Cem dias de Maduro na Presidência: nova etapa para a Revolução Bolivariana

ALAI AMLATINA, 3/08/2013.- A expressão do próprio Presidente Nicolás Maduro, em um ato para celebrar o nascimento de Hugo Chávez, não podia ser mais clara: “Não é fácil, companheiros, esta luta que temos travado nestes últimos 100 dias”.

E certamente, os primeiros 100 dias que constituem normalmente um período de graça que se outorga a qualquer governo, se converteram em uma extensão da intensa luta eleitoral que se pensava que tinha acabado no dia 14 de abril com a eleição de Maduro. Porém, a dor pela morte do Presidente Chávez apenas foi uma breve trégua na confrontação política que perdura nos 15 anos do processo bolivariano.

As eleições de 14 de Agosto, uma situação inédita

Estas eleições, ainda que previsíveis, se realizaram de forma apressada, os comícios dos candidatos foram vertiginosos. Pela primeira vez se elegia um Presidente para terminar o período de outro que havia desaparecido fisicamente. Sem embargo, as máquinas políticas estavam intatas, e novos ingredientes se incorporaram ao novo episódio eleitoral.

Apenas se conheceu o triunfo por uma diferença de 1,5%, margem pequena em relação aos processos eleitorais anteriores, e a oposição com Henrique Capriles na cabeça deu continuidade aos seus planos de desconhecimento da decisão popular. Em uma espécie de crônica anunciada, previamente Capriles havia faltado a um ato de compromisso no Conselho Nacional Eleitoral (CNE) para reconhecer os resultados eleitorais antes de 14 de Agosto. E assim que soube dos resultados, iniciou a estratégia de não reconhecer a vitória de Maduro, exigindo uma auditoria de 100% das atas, convocando seus seguidores para saírem às ruas, com as consequências nefastas de mais de 10 mortos em distintos pontos do país, denunciando posteriormente “que lhe roubaram nas eleições”, para finalmente impugnar as eleições perante o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ).

Uma vez mais, como fez em outros processos eleitorais, a oposição colocou em dúvida o trabalho do CNE denunciando fraude e acusando o governo de ilegítimo. Com esta bandeira, após sua mobilização inicial, retomou com maior força uma campanha apoiada pela força midiática, para chamar a atenção de seus aliados nacionais e internacionais e denunciar uma crise política na democracia venezuelana, precisamente por haver perdido as eleições.

O tom firme da denúncia e as acusações diretas ao Presidente Maduro, deixaram para trás outras estratégias políticas utilizadas nas eleições de outubro de 2012, quando evitou confrontar o líder bolivariano, Hugo Chávez. Nesta época, Capriles passou a vender uma imagem de homem de centro esquerda, tentando captar o voto chavista, mas não teve êxito, mas essa estratégia lhe deu bons resultados em 14 de Agosto.

Nesta oportunidade, a comoção popular pela perda do líder fundamental do processo bolivariano, não foi um fator favorável na votação do setor bolivariano. Sem embargo, o esforço realizado por Maduro e as forças do Grande Polo Patriótico permitiu manter um caudal eleitoral sólido como o conquistado em outubro de 2012.

O Governo Eficiência na Rua

Una vez conquistado o objetivo de ganhar as eleições, se pude dizer que o governo acusou o golpe da campanha midiática da oposição, e pode sortear as acusações de ilegitimidade, enquanto recuperava a iniciativa política, tanto a nível nacional como internacional.

Em tal sentido, foi chave lançar o “Governo da Rua”, com o qual o Presidente Maduro manteve certa distância da fustigação nos meios de comunicação e se orientou para tomar o pulso do povo em todo o território nacional. Ao mesmo tempo, se cumpriram vários objetivos como visibilizar muito mais sua figura de liderança e mobilizar o gabinete de ministros, os governadores e as instituições do governo em geral para que se voltasse a constatar as necessidades mais prementes, retomar decisões adiadas e, por tanto, despregar a ação do governo em todos os rincões do país. Na maioria das pesquisas foi valorizada positivamente a iniciativa do Governo de Eficiência na Rua.

A cobertura e volume da ação política foi contundente: em menos de 100 dias foram visitados 36 municípios nos 24 estados do país; desenvolveram 3324 ações concretas de governo que investiu em 2450 compromissos a ordem de 125.492 milhões de Bolívares. E ao mesmo tempo, cuidou da agenda internacional com 23 dias no exterior e 18 viagens a 15 países.

