O confisco de poupanças bancárias para “salvar os bancos”

por Michel Chossudovsky

  • O “Resgate Interno” do Banco de Chipre é um “ensaio geral” do que está para vir?
  • Estará a ser encarado um “golpe de resgate interno” na União Europeia e na América do Norte que poderá resultar numa verdadeira confiscação dos depósitos bancários?
  • Em Chipre, todo o sistema de pagamentos foi afectado levando à extinção da economia real.
  • Já não se pagam pensões e salários. O poder de compra desapareceu.
  • A população está empobrecida.
  • As pequenas e médias empresas são empurradas para a falência.
  • Chipre é um país com uma população de um milhão de habitantes.

O que aconteceria se semelhantes procedimentos de ‘apertar o cinto’ fossem aplicados nos EUA ou na União Europeia?

Segundo o Institute of International Finance(IIF) com sede em Washington, que representa o consenso da instituição financeira global, “a abordagem de Chipre em atingir depositantes e credores quando os bancos falham, pode tornar-se um modelo para lidar com as falências em toda a Europa”. ( Economic Times , 27/Março/2013).

Chipre constitui um “modelo” ou um cenário?

(citado em Economic Times , 27 de Março, 2013)

Os resgates internos (bail-ins) têm sido considerados em numerosos países. Na Nova Zelândia, já em 1997, coincidindo com a crise financeira asiática, foi considerado um plano de cortes (haircut) .

disposições, tanto no Reino Unido como nos EUA, relativas à confiscação de depósitos bancários . Num documento conjunto da Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) e do Banco de Inglaterra, intituladoResolving Globally Active, Systemically Important, Financial Institutions (Resolução de Instituições Financeiras, Globalmente Activas, Sistemicamente Importantes), foram avançados procedimentos explícitos pelos quais “os credores iniciais da companhia falida”, ou seja, os depositantes de um banco falido, seriam transformados em “capital”. (Ver Ellen Brown, Isto pode acontecer aqui , Global Research, Março 2013)

As poupanças bancárias seriam transformadas de um dia para o outro num conceito ilusório de posse de capital. A confiscação das poupanças seria executada sob o disfarce de uma falsa “compensação” em termos de capital.

Não se indica qualquer excepção para “depósitos garantidos” nos EU, ou seja, os depósitos inferiores a 250 mil dólares, depósitos que julgávamos estarem protegidos pela garantia da FDIC. E não se trata de esquecimento, visto que é a FDIC que está a emitir a directiva. A FDIC é uma companhia de seguros, financiada por prémios pagos por bancos privados. A directiva chama-se um “processo de solução”, definido como um plano que “será posto em prática na eventualidade da falência de um segurador…” A única referência a “depósitos assegurados” é em relação à legislação existente no Reino Unido, legislação que a directiva FDIC-BOE considera desadequada, dando a entender que precisa de ser modificada ou eliminada. (Ibid)

Como os depositantes recebem uma falsa compensação, não têm direito ao seguro de depósito da FDIC.

A declaração mais franca de confiscação de depósitos bancários como meio de ‘salvar os bancos’ está formulada num documento do governo canadiano recentemente publicado intitulado ” Empregos, crescimento e prosperidade a longo prazo: Plano de acção económica 2013 “.

O Governo propõe-se implementar um regime de “resgate interno” (bail-in) dos bancos sistemicamente importantes.

Este regime será destinado a garantir que, na improvável eventualidade de um banco sistemicamente importante esgotar o seu capital, o banco possa ser recapitalizado e possa voltar a ter viabilidade através da conversão muito rápida de determinados passivos bancários em capital regulamentar.

Isso reduzirá os riscos para os contribuintes. O governo consultará os accionistas sobre como melhor implementar um regime de resgate interno no Canadá.

O que isto significa é que, se um ou mais bancos (ou cooperativas de crédito) forem obrigados a “esgotar sistemicamente o seu capital” para satisfazer as exigências dos seus credores, os bancos serão recapitalizados através da ” conversão de determinados passivos bancários em capital regulamentar “.

A iniciativa da Gestão de Riscos do Resgate Interno é de significado vital para todos os canadianos: uma vez aprovado pela Câmara dos Comuns como fazendo parte do pacote orçamental, podem ser aplicados os procedimentos do Resgate interno.

Plano de Acção Económica 2013 ” que inclui o procedimento de Resgate interno seja aprovado.

Há uma importante rede de mais de 300 cooperativas de crédito e instituições bancárias cooperativas a nível de província, incluindo a poderosa rede Desjardins em Quebec, a Vancouver City Savings Credit Union (Vancity) e a Coastal Capital Savings na Colúmbia britânica, a Servus em Alberta, a Meridian em Ontário, as caixas populares em Ontário (afiliadas de Desjardins), entre muitas outras, que poderão ser alvo de operações selectivas de “Resgate interno”.

O “Plano de Acção Económica 2013 ” do Canadá reconhece que o proposto quadro de Resgate interno “será consistente com reformas noutros países e padrões chave internacionais”. Nomeadamente, o padrão proposto de confiscação de depósitos bancários conforme descrito no documento governamental canadiano é consistente com o modelo contemplado nos EUA e na União Europeia. Este modelo é actualmente a “essência” (à porta fechada) de diversos encontros internacionais que reúnem governadores de bancos centrais e ministros das Finanças.

Mark Carney, enquanto governador do Banco do Canadá, foi fundamental no projecto das disposições do Resgate interno dos bancos oficiais do Canadá. Antes da sua carreira na banca central, foi executivo sénior na Goldman Sachs, e desempenhou um papel de bastidores na implementação dos resgates externos a bancos e das medidas de austeridade nos EUA.

Estes resgates externos foram considerados como uma categoria de facto de despesas governamentais. Exigiram a implementação de medidas de austeridade. Juntamente com aumentos enormes nas despesas militares, os resgates externos foram financiados através de cortes drásticos em programas sociais incluindo a Medicare, a Medicaid e a Segurança Social.

(bail-in) exige a confiscação (interna) dos depósitos bancários. Os resgates internos são implementados sem a utilização de fundos públicos. O mecanismo regulador é instituído pelo banco central.

O total dos dois programas foi uma quantia espantosa de 1,45 milhões de milhões de dólares a ser financiados pelo Tesouro dos EUA (de notar que a quantia real da “ajuda” financeira em liquidez aos bancos foi significativamente maior do que 1,45 milhões de milhões de dólares). A somar a esta quantia, as verbas da defesa para financiar a economia de guerra de Obama (ano fiscal de 2010) foram uns espantosos 739 mil milhões de dólares. Nomeadamente, o conjunto dos resgates externos aos bancos mais a defesa (2,189 mil milhões de dólares) quase devoraram a totalidade das receitas federais que no ano fiscal de 2010 atingiram 2,381 mil milhões de dólares.

O que se passa é que os resgates externos dos bancos já não funcionam. No início do segundo mandato de Obama, os cofres do estado estão vazios. As medidas de austeridade chegaram a um beco sem saída.

Esta transição faz parte da evolução da crise económica global e do impasse subjacente à aplicação das medidas de austeridade.

Mesmo que os resgates internos sejam regulamentados e aplicados selectivamente a um número limitado de instituições financeiras falidas, uniões de crédito, etc., o anúncio de um programa de confiscação de depósitos pode levar a uma “corrida aos bancos” generalizada. Nesse contexto, nenhuma instituição bancária será considerada como segura.

A aplicação de um Resgate interno na UE ou na América do Norte iniciará uma nova fase da crise financeira global, um aprofundamento da depressão económica, uma maior centralização da banca e da finança, uma concentração crescente do poder corporativo na economia real em detrimento das empresas a nível regional e local.

As consequências sociais serão devastadoras. A economia real mergulhará em consequência do colapso no sistema de pagamentos.

É importante que as pessoas em toda a parte, na União Europeia e na América do Norte, nacional e internacionalmente, actuem de forma coordenada contra as diabólicas conspirações dos seus governos – que agem em nome dos interesses financeiros dominantes – na implementação de um processo selectivo de confiscação de depósitos bancários.

02/Abril/2013

Ver também:

Isto pode acontecer aqui , de Ellen BrownO original encontra-se em www.globalresearch.ca/the-confiscation-of-bank-savings-to-save-the-banks/5329411 .

Tradução de Margarida Ferreira.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .