Síria: Quais são as verdadeiras intenções dos Estados Unidos?

Todo observador que se interessasse pelo comportamento dos Estados Unidos quanto às suas verdadeiras intenções em relação à Síria deparar-se-ia com uma série de indicações contraditórias.

Com efeito:

I. Por um lado, eles forçam o prosseguimento das operações terroristas enquanto ao mesmo tempo impedem o diálogo com as autoridades legítimas do país em que desejariam mudar radicalmente as personalidades e as orientações políticas. Eis porque eles têm trabalhado para:

1) Substituir às pressas o “Conselho de Istambul” (ou CNS) por uma pretensa “Coligação da oposição síria”, cozinhada por Washington e dominada claramente pelos Irmãos Muçulmanos em todos os seus escalões.

2) Oficializar esta Coligação recém criada como representante legítima do povo sírio trabalhando pelo seu reconhecimento pelos países aliados; o que doravante já é coisa feita, após a reunião dos “Inimigos da Síria” em Marraquexe.

3) Formar um “Alto conselho militar” para manter um domínio sobre as operações desestabilizadoras fazendo, também aí, pender a balança para o lado do Irmãos Muçulmanos pela exclusão de duas categorias de combatentes irregulares: a primeira designada como “terroristas na dependência da Al Qaeda”, a segunda constituída por “aqueles que desconfiam dos Irmãos Muçulmanos e recusam a ideia da sua dominação sobre a Síria”.

4) Recuar na sua decisão pública de não armar os grupos de opositores para se empenhar, também publicamente, em financiá-los e armá-los directamente a partir dos EUA e da Europa.

5) Multiplicar os encontros dos chamados “Amigos do povo sírio”, o famoso fórum político reunindo todos aqueles que consentiram em marchar com os EUA para demolir a Síria independente e ali instalar um governo sob as botas do Ocidente, ele próprio enfeudado aos EUA.

6) Fazer instalar os mísseis Patriot na fronteira síria, história destinada a significar que só a solução militar é possível e que a NATO (OTAN) está finalmente prestes a intervir.

7) Encorajar os bandos armados a intensificarem suas operações terroristas sobre o terreno e conseguir assim radicalizar a oposição contra as autoridades sírias.

II. Por outro lado, eles dão a entender que doravante estão prontos a encarar uma solução política que não afastaria nenhum dos protagonistas, incluindo as autoridades legítimas do país, sob a égide do Presidente Al-Assad que eles foram incapazes de desqualificar apesar de dois anos de provocações, de manobras e de agressões. E ei-los partidos para pretensas negociações pacíficas dentre as quais observamos:

1) A última reunião tripartida efectuada a 9 de Dezembro em Genebra entre o ministro dos Negócios Estrangeiros adjunto da Rússia, Mikhail Bogdanov, o secretário de Estado adjunto americano, William Burns, e o representante especial das Nações Unidas e da Liga Árabe para a Síria, Lakhdar Brahimi; a qual encerrou-se com um comunicado deste último estipulando “que uma solução política para a crise ainda é possível e que ela será realizada com base no acordo de Genebra de 30 de Junho último”.

2) O empenhamento assumido para encarregar peritos russos e americanos de trabalharem na busca das modalidades operacionais para uma tal solução pacífica.

3) A distinção dos grupos armados operando na Síria entre “terroristas” que os EUA não caucionariam e “opositores” que eles apoiariam; seguida a 11 de Dezembro pela decisão de inscrever o grupo “Jabhat al-Nusra”, tendo provado a sua “liderança” devastadora, na lista das organizações terroristas internacionais.

4) A redução do nível da representatividade estado-unidense na quarta reunião dos “Inimigos da Síria”, a 12 de Dezembro em Marraqueche, nem que seja pela ausência de Hillary Clinton.

5) O laxismo aparente na instalação dos mísseis Patriota, os quais serão finalmente posicionados à distância da fronteira síria.

6) O recuo nas alegações mentirosas quanto ao recurso à utilização de armas químicas pretensamente encarada pelas autoridades sírias, por ausência de provas concludentes em favor de uma tal intenção.

7) A garantia reiterada de que nem os Estados Unidos, nem o Ocidente em geral, haviam tomado a decisão de uma intervenção militar na Síria.

III. Estas contradições, que não deixaram de suscitar a indignação do ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, sobre quando eles declararam reconhecer a “Coligação da oposição síria” como a representante legítima do povo sírio [declaração de Obama na véspera da Conferência de Marraquexe quando de uma entrevista à BBC] e convidaram seu presidente recém eleito a comparecer em Washington, levantam a questão de saber quais são as suas verdadeiras intenções, ou antes, quais são os meios de que ainda poderiam dispor para alcançar o seu fim. Para responder a estas questões, é necessário recordar os dados fundamentais estabelecidos após 21 meses de agressão incessante contra o Estado e o povo sírios:

1) A incapacidade dos Estados Unidos e de todos os seus aliados para derrubar o governo sírio, sem uma intervenção militar directa tornada quase impossível, ou para o prosseguimento da guerra indirecta por terrorismo interposto e travada por grupos armados, financiados e treinados por forças que lhes estão enfeudadas.

2) O esgotamento dos alvos sírios a destruir, agora que máquina infernal dos EUA matou e destruiu tudo aquilo que podia atingir como infraestruturas económicas e sociais; estando o que escapou imunizado e relativamente fora de alcance.

3) A combatividade, a unidade, a disciplina e a tenacidade do Exército sírio, capaz de prosseguir seu combate defensivo e de impedir os grupos armados de manter suas posições pretensamente libertadas.

4) A rejeição dos insurrectos e dos terroristas pelo povo sírio, algumas categorias do mesmo chegaram até a reclamar e obter armas para a defesa da sua terra estes “estrangeiros”; razão suplementar que torna difícil, mesmo impossível, a manutenção dos grupos armados nas regiões momentaneamente ocupadas ou a ocupar.

IV. De tudo isto que antecede, podemos compreender e imaginar a posição dos EUA face à dita “crise síria”, posição fundamentada sobre os seguintes elementos:

1) A convicção de que o governo sírio permanecerá nas suas posições qualquer que seja a intensificação criminosa (ocidental) da “sua máquina de matar” e que o prosseguimento da acção armada não conduzirá senão a mais mortes e destruições sem mudar nada nos resultados político e estratégico.

2) A ausência de garantia quanto à manutenção futura das actuais alianças anti-sírias, sobretudo se o incêndio se propagasse numa região correspondente em grande parte às suas zonas de influência, a começar pelos países do Golfo e a Turquia. O príncipe Talal bin Sultan não declarou que a Arábia Saudita seria a próxima vítima da “pretensa Primavera árabe”? E Davudoglou não encareceu, na Conferência de Marraquexe, que a situação síria é uma ameaça para os países vizinhos? Em consequência, os dirigentes dos EUA deveriam ter compreendido bem que o que eles poderiam obter hoje pela negociação em grande parte lhes fugiria se a adiassem!

3) A necessidade de continuar a trabalhar com os Irmãos Muçulmanos enquanto aliados preferenciais, envoltos em bandeiras islâmicas mas submetidos aos seus diktats.

Eis porque não vemos contradições no comportamento dos Estados Unidos, mas antes uma certa complementaridade que lhes permitiria lançar as bases de uma solução momentaneamente satisfatória, uma vez que doravante estão condenados a negociar.

Já seria um êxito posicionar um novo poder reservando postos chave a Irmãos Muçulmanos, uma vez que se verifica dificilmente realizável que uma maioria do povo sírio lhes permita monopolizá-lo através das urnas. Assim, dispondo do seu direito de veto, os EUA poderia, no mínimo, desactivar não importa qual decisões futuras que fossem contra os seus interesses. Daí a utilidade da “Coligação dos irmãozinhos opositores” e do Alto comando militar dos mesmos irmãozinhos… Pelo menos partilhar um poder que no imediato não se pode dominar com exclusividade!

Em consequência, dizemos muito simplesmente que a “solução negociada” desejada pelos dirigentes dos EUA é não ter em conta a vontade de uma grande maioria do povo sírio e da sacrossanta democracia, uma solução que garantiria aos Irmãos Muçulmanos o poder de decisão, mesmo se as urnas decidissem outra coisa.

Para aí chegar, os EUA não estão prestes a abandonar nem pressões políticas nem operações militares criminosas e isto num prazo que parece ter sido fixado até à próxima Primavera sem qualquer revisão!

20/Dezembro/2012

*Libanês, analista político, perito em estratégia militar e general de brigada na reserva.

O original encontra-se em Sham Times e a versão em francês em www.legrandsoir.info/…

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