A ativação da Agenda Internacional levou o Presidente Maduro aos cenários naturais onde a Venezuela, com Chávez a frente, desenvolveu sua liderança em favor da unidade latino-americana. É assim como, inicialmente se acudiu a UNASUR, onde se ratifico o apoio que já havia realizado este ente no processo eleitoral enquanto Observadores Eleitorais. Se convocaram encontros da PETROCARIBE. Houve visitas específicas a países aliados e o ponto culminante foi assumir a presidência Pro tempore do MERCOSUL, começando a despregar a estratégia de enlaçar para este espaço a ALBA-TCP, CARICOM e outros espaços de integração da América Latina.

A crise econômica contida

Em paralelo com la turbulência política, depois das eleições, foi impossível conter os sintomas de uma crise econômica considerável que tinha duas expressões concretas: um aumento importante da inflação, enquanto a economia ia desacelerando bruscamente, e por outro lado, uma forte escassez de produtos, especialmente alimentos, em meio da dependência das importações e da diminuição no fluxo de divisas para alimentar a economia. O controle do câmbio parecia fazer água como mecanismo de distribuição das divisas. E também houve evidências de especulação e acaparamento de setores produtivos, que foram acusados de sabotadores.

Além disso, o luto pela morte do Presidente Chávez, as incertezas econômicas que se geraram com medidas como a desaceleração ocorrida antes das eleições, foram um fator chave para entender a abstenção ou a migração da votação das filas bolivarianas para a oposição.

Nestes 100 dias, a escassez disparou, chegando a níveis “recordes”, algo inexplicável em meio da bonança que permitem os preços petroleiros. A inflação começou a subir vertiginosamente chegando quase a 25% acumulada para este ano, e que para o período abril junho chegou a quase 16%. O PIB caiu e começou a mostrar o possível início de uma recessão. Se produziu uma forte queda nas reservas internacionais em mais de 3.000 milhões de dólares, mesmo com todo o controle do câmbio.

Alguns analistas acusam a falta de um programa econômico contundente, onde entre outros aspectos, ressalta a ausência de uma política industrial, aspecto crítico quando se aceleram os tempos para a integração econômica ao Mercosul. Sem embargo, o governo abriu um canal de comunicação inédito com o sector privado da economia para atender as necessidades setoriais e enfrentar o problema da escassez de produtos, com uma política de divisas mais racional e buscando fórmulas para elevar a produção, especialmente em matéria de alimentos. Enquanto isso, apelou para suas relações internacionais para obter importações de emergência provenientes do Brasil, Argentina e outros países para atender a escassez em alguns alimentos e produtos.

Balanço positivo com observações

Se bem a opinião da oposição não para de falar do fracasso, de negar tudo, de denunciar um pacote econômico de ajustes, e de não valorizar quase nenhum ato do governo, o peso das ações pós-eleitoral hoje em dia só encontra eco nos aliados do poder midiático e outros sócios políticos a nível internacional, especialmente nos Estados Unidos e Espanha, assim como os aliados do Pacífico: Colômbia, Peru e Chile.

Aparte de seu giro internacional com as respectivas visitas a Washington e Europa, além de alguns países latino-americanos, a oposição esta apoiando em alguns conflitos como a greve de professores universitários que paralisou uma parte do sistema de educação superior, que mesmo com aumentos salariais superiores a 100% mantém a greve.

O certo é que também há observações desde as forças socialistas. temos escutado vozes que questionam o diálogo com os empresários. Se formulam acusações tais como uma virada para a direita. Há denúncias como o outorgamento de 20 mil milhões de dólares para “empresas de fachada” realizado por ministros do gabinete, e que não há investigação alguma em marcha.

Outros não entendem como se oferece asilo a Snowden e o nega a Julian Conrado. Do mesmo modo, não termina de clarear qual é a situação econômica real, e até quando será possível manter o esquema rentista e o modelo importador, com baixa produtividade e poucas possibilidades para a soberania alimentar. Outros críticos destacam que se está produzindo eleições a dedo para os candidatos nos pleitos municipais, e as centenas de protestos que se produzem todo mês já não se ocultam as intenções de criminalização.

Superado o processo eleitoral e a luta midiática pela legalidade e pela legitimidade, de certa forma o Governo de Eficiência na Rua, recolheu os postulados do discurso denominado “Golpe de Timão” esboçado por Chávez em outubro 2012. O Plano da Pátria apresentado como programa eleitoral, segue orientando a ação do governo. Os desafios são imensos. Como manter os programas sociais e missões? Como avançar nos processos de participação e protagonismo do Poder Popular, das comunas, para avançar na construção do Socialismo? Como retomar o desafio do novo modelo econômico que supere o rentismo? Estas e outras interrogações seguem vigentes, mas em perigo, tendo em vista que já se está trabalhando em função do novo cenário eleitoral de 8 de dezembro.

Se abriu uma frente de suma importância, o da segurança cidadã, com alguns resultados concretos na luta contra a criminalidade por meio do programa PÁTRIA SEGURA que colocou nas ruas pessoal militar para brindar com maior segurança a toda a cidadania. Este programa não esta isento de críticas.

Um novo componente a favor deste balanço positivo se somou nestes cem dias e tem sido as medidas para enfrentar casos de corrupção no próprio governo. Estas medidas permitiram a prisão de funcionários do SENIAT, INDEPABIS, FERROMINERA, inclusive o ex-governador de Guárico, Luis Gallardo, e 5 de seus colaboradores mais próximos. Ao mesmo tempo, o parlamentar Richard Mardo enfrenta uma acusação de fraude e recentemente recorreu a sua imunidade parlamentar para enfrentar a justiça.

O legado de Chávez

Nicolás Maduro conseguiu pouco a pouco um posicionamento a nível interno, tanto das forças bolivarianas, como do país em seu conjunto, assim como no plano internacional que já conhecia devido a sua experiência como chanceler. Especial esforços dedicou ao componente militar e ao Partido Socialista Unido da Venezuela, em aras de fortalecer sua liderança político. E até o momento tem continuado o processo bolivariano com a herança de Chávez e já forja-se um perfil próprio. Há que destacar seu chamado para a liderança e a direção colectiva do processo.

O legado de Hugo Chávez está presente em cada discurso do Presidente Maduro e dos principais porta-vozes do governo bolivariano. Esse legado é um espelho onde mirar-se com cada ação política. E há aspectos fundamentais do discurso denominado Golpe de Timão que segue como matéria pendente.

Disse Chávez, advertindo sobre ficar apenas no discurso: “Nicolás, te recomendo isto como te recomendaria minha vida: as comunas, o estado social de direito e de justiça. Há uma Lei de Comunas, de economia comunal… eu sou inimigo de que coloquemos em tudo o nome “socialista”, estádio socialista, avenida socialista; que avenida socialista, cara!; isso é muito suspeito. Porque alguém poderia nomear uma avenida de “socialista”, padaria socialista, Miraflores socialista. Isso é suspeito, porque alguém pode pensar que com isso, tudo já está pronto, cumprido, pois já que mudaram o nome, as coisas se converteram em socialistas…”

Segue Chávez com uma exposição da problemática interna do governo em matéria de coordenação interinstitucional: “Necessitamos de um nível de interação, de comunicação, de coordenação, de cruzamento de planos, de diagnósticos, de problemas, de ação conjunta. É como uma guerra: o que vai fazer a Infantaria sozinha sem nossos tanques? E o que farão os blindados sem a Infantaria ou a Marinha sem o Exército? O que faz um homem só, ou uma mulher só, uma uma só noite?… Ou apenas a raiz, ou apenas os galhos?… Não somos nada sem integração na visão, no trabalho, em tudo isto, dificilmente venceríamos…”

E tão pouco deixa Chávez de lado o aspecto estratégico da Comunicação: “Outra crítica… nestes dias estive vendo, como sempre, a televisão. Vejo alguns programas do nosso canal, o canal de todos os venezuelanos e seguimos aferrados àqueles que já passaram, inclusive dando voz a quem quase não tem nada que dizer ao país, colocando vídeos… Será isso o mais importante neste momento? E a gestão do governo? Por que não fazer programas com os trabalhadores? De onde saia a autocrítica, não tenhamos medo da crítica, nem da autocrítica. Isso nos alimenta, nos faz falta. Estou seguro que é assim, não há um Sistema Nacional de Meios de Comunicação Públicos, não o temos. Vamos então criá-lo; temos os instrumentos. O que nos falta é mais vontade e, ou melhor, seguramente precisamos de mais capacidade. Atrevamo-nos, façamo-os. É necessário…”

Finalmente, chegou o cenário do “chavismo sem Chávez”. Nicolás Maduro parece ter sido “o eleito” para esta nova etapa da revolução bolivariana, quando manifesta: “Em nome de nosso comandante Hugo Chávez: apertemos os torniquetes onde haja que apertá-los e unamo-nos ao povo cada vez mais e preparem as mãos para novas batalhas, para novas vitórias.

Tradução: PCB Partido Comunista Brasileiro