Todos os lugares em Gaza são alvos de Israel

Vijay Prashad

Os Estados Unidos, apesar de declarações ocasionais sobre a retenção de armas, armaram Israel de forma consistente durante esta guerra genocida. Desde 1948, forneceram 130 bilhões de dólares americanos em armas para Israel.

É quase como se o exército israelense estivesse tentando reunir o máximo possível de palestinos num só lugar para os matar a todos. Ahmed Abed e a sua família fugiram da escola Dalal al-Maghribi no início de agosto, depois de um ataque aéreo israelense os ter desalojado. Esse ataque aéreo matou 15 palestinianos que se tinham refugiado na escola depois de Israel ter bombardeado as suas casas no bairro de Ash Shujaiyeh, na cidade de Gaza.

A família chegou à escola al-Taba’een, uma escola privada com uma mesquita anexa, que abrigava 2500 pessoas. Desde que os israelenses iniciaram o mais recente bombardeio de Gaza, em Outubro de 2023, os palestinos refugiaram-se em escolas particulares e em escolas geridas pela Organização das Nações Unidas (ONU). A ONU informa que, na Faixa de Gaza, os ataques israelenses danificaram 190 das suas instalações, na sua maioria escolas. Restam poucos santuários em Gaza. Essas escolas — sejam particulares ou da ONU — são os únicos sítios considerados como relativamente seguros.

Às 4h30 da manhã do dia 10 de agosto, caças israelenses sobrevoaram a cidade de Gaza e lançaram bombas GBU-39 de 250 libras, de fabricação estadunidense, na escola e mesquita de al-Taba’een. Durante esse tempo, um grande número de habitantes alinhou-se na mesquita para ir ao Fajr ou à oração da madrugada. As bombas atingiram as pessoas perto da mesquita, matando pelo menos 100 palestinos. É um massacre grotesco que ocorreu precisamente quando os Estados Unidos decidiram rearmar Israel com este tipo de armas. Sarah Leah Whitson, ex-diretora da divisão do Oriente Médio e Norte de África da Human Rights Watch, escreveu que a venda de armas a Israel pelos Estados Unidos no dia do bombardeio demonstraram um «condicionamento pavloviano para um exército selvagem».

Os Estados Unidos, apesar de declarações ocasionais sobre a retenção de armas, armaram Israel de forma consistente durante esta guerra genocida. Desde 1948, os Estados Unidos forneceram 130 bilhões de dólares americanos em armas para Israel. Entre 2018 e 2022, 79% de todas as armas vendidas a Israel vieram dos Estados Unidos (a seguir foi a Alemanha, que forneceu 20% das importações de armas de Israel). As vendas de armas dos EUA foram efetuadas em lotes deliberadamente pequenos, inferiores a 25 milhões de dólares por venda, de modo a não exigirem o controle do Congresso dos EUA e, por conseguinte, o debate público.

De outubro de 2023 a março deste ano, os EUA aprovaram 100 dessas pequenas vendas, que somam mais de um bilhão de dólares americanos em vendas de armas, incluindo a GBU-39. É importante saber que a bomba, criada nos Estados Unidos, provavelmente foi carregada num caça israelense por um técnico estadunidense destacado para as bases israelienses.

Um padrão de orientação para as escolas
Mahmoud Basal, o porta-voz da unidade de defesa civil de Gaza, disse que os médicos que chegaram ao local na escola al-Taba’een, muitos deles já veteranos desse tipo de violência, ficaram confusos com o que encontraram. «A área da escola está coberta de cadáveres e partes de corpos», disse. «É muito difícil para os paramédicos identificarem um cadáver inteiro. Há um braço aqui, uma perna ali. Os corpos estão despedaçados. As equipes médicas estão impotentes diante dessa cena horrível.» Pelo menos 40.000 palestinos foram mortos pelos bombardeios israelenses desde outubro do ano passado, e dois milhões de palestinos foram deslocados das suas casas.

