OBAMA CHORA LÁGRIMAS DE CROCODILO PELO MASSACRE, PORÉM NÃO PROPÕE NENHUMA INICIATIVA PARA CONTROLAR OU ELIMINAR AS ARMAS

Dias atrás, um novo massacre comoveu a população dos Estados Unidos. Para o sociólogo norte-americano James Petras é preciso buscar as causas nas políticas governamentais, já que elas “são muito violentas e militaristas” nesse país. Além disso, Petras questionou duramente a ação da Polícia: “Para que necessitamos de tantos policiais, de tantas armas quando o plano de intervenção é tão falho, tão fracassado, tão inadequado?”. E denunciou que “isto vai continuar se repetindo” porque “os desequilibrados aqui não possuem acesso a nenhuma Saúde Pública, mais de 80% dos hospitais psiquiátricos estão fechados e os loucos estão nas ruas com facilidade de conseguir armas”.

A seguir, transcrevemos a coluna semanal de análise de conjuntura internacional de 17 de dezembro, na qual James Petras também se referiu à vitória esmagadora do PSUV na Venezuela e a virada à direita resultante das eleições no Japão.

Efrain Chury Iribarne: Estamos recebendo na CX36, Radio Centenario, diretamente de Nova York, James Petras que já está em contato conosco. Bom dia! Como você está Petras?

James Petras: Bom dia! Estou bem, com muita chuva ao invés de neve. Estou muito contente alguns resultados eleitorais, porém muito triste por conta do massacre.

EChI: Bem, vamos começar pela Venezuela, a partir dos resultados eleitorais.

JP: Em termos gerais, devemos dizer que nas eleições ocorridas na Venezuela, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) foi vitorioso em vinte dos vinte e três Estados. É uma conquista arrasadora. Assim, recuperaram quatro Estados que estavam nas mãos da oposição e quase venceram no Estado onde o ex-candidato opositor, Henrique Capriles, ganhou com uma pequena margem.

Os resultados obtidos nos grandes centros, como Zulia e Carabobo, onde antes dominava a direita e, também, em Estados da fronteira com a Colômbia e na costa foram os mesmos: os candidatos do PSUV de Chávez ganharam com uma boa margem eleitoral.

Devemos atribuir tudo isto ao processo revolucionário e, também, à solidariedade com o presidente Hugo Chávez. Principalmente porque os venezuelanos entenderam que, neste momento de emergência pela enfermidade de Chávez, era preciso unificar forças e o fizeram de maneira contundente.

Devemos analisar o fato de que o candidato e líder da direita defendeu um retrocesso. De alguma forma, durante a campanha presidencial, conseguiu disfarçar sua política reacionária. Porém, nesta campanha para governadores, mostrou a verdadeira face: falou da volta do neoliberalismo, sobre o permanente ataque antissocialista e anticomunista. Portanto, com a votação, o povo manifestou um repúdio total a sua política pró-imperialista, pró-neoliberal e antitransformação social.

É uma afirmação do caminho trilhado pelo PSUV e pelo presidente Chávez nos últimos anos.

O que é interessante destacar como os meios de comunicação nos Estados Unidos e na Europa trataram de disfarçar esta grande derrota. Por exemplo, citam a vitória do opositor Capriles, com pequena margem de diferença, e não mencionam que sua vitória se deu com uma diferença de apenas 4% a mais sobre o candidato do PSUV. Também desprestigiam a vitória do PSUV, falando que participaram “somente 54%” dos eleitores, porém não citam que este número é muito mais expressivo e participativo que os números das eleições congressuais dos Estados Unidos, que não chegam a 45% dos eleitores.

Em outras palavras, com a nova conformação de poderes acerca dos governadores, é muito mais factível que o programa do presidente Chávez e as medidas socializantes tenham agora o campo aberto para avançar, mais além das eleições.

Em fevereiro ocorrerão novas eleições para Prefeitos e legisladores locais. Nesse sentido, a Venezuela se assemelha a um carrossel de votações, contradizendo o que dizem alguns editores da BBC e de outros meios de comunicação, que não existe democracia no território venezuelano, além de falarem de ‘autoritarismo’, ou o próprio Obama, que fala da falta de liberdades, enquanto existem massacres nos Estados Unidos. Assim, nenhum deles possui autoridade moral para falar de políticas antidemocráticas.

Então, é uma grande vitória para a democracia, é um grande avanço para o socialismo. Não se trata simplesmente da vitória em lugares chaves, mas de um fenômeno que se dá a nível nacional, no norte, no sul, no leste e no oeste venezuelano. Neste sentido, as bases para avançar neste processo revolucionário estão bem plantadas.

EChI: Petras, vamos passar para o segundo tema, o massacre em Connecticut.

JP: Sim. Devemos analisar várias questões.

Primeiro, o problema não é só pelo fato de existirem trezentos milhões de armas nos lares nos Estados Unidos, país que tem menos de trezentos e vinte milhões de habitantes. Existem armas em todos os lugares. É mais fácil comprar uma arma que um sorvete. No entanto, como eu dizia, para explicar o porquê de existirem tantas armas é necessário elaborar uma análise sobre a política governamental. Com o senhor Obama, permanecemos envolvidos em quatro guerras, a continuidade de guerras por mais de dez anos no Afeganistão, novas guerras na Líbia, na Síria e em outras partes. Então, a política militarista fomenta uma mentalidade de uso de armas ‘para solucionar problemas’ ou expressar desequilíbrios mentais.

Em segundo lugar, devemos nos atentar para os meios de comunicação que mantém uma saturação de mortos, assassinatos, policiais.

Terceiro, os videogames, que envolvem grandes setores da população, estão todos dirigidos a atirar e matar.

Então, a cultura e a política são muito violentas e militaristas, indo o problema muito além das próprias armas.

Certamente, um aspecto é a responsabilidade da política do governo. Em quatro anos, Obama nem sequer mencionou o controle sobre as armas ou a restrição sobre a posse de armas. Agora, aparece com lágrimas de crocodilo no local onde ocorreu o massacre. Chora, chora, mas não propõe nenhuma iniciativa para controlar ou eliminar as armas. Estas coisas sempre ocorrem assim. Os políticos choram pelas vítimas e não levantam nenhum dedo para enfrentar o problema do excesso de armas disponíveis e a facilidade para consegui-las. Isso acontece porque os políticos são influenciados pela Associação Nacional do Rifle (1), que é uma organização que declara o direito de ter armas de qualquer tipo, automáticas, semiautomáticas, pistolas, etc. A família do assassino, por exemplo, tinha quatro armas em casa.

Além disso, quero comentar uma coisa que é muito importante, mas que não foi noticiada em nenhum meio de comunicação, nem mesmo da esquerda. É o fato de que a chamada de Emergência, feita quando começou o massacre, ocorreu às 9:30 da manhã e a Polícia chegou rápido, mas permaneceu do lado de fora. A SWAT (2), polícia especial de investigação, ficou do lado de fora por uma hora, enquanto o assassino estava atirando por todos os lados, como se fosse um terrorista, fazendo reféns. Porém, não era assim. Era um assassino que estava atirando. Para eles, a primeira prioridade foi dar segurança à área, ao perímetro afetado e assegurar a segurança da Polícia.

Agora, como resultado disso, o tipo se suicidou às 10 da manhã. Entre as 9:30 e a 10:00 fez seu massacre e logo matou-se. Porém, a polícia demorou uma hora para entrar e entraram protegendo-se.

Não sei quantas pessoas morreram e que poderiam ter sido salvas, pois estavam feridas e morreram com hemorragias, enquanto a Polícia se protegia. Para que necessitamos de tantos policiais, de tantas armas quando o plano de intervenção é tão falho, tão fracassado, tão inadequado? Porém, ninguém, absolutamente ninguém menciona isso, o médico forense tratou de disfarçar o problema dizendo que todos os feridos eram fatais. Como ele sabe que, entre as 28 vítimas, nenhuma poderia ser salva? O atirador era tão bom que deu um tiro fatal em cada vítima?

A hipótese mais segura é que muitos caíram feridos e perderam a vida por falta de ajuda médica.

Nós sabemos, para dar um exemplo, que no caso da garota no Afeganistão que foi ferida, onde dizem que o talibã atirou em sua cabeça, imediatamente apareceram médicos de emergência, atenderam e, agora, ela está se recuperando. Utilizo este caso para ilustrar.

Portanto, se a Polícia e os médicos tivessem intervido, aproximadamente, dez minutos depois de iniciado o massacre, acredito que pelo menos algumas das vítimas podiam ter sobrevivido. Porém, como aqui nos Estados Unidos a Polícia é intocável, todos choram pelas vítimas e colocam flores, mas ninguém critica o plano de intervenção. Essa é a forma com que a Polícia funciona em todos os massacres.

Recordo que aqui em Binghamton, há três anos, tivemos um massacre. A Polícia apareceu em cinco minutos, porém permaneceu do lado de fora por uma hora e quinze minutos. E isso não se pode negar.

Agora, as respostas. Uma das propostas é colocar policiais nas escolas. E o que vão fazer? Exigir que as professoras usem vestidos à prova de balas? Eu acredito que é um problema de mentalidade policial, que o problema vai além de simplesmente comentar o massacre. É preciso mudar toda a cultura. Os desequilibrados daqui – como os assassinos – não possuem acesso nenhum à Saúde Pública, mais de 80% dos hospitais psiquiátricos estão fechados, os loucos estão nas ruas e, com a facilidade que possuem em conseguir armas, estes eventos vão continuar se repetindo.

EChI: Como já é habitual, ao final pedimos eu você fale sobre outros temas em que esteja trabalhando.

