisioneiro de consciência”, cuja identificação com o projeto político levou-o a imolar-se para não trair suas ideias, teria passado despercebido pelo olhar atento da Comissão?

A resposta é simples: Zapata Tamayo, diz-nos Ubieta Gómez, era um preso comum cujos problemas com a justiça começaram em 1988, ou seja, quinze anos antes da confecção da famosos lista. Em sua longa carreira delinquente, foi processado por “violação de domicílio” (1993), “lesões menos graves” (2000), “fraude” (2000), “lesão corporal e posse de arma branca” (2000: lesão e fratura do crânio de uma vítima com um facão), “conduta desordeira” e “desordem pública” (2002), entre outras causas que, como pode ser observado, não tem nada a ver com protesto político e sim com crimes comuns. Em uma demonstração de generosidade, a justiça cubana considerou que Zapata Tamayo fosse libertado sob fiança em 9 de março de 2003. No entanto, poucos dias após, reincidiria em seus crimes, e foi preso e condenado a três anos de prisão. No entanto, sua sentença foi prorrogada por causa de seu comportamento agressivo na prisão. E é neste quadro que se produz sua milagrosa metamorfose: o meliante preso várias vezes por ter cometido inúmeros crimes, torna-se um ardente cidadão que decidiu dedicar sua vida à promoção da “liberdade” e da “democracia” em Cuba. Astutamente recrutado por setores da “dissidência política” cubana, sempre disposta a buscar um mártir nas suas magras fileiras, o impulsionou irresponsavelmente e com total desrespeito a sua pessoa, a realizar uma greve de fome até o fim, em troca de promessas desconhecidas ou contra-partidas de todo tipo que, certamente, o tempo em breve esclarecerá.

O caso desta vítima é instrutivo sobre o caráter moral de quem luta para alcançar a “mudança de regime” em Cuba; também a estatura moral dos meios de comunicação como El País e outros similares, que põem seu imenso poder midiático, formador e deformador de consciências, a serviço das mais ignóbeis causas. Nada dizem, por exemplo, que a desgraçada vida do suicida foi vilmente manipulada pela “dissidência” e seus chefes, que pretendem passar como um “prisioneiro de consciência” quem nada mais foi do que um delinquente comum. Também ocultam que a sequiosa “dissidência política” é, de fato, algo muito diferente: o Cavalo de Tróia da desejada restauração da dominação imperialista em Cuba. “Dissidentes” são chamados aqueles que foram filmados enquanto recebiam grandes somas de dinheiro na Seção de Interesses dos Estados Unidos em Havana para financiar suas atividades subversivas contra a constituição e as leis da República. Ou seja, para trabalhar conjuntamente com o governo de um país que há meio século declarou guerra contra Cuba, que mantém um criminoso bloqueio contra a ilha unanimemente condenado pela comunidade internacional e que fez mais de inúmeras tentativas de assassinar o líder da revolução cubana. Como Washington reagiria se hoje surpreendesse um grupo de cidadãos recebendo quantias generosas de dinheiro, equipamentos de comunicação e conselhos práticos sobre como derrubar o governo dos EUA na embaixada afegã em Washington? Haveria considerado o El País a esses subversivos como “dissidentes políticos” ou como traidores de sua pátria? Além disso, ao contrário do que aconteceu com os mercenários cubanos, é mais provável que os estadunidenses seriam imediatamente executados, acusados do infame crime de traição à pátria por sua flagrante colaboração com uma potência agressora. Por muito menos do que isso, a “democracia norte-americana” enviou para a cadeira elétrica o casal Julius e Ethel Rosenberg em 1953, em um julgamento (como o agora perpetrado contra os “5”) que foi uma verdadeira caricatura da justiça. Porém, nada disso acontece em Cuba. E nada disso é informado à opinião pública mundial. Não há prisões secretas na ilha, nem a legalização da tortura, ou a transferência de prisioneiros para serem torturados em terceiros países, nem desaparecidos, nem voos ilegais ou detenções arbitrárias, sem prazos ou julgamentos, e tantas outras práticas que são rotineiramente executadas nas masmorras estadunidenses, e que são sistematicamente escondidas e silenciadas pela “imprensa séria”, cuja suposta missão é informar. Para a imprensa do império, como o El País, tudo isso são pormenores sem importância. Negócios são negócios, e se há necessidade de mentir, se mente uma e cem vezes, com a certeza que outorga a impunidade que lhe foi concedida pelo desamparo, credulidade ou apatia dos seus leitores, letárgicos pela propaganda e cuidadosamente desinformados e brutalizados pela grande mídia Em uma passagem brilhante d’O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte, Marx disse que, diante de sua orfandade, a contra-revolução bonapartista extraia seus quadros e heróis do lumpenproletariado de Paris. O mesmo acontece hoje com os auto-proclamados campeões da liberdade e da democracia em Cuba e seus amigos na “imprensa séria” internacional. Por isso, se é necessário dizer que Barrabás é Jesus, se diz. E se há que dizer que Zapata Tamayo era um “prisioneiro de consciência”, também se diz, e fim de papo.

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