Na preparação para o ataque à escola al-Taba’een, as forças israelenses vêm intensificando os bombardeios contra escolas em Gaza que servem de abrigo. Em julho, o exército de Israel atacou 17 escolas em Gaza, matando pelo menos 163 palestinos. Na semana anterior a 10 de agosto, o Estado sionista atingiu as escolas Khadija e Ahmad al-Kurd em Deir al-Balah, matando 30 palestinos (27 de julho), a escola Dalal Moghrabi em Ash Shujaiyeh matando 15 palestinos (1º de agosto), as escolas Hamama e Huda em Sheikh Radwan matando dezesseis palestinos (3 de agosto), as escolas Hassan Salame e Nasser em al-Nassr, matando 25 palestinos (4 de agosto), e as escolas al-Zahraa e Abdul Fattah Hamouda, matando 17 palestinos (8 de agosto).

Esta sequência de ataques a escolas ocorreu antes do atentado de 10 de agosto, o que demonstra a existência de um padrão de ataque a civis que procuram abrigo em escolas. O massacre em al-Taba’een é o 21.º ataque de Israel contra uma escola que tem servido de abrigo desde 4 de julho. Ahmed Abed perdeu o seu cunhado Abdullah al-Arair no massacre em al-Taba’een. «Não há mais nenhum local para onde ir», disse. «Todo os lugares em Gaza são um alvo.»

Negações de Israel
Israel confirmou o bombardeio em escolas, mas negou que matou civis. Na verdade, Israel não denomina tais lugares como escolas, mas sim como “estruturas militares”. O exército israelense declarou que matou ao menos 20 “terroristas”, desde que alegou ter atingido um “centro de controle do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina dentro de uma mesquita”. Autoridades israelenses revelaram uma lista de nomes com ao menos 19 pessoas que, segundo eles, eram integrantes de alta patente do Hamas e da Jihad Islâmica.

Membros do Monitor Euro-Mediterrâneo de Direitos Humanos, organização independente baseada na Suíça, estudaram a lista fornecida por Israel e descobriram que os dados são falsos. Eles foram até a escola, fizeram um levantamento dos sobreviventes e revisaram o controle israelense de registros dos nomes dos civis. “A investigação preliminar descobriu que o Exército de Israel usou nomes de palestinos mortos em ataques na sua lista, alguns deles mortos em ataques anteriores”.

As três pessoas mortas anteriormente, cujos nomes apareceram na lista de Israel, incluem Ahmed Ihab al-Jaabari, morto em 5 de dezembro de 2023, Youssef al-Wadiyya, morto em 8 de agosto de 2024 e Montaser Daher, morto em 9 de agosto deste ano.

A lista israelense também continha três civis que não tinham qualquer ligação com grupos militantes, incluindo um diretor de escola, Abdul Aziz Misbah al-Kafarna, e um professor de língua árabe e vice-presidente da Câmara Municipal de Beit Hanoun, Yousef Kahlout. A lista também inclui seis civis que “inclusive, eram contrários ao Hamas”.

É impressionante que, até em suas próprias declarações, oficiais israelenses parecem não ter certeza sobre suas reivindicações. Daniel Hagari, contra-almirante do Exército de Israel, disse que “diversas indicações da inteligência”, mostraram que havia uma “alta probabilidade” de que Ashraf Juda, comandante da Jihad Islâmica, estava na escola al-Taba’een. No entanto, os israelenses não confirmaram esta informação. Portanto, Israel matou 100 civis mesmo não tendo certeza se o alvo estava na estrutura naquele momento.

O Exército israelense armou um padrão para sua campanha genocida. Primeiro, bombardeia bairros civis, mandando pessoas aterrorizadas para abrigos como escolas e hospitais. Depois, ordena deslocamentos em massa em diversas áreas, forçando pessoas abrigadas a viverem em pânico, visto que muitas delas não têm como deixar os abrigos para outros lugares (“não há mais para onde ir”, disse Ahmed Abed, aliás). Após decretar as ordens de deslocamento, Israel bombardeia os abrigos, incluindo hospitais e escolas, sob o argumento de que são alvos militares. Esta fórmula foi decretada em várias partes de Gaza.

Agora, Israel anunciou ordens de deslocamentos forçados para pessoas localizadas em Khan Younis, cidade central de Gaza. Além disso, forças israelenses iniciaram ataques aéreos e de artilharia no leste de Khan Younis. A partir de agora vamos ver esses tipos de ataques em escolas e hospitais que são abrigos para pessoas desesperadas no centro de Gaza, com todos os prédios entendidos como alvos legítimos por Israel.

Vijay Prashad é historiador e jornalista indiano, diretor geral do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

Artigo republicado no âmbito de uma parceria com a Globetrotter, traduzido e editado pelo AbrilAbril.