JP: Bem, existem várias coisas. No Japão, ocorreu a eleição, onde a direita foi vitoriosa com o Partido Liberal Democrata, que não é nada democrático. O próximo primeiro-ministro, Shinzo Abe, prometeu implantar uma linha dura contra a China. Isso é muito perigoso por conta dos conflitos mantidos pela posse das Ilhas situadas no Mar da China. Além disso, essa é outra indicação de que não saímos do militarismo mundial. O senhor Abe, um dos ultranacionalistas japoneses, é um aliado dos “falcões” do Pentágono americano.

Então, esta eleição não vai solucionar a recessão no Japão, mas aumentará a tensão entre Japão e China. Esse será o jogo do Pentágono norte-americano, que busca uma forma de criar um cerco, agora com um sócio fiel no Japão, um extremista, nacionalista, que, todavia, celebra os heróis fascistas da Segunda Guerra e não quer reconhecer nenhum massacre contra os chineses.

Esta vitória eleitoral é o oposto do que ocorreu na Venezuela, onde a marcha pela esquerda continua firme, pois o Japão virou bruscamente à direita.

E, finalmente, temos o referendo em processo no Egito, que parece que será aprovado. Os primeiros dados indicam que 57% aprovará o referendo para uma nova Constituição. Creio que, em parte, a esquerda e as forças seculares cometeram um grande erro estratégico ao envolver-se com os juízes e a direita no período anterior às eleições. Acredito que pagaram por um oportunismo e agora devem levar em conta que os Irmãos Muçulmanos possuem melhor organização, melhor coerência. Além disso, não é possível combinar forças entre a direita e a esquerda e apresentar coerência diante do eleitorado. Eu não tenho dúvidas de que os Irmãos vão se desgastar por sua política neoliberal, não creio que tenham um programa sustentável pactuado com o Fundo Monetário. Porém, se continuarem neste oportunismo combinando-o com neoliberais, direitistas, etc, não tem a coerência de apresentar uma alternativa diante das massas.

É bom que exista uma votação limpa, mas, a partir disso, devem fazer um período de autocrítica, reflexão e, principalmente, sair dos puros protestos de rua e começar a organizar, organizar e organizar para poder apresentar uma alternativa concreta com um programa socializante. Não simplesmente gritar contra os islâmicos, porque os Irmãos Muçulmanos possuem base, possuem organização e, por isso, ganham as eleições.

EChI: Como a cada segunda-feira, nos despedimos e agradecemos ao James Petras por todo o conhecimento dividido conosco para a análise destes temas.

JP: Mais uma coisa. Quero expressar a minha mais profunda solidariedade com o povo uruguaio contra a intervenção do Embaixador de Israel. Ele é um sem-vergonha que deve ser expulso por violar a soberania de um país. Independentemente do que pensamos do governo, do qual somos muito críticos, devemos ser consequentes. Não existe lugar para que um prepotente Embaixador israelense trate de ditar o que é bom e o que é mal no Uruguai. Porque o Uruguai é um país soberano, não é uma Gaza, um país onde os israelenses dominam. Devem reconhecer que existem países livres e independentes neste mundo.

EChI: Muito bem, Petras. Um abraço e até a próxima segunda-feira.

JP: Um abraço a todos os ouvintes.

(*) Escute, ao vivo, às segundas-feiras, às 11:30 horas (hora local), as análises de James Petras na CX36, Radio Centenario, de Montevidéu (Uruguai) pata todo o mundo através da páginawww.radio36.com.uy

Notas da Redação:

(1) A Associação Nacional do Rifle ou sua sigla em inglês NRA (National Rifle Association), é uma organização estadunidense para defender o direito à posse de armas tanto para defesa pessoal como para atividades recreativas. Foi fundada em Nova York, em 1871, se autodenominando como a mais antiga organização de direitos civis dos Estados Unidos. O clube possui 4 milhões de sócios.

(2) Armas e táticas especiais (em inglês: Special Weapons And Tactics -SWAT-) é uma equipe ou unidade de elite de várias agências estadunidenses. Estão capacitados para agir em operações de alto risco, que fiquem fora das capacidades dos oficiais regulares. As equipes da SWAT estão equipados com armas d fogo especializadas que incluem metralhadoras, fuzis de assalto, agentes antidistúrbios, granadas de efeito moral e rifles de franco-atirador. Estas equipes se mobilizam em veículos blindados e usam pesada armadura de corpo, escudos balísticos, óculos de visão noturna e detectores de movimento para determinar as posições de forma camuflada de reféns ou a dos sequestradores dentro de estruturas fechadas.

(3) O Massacre de Binghamton de 2009 ou o tiroteio de 3 de abril de 2009, foi um massacre ocorrido em um edifício que presta serviços a imigrantes na localidade de Binghamton, no estado de Nova York, a 150 milhas (240 km) à noroeste da Cidade de Nova York, morrendo 13 pessoas e se pensava haviam 40 reféns, segundo os meios de comunicação locais. Treze pessoas foram confirmadas mortas, vinte e seis feridas e quarenta e uma pessoas foram feitas reféns.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB).