FHC: as portas do Brasil abertas à CIA
Bob Fernandes*
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que “nunca soube de espionagem da CIA” no Brasil. O governo atual cobra explicações dos Estados Unidos, e a presidente Dilma trata do assunto com a cúpula do Mercosul, no Uruguai, nesta quinta-feira (11). O Congresso Nacional envia protesto formal ao governo de Barack Obama.
Vamos aos fatos. Entre março de 1999 e abril de 2004, publiquei 15 longas e detalhadas reportagens na revista CartaCapital. Documentos, nomes, endereços, histórias provavam como os Estados Unidos espionavam o Brasil. Documentos bancários mostravam como, no governo FHC, a DEA, agência norte-americana de combate ao tráfico de drogas, pagava operações da Polícia Federal. Chegava inclusive a depositar na conta de delegados. Porque aquele era um tempo em que a PF não tinha orçamento para bancar todas operações e a DEA bancava as de maiores dimensão e urgência.
A CIA, via Departamento de Estado, pagou uma base eletrônica da PF em Brasília, até os tijolos. Nos idos do governo Sarney. Para trabalhar nessa base, até o inicio da gestão do delegado Paulo Lacerda, em 2002, agentes e delegados da PF eram submetidos ao detector de mentiras nos EUA. Não em Langley, sede da CIA, mas em hotéis de Washington.
Dentre as perguntas, que alguns dos agentes e delegados se recusaram a responder: já haviam participado de atos de corrupção? Eram homossexuais?
Isso até que viessem a gestão do ministro Márcio Thomaz Bastos e do delegado Paulo Lacerda e um orçamento adequado. Essa base na PF chamava-se CDO, Centro de Dados Operacionais. Publicadas as reportagens, tornou-se SOIP, depois COE. Hoje é a DAT, Divisão Anti-terrorismo.
Carlos Costa chefiou o FBI no Brasil por 4 anos. Em entrevista de 17 páginas, em março de 2004, revelou: serviços de inteligência dos EUA haviam grampeado o Itamaraty. Empresas eram espionadas. Nem o Palácio da Alvorada escapou.
Pelo menos 16 serviços secretos dos EUA operavam no Brasil. Às segundas-feiras, essas agências realizavam a “Reunião da Nação”, na embaixada, em Brasília.
Tudo isso foi revelado com riqueza de detalhes: datas, nomes, endereços, documentos, fatos. Em abril de 2004, com a reportagem de capa, publicamos os nomes daqueles que, disfarçados de diplomatas, como é habitual, chefiavam CIA, DEA, NSA e demais agências no Brasil.
Vicente Chellotti, diretor da PF, caiu depois da reportagem de capa “Os Porões do Brasil”, de 3 de março de 1999. Isso no governo de FHC, que agora, na sua página no Facerbook, disse desconhecer ações da CIA no país.
Renan Calheiros, quando ministro da Justiça no governo FHC, foi convocado pelo Congresso na sequência de uma das reportagens sobre atividades de agências secretas dos EUA. Em público, esquivou-se, negaceou. A mim, numa cerimônia no Supremo Tribuinal Federal, diria na tarde do mesmo dia: “Isso é assim mesmo, é do jogo”.
Carlos Costa, que chefiara o FBI no Brasil, foi ouvido em sessão secreta do Congresso, já em 2004.
Antes de o Congresso decidir como seria a sessão, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) foi à embaixada dos EUA ouvir Donna Hrinak, a embaixadora. Segundo testemunho do senador à época, a embaixadora dos EUA informou:
– Se a sessão não for secreta ele (Carlos Costa) será processado pelo governo dos Estados Unidos.
Essa disposição falava por si mesma. E na sessão, que terminaria sendo secreta, Carlos Costa confirmou tudo o que dissera na entrevista; sobre as ações do seu FBI, da CIA, DEA, NSA, e sobre a espionagem em geral, no Brasil, mas não apenas.
Tudo isso sob quase absoluto e estrondoso silêncio. Um silêncio assustador à época. Tão assustador quanto a suposta perplexidade ao “descobrir”, só agora, que os Estados Unidos, e não apenas eles, espionam o Brasil e o mundo.
*Foi redator-chefe de CartaCapital. Trabalhou em IstoÉ (BSB e EUA) e Veja. Repórter da Folha de S.Paulo e JB, fez “São Paulo, Brasil” no GNT/TV Cultura. Comentarista da TVGazeta e Rádio Metrópole (BA)