LEVANTES MUÇULMANOS:

Uma análise de James Petras.

Em primeiro lugar, devemos reconhecer que quando existem levantes em 20 países, em dois continentes, em seis regiões, obviamente não é uma simples manifestação de protesto por conta de um filme feito por alguns medíocres de Los Angeles. É o cúmulo da superficialidade.

Temos que analisar o que vem ocorrendo nos últimos dez anos nos países muçulmanos, onde os Estados Unidos e a Europa, com o respaldo dos despotismos monárquicos do Golfo, e Israel, Estado judeu sionista, destroem um arco de países, começando pelo Iraque, Afeganistão, Somália, Iêmen, Líbia, Síria, com bombas caindo em vários países que não possuem nenhuma relação com as ameaças dos Estados Unidos; tudo isso deslocou milhões de muçulmanos, destruiu o tecido da economia e da sociedade. Diante de toda esta destruição, existe o surgimento e cultivo de um imenso ódio e sentimento anti-EUA em todos os aspectos: cultural, político e militar.

Além disso, temos o fato de que Washington interveio durante a ‘primavera árabe’. Quando as massas populares se levantaram no Iêmen, Egito, Tunísia e em outras partes, Washington interveio para abortar o processo, apoiando a escalada ao poder dos mais reacionários muçulmanos pró-EUA, dispostos a servir a seus interesses. Como exemplo, podemos citar o senhor Mohamed Morsi, no Egito, o governo direitista muçulmano Hamadi Jebali, na Tunísia, uma pseudotransição no Iêmen, onde perpetua a ditadura, a intervenção com o auxílio de terceiros na Somália e a intervenção no Sudão, para dividir a região petrolífera do Jartum. Tudo isto converteu a ‘primavera árabe’ em um ‘inverno norte-americano’.

Portanto, temos que entender que a frustração que isso deixou é impressionante. As pessoas sentem que tinham nas mãos a possibilidade de democratizar seus países, cresciam os movimentos democráticos. Porém, o que aconteceu? Entrou um senhor Morsi pactuando com o fundo Monetário, fazendo o trabalho sujo em apoio à intervenção na Síria, condenando os palestinos, fechando as fronteiras e servindo aos interesses de Israel. Isso não é primavera. Isso se chama contrarrevolução.

O mesmo ocorre na Tunísia, com um governo que recebe subsídios da França, um regime muçulmano que busca simplesmente continuar a velha política do governo anterior, sem nenhuma mudança, com uma infinidade de desempregados caminhando pelas praças.

Isso reflete nesta grande onda de novos protestos.

Falamos do Paquistão que mobilizou mais de cem mil pessoas protestando e queimando bandeiras. O Paquistão sofreu mais de quinhentos bombardeios dos drones, que mataram famílias inteiras, supostamente atacando os talibãs e forçando o governo fantoche paquistanês de Zardari a lançar grandes campanhas nas fronteiras, deslocando mais de dois milhões de paquistaneses. Esses paquistaneses voltaram a assentar-se nos subúrbios das grandes cidades. É possível ver os resultados dessas ações nos grandes novos protestos.

Em outras palavras: sim, de fato o estopim pode ser o infeliz filme contra o Profeta. Dada a profundidade da extensão dos protestos, não é possível explicar apenas pelo filme todo esse ódio. A explicação é mais complexa, já que advém da continuidade das agressões, da violência. Ou seja, têm suas raízes na destruição promovida pela intervenção imperial. E é preciso dizer isso.

A intervenção norte-americana e europeia tem como objetivo destruir. Eles não estão colonizando estes países. Não existem petroleiras que estejam ingressando em grande escala e extraindo riquezas. Não. Os conflitos internos são incentivados, as economias são destruídas, os deslocamentos de todo um setor científico profissional produtivo são promovidos. Restam no Iraque e na Líbia grupos armados, fundamentalistas, criminosos, traidores que vem da França, Inglaterra, pessoas que possuem poucas raízes com o país. Por isso, a situação é um caos total. Os períodos de governo de Mohamed Gadafi e de Al Assad parecem paraísos frente ao que fica agora como produto da intervenção europeia e norte-americana. E, diante desta situação de remoções, de armas circulando por todos os lados, temos um caos total, um mundo de todos contra todos. E, nesse contexto, obviamente existem pessoas que utilizam as armas emprestadas ou presenteadas pelos europeus e norte-americanos e disparam contra eles, disparam contra seus próprios mentores.

As pessoas sabem que este filme possui alguma relevância em sua luta. Não é simplesmente um filme realizado por uns medíocres, por um punhado de idiotas. Todo o mundo muçulmano e os inteligentes de fora do mundo árabe entendem que existe uma cultura profunda e extensa nos Estados Unidos, que se prolifera entre os mais altos níveis, a islamofobia. Hollywood nunca apresenta os árabes através de imagens positivas. Sempre são playboys, assassinos, pessoas superficiais, monarcas corruptos, milionários. Essa é a imagem que sai da principal fábrica de cinema. Além disso, também temos a Polícia Federal americana intervindo em centenas de instituições religiosas, observando se aparece algum suspeito. E agora aparecem manifestações contra a construção da Igreja muçulmana na cidade de Nova York, com uma multidão promovendo protestos para impedir a construção de um centro cultural.

Ou seja, este filme imbecil foi lançado e está nutrido por uma cultura dominante antimuçulmana, de uma Presidência e um Congresso que sempre tomam partido de Israel contra todos os países muçulmanos atacados pelo mesmo, começando pela Palestina. Então, a pergunta não deve ser por que ocorrem as manifestações, mas por que demoraram tanto tempo para recomeçarem com elas.

Devemos reconhecer que, ultimamente, existe um ciclo. Até 2010, existiam ditaduras pró-EUA: Ben-Ali na Tunísia, Mubarak no Egito e toda a máfia pró-EUA. Depois, temos o primeiro levante, chamado de ‘primavera’, buscando a democracia como epicentro de seus anseios políticos, reivindicações democráticas sociais e de bem-estar social. Porém, os Estados Unidos intervieram, o Fundo Monetário interveio e, então, a ‘primavera’ se frustrou, as aspirações populares foram impedidas de serem alcançadas.

Agora, veio a reação atual, o segundo round, onde o povo volta com suas baterias recarregadas contra os novos fantoches, os corruptos que entraram no poder, contra aqueles que estão comprados. Neste segundo round, a primeira resposta de Obama foi mandar marines para proteger as embaixadas e mais uma dezena de navios de guerra. Ou seja, mais uma vez uma resposta militar.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)