50 VERDADES SOBRE O CASO DOS 5
Opera Mundi
1. Desde o triunfo da Revolução, em 1959, Cuba tem sido vítima de uma intensa campanha de terrorismo procedente dos Estados Unidos, com o objetivo de derrubar Fidel Castro. Segundo os arquivos de Washington, tornados públicos entre outubro de 1960 e abril de 1961, a CIA introduziu na ilha 75 toneladas de explosivos e 45 toneladas de armas. No espaço de sete meses, realizou 110 atentados com dinamite, fez explodir 200 bombas, descarrilou 6 trens, queimou 150 fábricas e desencadeou 150 incêndios nos canaviais. A CIA apoiou cerca de 300 grupos paramilitares com um total de 4 mil indivíduos.
2. Em 1971, a CIA usou armas químicas e biológicas contra Cuba, introduzindo a peste suína. Esse atentado provocou a morte de meio milhão de cabeças de gado, principal fonte de proteínas da ilha.
3. No dia 6 de outubro de 1976, Luis Posada Carriles e Orlando Bosch, antigos agentes da CIA, perpetraram o primeiro ato de terrorismo aéreo da história do continente americano e fizeram explodir em pleno voo um avião civil da Cubana de Aviación. No total, 73 pessoas perderam a vida, entre elas toda a equipe juvenil cubana de esgrima, que acabara de ganhar os jogos pan-americanos.
4. Orlando Bosch, já falecido, nunca foi julgado pelo atentado de Barbados, que custou a vida de 73 pessoas. Entretanto, não faltavam provas. Um relatório do Departamento de Justiça [dos EUA], dizia o seguinte: Orlando Bosch “expressou e demonstrou várias vezes uma vontade de provocar feridas e causar a morte de modo indiscriminado”. Joe Whitley, então vice-ministro de Justiça, destacou nesse relatório as razões pelas quais Bosch, que estava preso nos Estados Unidos por atacar com uma bazuca um barco polaco na baía de Miami, deveria ser deportado quando saísse da prisão. “A explosão do avião civil cubano, no dia 6 de outubro de 1976, era uma operação da CORU [Coordenação das Organizações Revolucionárias Unidas, por sua sigla em inglês, grupo anticastrista formado, entre outros, por Bosch e Posadas], sob a direção de Bosch”. Mas ele não foi deportado para Cuba como desejava Whitley. No dia 20 de julho de 1990, George W. Bush decidiu conceder-lhe perdão presidencial, atendendo o requerimento do lobby cubano de Miami. Pouco tempo depois, como forma de agradecimento, seu filho Jeb Bush foi eleito governador da Flórida.
5. Orlando Bosch nunca negou seu passado terrorista. No dia 5 de abril de 2006, Juan Manuel Cao, jornalista do Canal 41 de Miami, conversou com Bosch:
– Juan Manuel Cao: O senhor derrubou esse avião em 1976?
– Orlando Bosch: Se te digo que estava envolvido estaria me culpando e se te digo que não participei dessa ação, você me diria que sou mentiroso. Então não vou confirmar minha participação e tampouco vou negá-la.
– JMC: Nessa ação, 76 [na verdade 73] pessoas foram assassinadas.
– OB: Não, menino, na guerra que nós, cubanos que amamos a liberdade, travamos contra o tirano, é necessário derrubar aviões, é necessário afundar barcos, é necessário estar pronto para atacar tudo o que estiver ao seu alcance.
– JMC: O senhor não tem nenhum arrependimento pelos que morreram nesse atentado, por suas famílias?
– OB: Quem estava a bordo desse avião? Quatro membros do Partido Comunista, cinco norte-coreanos, cinco [na verdade onze] guianenses. Porra, menino! Quatro membros do Partido! Quem estava presente? Nossos inimigos!
– JMC: E os esgrimistas? E as crianças a bordo?
– OB: Estava em Caracas. Vi as crianças na televisão. Eram seis. Depois da competição, a capitã das seis dedicou seu triunfo ao tirano etc. Fez um discurso muito elogioso para o tirano. Já estávamos de acordo em Santo Domingo, qualquer pessoa que vem de Cuba e que glorifica o tirano deve correr os mesmos riscos que esses homens e mulheres que lutam contra essa tirania.
– JMC: Se tivesse de encontrar os familiares das vítimas, não seria difícil…?
– OB: Não, porque, no final das contas, os que estavam presentes tinham de saber que cooperavam com a tirania de Cuba.
6. Em 1981, a CIA introduziu em Cuba a dengue hemorrágica, um vírus estranho ao continente americano, que causou 344.203 vítimas e provocou a morte de 158 pessoas, entre elas 101 crianças.
7. Em 1997, uma onda de atentados terroristas golpeou a indústria turística cubana, com dezenas de vítimas. Fabio di Celmo, um jovem turista italiano, perdeu a vida na explosão de uma bomba no hotel Copacabana.
8. No dia 12 de julho de 1998, em uma entrevista para o New York Times, Luis Posada Carriles reivindicou a paternidade intelectual dos atentados de 1997. Segundo ele, o italiano “encontrava-se no lugar errado na hora errada”. Não expressou nenhum arrependimento. “Durmo como um bebê”. Posada Carriles nunca foi julgado por suas atividades terroristas e vive tranquilamente em Miami sob a proteção dos Estados Unidos, que se nega a julgá-lo e extraditá-lo para Cuba ou para a Venezuela, onde ele também cometeu crimes nos anos de 1970. Não obstante, o governo dos Estados Unidos reconhece “os importantes antecedentes criminais e de violência” de Posada Carriles, “nos quais morreram civis inocentes”, assim como o “perigo [que representa] para a segurança nacional dos Estados Unidos e para a comunidade”.
9. Não existe a menor dúvida sobre a culpabilidade de Posada Carriles. Além da entrevista ao New York Time e da declaração de Washington, os arquivos do FBI e da CIA, tornados públicos respectivamente em 2005 e 2006, classificam Posadas Carriles como “o pior terrorista do hemisfério”. Da mesma maneira, Posada reivindica abertamente sua trajetória terrorista em sua autobiografia Os caminhos do guerreiro.
10. Assim, de 1959 a 1997, os Estados Unidos realizaram não menos de 5.780 ações terroristas contra Cuba, que custaram a vida de 3.478 pessoas e incapacitaram outras 2.099. O próprio Fidel Castro foi vítima de 637 tentativas de assassinato.
11. A extrema direita de origem cubana, organizada e financiada pela CIA ao longo de décadas, preparou a grande maioria dessas agressões a partir da Flórida. Atuou com toda impunidade porque se beneficiou historicamente da proteção de Washington. No começo dos anos de 1990, frente ao recrudescimento dos atos terroristas, Cuba decidiu enviar vários de seus agentes para se infiltrarem nessas facções de exilados envolvidos na violência.
12. Esses agentes puderam impedir cerca de 170 atentados contra Cuba, informando a tempo as autoridades de Havana.
13. Em junho de 1998, o governo de Havana, depois de conseguir reunir um volumoso relatório sobre 64 pessoas envolvidas no terrorismo contra Cuba que viviam na Flórida, chamou importantes responsáveis do FBI. Os Estados Unidos se expressaram a respeito: “Em junho de 1998, depois de uma série de atentados e de ameaças de ataques a bomba contra cidadãos cubanos, uma equipe do FBI se reuniu em Havana com as autoridades cubanas. As conversas foram centradas nas acusações de que residentes estadunidenses teriam participado de uma conspiração terrorista vinculada a atentados a bombas. Naquela época, as autoridades cubanas e do FBI trocaram provas que deveriam ser analisadas em Washington D.C.”.
14. Até hoje, apesar das numerosas provas, nenhuma das 64 pessoas foi perturbada pelas autoridades estadunidenses.
15. Três meses depois, no dia 12 de setembro de 1998, depois de uma minuciosa investigação, o FBI prendeu cinco agentes cubanos infiltrados nas facções terroristas de Miami: René González Sehwerert, Ramón Labañino Salazar, Fernando González Llort, Antonio Guerrero Rodríguez e Gerardo Hernández Nordelo.
16. No dia 14 de setembro de 1998, a promotoria do Florida Grand Jury acusou os cinco de se infiltrarem em grupos terroristas. A acusação era legalmente insustentável. O júri retificou seu procedimento e apresentou 26 acusações. A primeira acusação refere-se a “uma conspiração para cometer crimes contra os Estados Unidos”, como agentes do governo cubano. A segunda expõe “uma conspiração para comunicar a Cuba informações relativas à defesa nacional dos Estados Unidos”. A terceira acusa Gerardo Hernández de um homicídio quádruplo doloso. Segundo a promotoria, ele seria diretamente responsável pelos acontecimentos de 24 de fevereiro de 1996, quando dois aviões da organização terrorista Hermanos al rescate foram derrubados pela segurança aérea de Havana, depois de violar várias vezes o espaço aéreo cubano.
17. Durante todo o julgamento, o promotor não foi capaz de apresentar qualquer prova dessas três acusações, negadas pela defesa.
18. As outras 23 acusações são menores e se referem ao uso de uma falsa identidade, ao fato de não se matricular como agente de uma potência estrangeira etc. A defesa reconheceu essas violações e invocou o “estado de necessidade”, que estipula que é possível ignorar a legislação se o objetivo é impedir a realização de um mal maior. Por exemplo, a invasão de um domicílio para apagar um incêndio constitui tecnicamente uma violação de propriedade, mas, uma vez que o objetivo é impedir que a casa se queime, a lei não persegue o autor da dita infração. A defesa admitiu que os 5 tinham violado a lei de um ponto de vista técnico, mas explicou que era necessário. Se os 5 tivessem revelado sua verdadeira identidade, não teriam podido infiltrar-se nas facções terroristas e impedir os atentados contra Cuba.
19. Como a promotoria não podia provar os atos de espionagem, decidiu acusar os 5 de se conspirarem para cometer atos de espionagem. Tal acusação não requer provas. Basta convencer o júri que, “para além de uma dúvida razoável”, eles são culpados.
20. Desde sua prisão até o dia 3 de fevereiro de 2000, isto é, durante 17 meses, os 5 estiveram confinados em celas de isolamento, longe dos demais detidos. Estiveram no “buraco” durante todo esse período sem comunicação exterior. Não obstante, o código penal dos Estados Unidos prevê o isolamento somente para indivíduos que cometeram crimes de sangue e somente durante um período máximo de 60 dias.
21. Durante o julgamento, a promotoria invocou a Lei de Procedimentos para a Informação Secreta e apresentou ao júri elementos contra os acusados. Ao mesmo tempo, proibiu a defesa de consultá-los e, por conseguinte, poder rebatê-las perante o Tribunal. Assim, 20 mil páginas de documentos foram usadas contra os 5, sem direito à réplica.
22. Consciente da fragilidade da acusação pela ausência de provas factuais, o promotor repetiu três vezes durante o julgamento que os 5 tinham chegado à Miami “para destruir os Estados Unidos”, sem reação da presidenta do Tribunal.
23. O julgamento aconteceu em Miami, cidade que os exilado cubanos, hostis ao governo de Havana, controlavam em todos os níveis (prefeitura, polícia, meios de comunicação etc.). Era, então, impossível qualquer veredicto imparcial. O Tribunal se negou a transferir o julgamento para Fort Lauderdale, a 23 quilômetros de Miami, violando a sexta emenda da Constituição dos Estados Unidos, que estipula que “em todos os processos criminais, o acusado terá direito a um julgamento rápido e público, por um júri imparcial do Estado e do distrito onde o crime houver sido cometido”. Da mesma maneira, a legislação judicial estipula que todo acusado tem direito de pedir o traslado de seu julgamento a outra cidade ou distrito, se o Tribunal considera que o lugar onde o julgamento será conduzido está manchado de preconceitos contra os réus. Essa regra não foi respeitada.
24. Antes do começo do julgamento, uma violenta campanha midiática foi lançada contra os 5. Segundo a investigação realizada pelo psicólogo Garry Morgan no condado de Miami-Dade, a pedido da defesa e do Tribunal, 69% das pessoas confessaram não poderem ser justas e imparciais no caso de serem nomeadas membros do júri.
25. Por outro lado, os documentos federais revelaram que o governo dos Estados Unidos financiou vários jornalistas de Miami – 44 no total – para que eles publicassem matérias negativas sobre os 5 e sobre Cuba. Isso, além de constituir uma grave violação da ética jornalística, influenciou o júri. Assim, durante os 194 dias que separam o momento de sua prisão, em setembro de 1998, e a data de sua condenação, em dezembro de 2001, o Miami Herald (305), e o Nuevo Herald (806), os dois principais diários de Miami, publicaram um total de 1.111 matérias – todas hostis – sobre o caso dos 5, ou seja, uma média de 5 por dia.
26. Os jurados foram ameaçados de morte se absolvessem os acusados, como mostram várias matérias da imprensa local. Assim, segundo uma reportagem do Nuevo Herald, intitulada, “Medo de ser jurado no julgamento de espiões”, de 2 dezembro de 2000, “o medo de uma reação violenta por parte do exilados cubanos, se um jurado decide absolver os cinco homens acusados de serem espiões dos regime da ilha, levou numerosos candidatos potenciais a pedir à juíza que os dispensassem de seu dever cívico”. Um membro do júri declarou: “Sim, tenho medo por minha segurança se o veredicto não for do agrado da comunidade cubana”.
27. As transcrições dos minutos do julgamento demonstram também que os 5 não podiam, de nenhuma maneira, ter um veredicto justo e imparcial. A mesma juíza Joan A. Lenard, que presidiu o caso, se queixou da presença de cinegrafistas e de provocadores diante das portas do Tribunal, que intimidavam os jurados. As câmeras os perseguiam até seus carros e as placas eram filmadas. Os membros do júri expressaram sua preocupação para a juíza, que fez um relatório a respeito: “Estão preocupados porque se sentem sob pressão e filmados”.
28. Os argumentos que demonstram que os 5 não tinham realizado atividades de espionagem não foram apresentados pela defesa, mas por altos militares estadunidenses: o contra-almirante da Marinha de Guerra dos Estados Unidos, Eugene Carroll, o general-de-divisão do Exército dos Estados Unidos, Edwards Breed Atkeson, e o tenente-general das Forças Aéreas dos Estados Unidos, James R. Clapper. Para justificar a acusação de “conspiração para realizar atos de espionagem”, o promotor se valeu do fato de que Antonio Guerrero trabalhava em uma oficina de metalúrgica na base de treinamento do exército em Boca Chica. A defesa interrogou os militares:
– Pergunta para Eugene Carroll sobre Boca Chica: “Que informação sobre a tática e os treinamentos da Marinha de Guerra dos Estados Unidos poderia ser útil ao Exército Cubano?
– Resposta: “Nenhuma que eu saiba”
– Perguntas para o General Atkeson: “Há diferença entre nossa relação com o Pacto de Varsóvia e a União Soviética na Europa e nossa relação com Cuba?”
– “Sim, há diferenças”.
– “Quais são essas diferenças?”
– “Os cubanos não constituem uma ameaça para nós” – Assim, Atkeson desmentiu as acusações do promotor (“Vieram para destruir os Estados Unidos”).
– “Qual é a relação entre o temor de ser atacado e a busca por informações?”
– “Penso que utilizam seus serviços de inteligência para descobrir se realmente nos preparamos para atacá-los.”
– “No exame que o senhor realizou dos documentos, encontrou documentos classificados como secretos?”
– “Não”.
– “Encontrou instruções para agentes buscarem documentos que possam prejudicar os Estados Unidos?”
– “Não.”.
– Perguntas para Clapper: “O senhor está de acordo em dizer que o acesso a uma informação não constitui ato de espionagem?”
– “Sim”.
– “O senhor, com sua experiência em inteligência, classificaria Cuba como uma ameaça militar para os Estados Unidos?”
– “Não, em absoluto. Cuba não representa uma ameaça.”.
– “Encontrou alguma prova que indique que Gerardo Hernández tentava conseguir informações secretas?”
– “Que eu me lembre, não”.
– “Em vez disso, o que o senhor descobriu é que ele pediu a alguém que conseguisse informações públicas, não é verdade?”
-“Sim”.
29. O FBI também confirmou à imprensa que os segredos militares estadunidenses nunca estiveram em perigo. O Pentágono interveio e garantiu que não dispunha de nenhum indício de que os 5 tiveram acesso a informações classificadas como secretas ou sensíveis.
30. Quanto a Hernández, acusado de assassinato, o promotor reconheceu que “vistas as provas apresentadas durante o julgamento, demonstrar o envolvimento de Gerardo Hernández representa um obstáculo impossível para os Estados Unidos”. Não obstante, a promotoria certifica que o avião de Hermanos al Rescate foi derrubado no espaço aéreo internacional, o que constituiria um grave crime. Agora veja, a publicação das imagens de satélite que estão à disposição dos Estados Unidos permitiria elucidar esse caso e indicar, sem dúvida, se o avião estava no espaço aéreo cubano ou internacional, e, então, confirmar ou não a culpabilidade de Gerardo Hernández, acusado de informar Cuba sobre a incursão aérea. Não obstante, desde 1996, Washington se nega e publicar essas imagens, alegando uma questão de segurança nacional, sendo que a Organização Civil Internacional, encarregada da investigação, a solicitou várias vezes.
31. Apesar da confissão do promotor e da ausência de provas, todos os membros do júri declararam Gerardo Hernández culpado de assassinato premeditado, sem fazer nenhuma pergunta ao acusado ou à promotoria. Não exigiram o menor esclarecimento a respeito. Os jurados escutaram um total de 74 testemunhas, entre elas 43 contra os acusados. Apesar de um relatório de várias dezenas de milhares de páginas, várias dezenas de milhares de acusações, deliberaram em algumas horas e inclusive anunciaram de antemão o dia e a hora exata da publicação do veredicto. Ricardo Alarcón, antigo presidente do Parlamento Cubano, enfatizou essa anomalia: “Não se pode anunciar uma hora precisa para publicar um veredicto! É algo impossível já que ninguém sabe quanto tempo durarão as deliberações, a menos que o caso esteja decidido de antemão. Além disso, trata-se do julgamento mais longo da história da justiça estadunidense”.
32. Os 5 foram severamente condenados. Gerardo Hernández Nordelo recebeu duas condenações perpétuas mais 15 anos. Ramón Labañino Salazar foi condenado à reclusão perpétua mais 18 anos. Antonio Guerrero Rodríguez, à prisão perpétua mais 10 anos. Fernando González Llort foi condenado a 19 anos de prisão e René Gonzalez Sehwerert a 15. No total, os 5 foram sentenciados a quatro prisões perpétuas mais 77 anos.
33. A título de comparação, Antonio Guerrero, que não teve acesso a nenhum documento secreto, foi condenado à mesma prisão perpétua que Richard Amis, o mais famoso espião da história dos Estados Unidos, que durante anos roubou milhares de documentos secretos e os vendeu à União Soviética.
34. A juíza Lenard reconheceu que René González, condenado a 15 anos de prisão por não se registrar como agente de uma nação estrangeira no Departamento de Estado, tinha se infiltrado em facções violentas para evitar futuros ataques contra Cuba: “O terrorismo, seja ele cometido contra inocentes nos Estados Unidos ou em Cuba, em Israel ou na Jordânia, na Irlanda do Norte ou na Índia, é maléfico e mau. Mas os atos terroristas dos demais não podem desculpar a conduta equivocada e ilegal deste acusado nem de nenhum outro”.
35. Assim, além de condenar os 5 a longas penas de prisão, o Tribunal teve o cuidado de proteger as facções violentas da Flórida vinculadas com o terrorismo contra Cuba. A promotoria fez um discurso bastante insólito. Além da pena de 15 anos de prisão contra René González, exigiu que fosse imposta a ele uma sanção de três anos de liberdade condicional depois de expressar sua “preocupação com o fato de esse acusado, depois de cumprir sua pena, retome suas atividades”. A juíza aceitou o pedido e impôs a seguinte restrição a González: “Como condição especial, além da sua liberdade condicional, o condenado está proibido de se associar com indivíduos ou grupos tais quais os terroristas, os membros de organizações que preconizam a violência e figuras do crime organizado, ou visitar os locais específicos que eles frequentam”. Assim, a juiz Lenard admitiu a existência de grupos terroristas em Miami, sem atuar contra eles.
36. Em 2003, a defesa lançou o processo de apelação na Corte de Atlanta.
37. Em 27 de maio de 2005, o Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias das Nações Unidas declarou que a detenção dos 5 era arbitrária e que violava o Direito Internacional.
38. No dia 9 de agosto de 2005, a Corte de Apelação do 11º Circuito de Atlanta anulou o julgamento de primeira instância e reconheceu que não se tratava de um caso de espionagem nem de um atentado contra a segurança nacional.
39. A promotoria da Flórida apelou da decisão da Corte de Apelação de Atlanta. Pela primeira vez na história da Justiça dos Estados Unidos, uma Corte de Apelação decidiu voltar a revisar seu próprio julgamento. Normalmente, o caso segue para a Corte Suprema, mas, depois de pressões políticas, o Tribunal aceitou ouvir de novo as duas partes, no dia 14 de fevereiro de 2006.
40. No dia 2 de setembro de 2008, a Corte de Apelação de Atlanta confirmou as sentenças de Gerardo Hernández e René González e invalidou as penas de Antonio Guerrero, Fernando González e Ramón Labañino. Na dita ocasião, a Corte reconheceu outra vez que os acusados não tinham transmitido nenhum documento secreto ou informação sobre a defesa nacional e invalidou a acusação de “conspiração para cometer atos de espionagem”. Por outro lado, em um documento de 16 páginas, Phyllis Kravitch, um dos três juízes da Corte de Apelação, afirmou que o governo dos Estados Unidos não tinha proporcionado os elementos de prova necessários para sustentar a acusação de “conspiração para cometer um assassinato” contra Gerardo Hernández.
41. No dia 15 de junho de 2009, a Corte Suprema fez conhecer sua decisão de não estudar o caso dos 5, sem dar explicações, apesar dos argumentos usados pela defesa, e apesar de 12 petições Amicus Curiae (amigos da Corte), instrumento que permite que personalidades e instituições jurídicas ou assembleias legislativas façam solicitações à Corte Suprema dos Estados Unidos sobre um caso. Trata-se da mais importante petição Amicus Curiae da história dos Estados Unidos. Entre esses Amicus Curiae, encontravam-se 10 prêmios Nobel: Jose Ramos-Horta, Wole Soyinka, Adolfo Pérez Esquivel, Nadine Gordimer, Rigoberta Menchú, José Saramago, Zhores Alferov, Dario Fo, Günter Grass e Máiread Corrigan Maguire.
Nos Estados Unidos, a National Association of Criminal Defense Lawyers, os Cuban-American Scholars, a Iberoamerican Federation of Ombudsmen, o National Jury Project, o William C. Velazquez Institute e a Mexican American Political Association, o National Lawyers Guild e a National Conference of Black Lawyers, a Civil Right Clinic da Howard University School of Law, a International Association of Democratic Lawyers, a Florida Association of Criminal Defense Lawyers-Miami Chapter, o Center for International Policy e o Council on Hemispheric Affairs também fizeram petições à Corte. A isso se somam as petições de Mary Robinson, antiga presidenta da Irlanda e Alta Comissária dos Direitos Humanos das Nações Unidas entre 1997 e 2002, do Senado mexicano por unanimidade, todas as tendências políticas, da Assembleia Nacional do Panamá, de 75 membros do Parlamento Europeu, de 56 parlamentares canadenses e de mais de uma centena de parlamentares britânicos, entre outros.
42. No dia 13 de outubro de 2009, o Tribunal da Flórida, obrigado pela Corte de Apelação de Atlanta a modificar as sentenças de 3 dos 5, tornou públicas as novas sentenças. Assim, a pena de Antonio Guerrero passou de perpétua mais 10 anos a 21 anos mais 5 de liberdade condicional. No dia 8 de dezembro de 2009, Fernando González viu sua sentença passar de 19 anos para 17 anos e 9 meses. No caso de Ramón Labañino, sua sentença de prisão perpétua mais 18 anos foi rebaixada para 30 anos de prisão.
43. No dia 14 de junho de 2010, a defesa entrou com um processo de apelação de habeas corpus para Gerardo Hernández. Trata-se do último recurso legal possível no sistema judicial estadunidense. Essa apelação é baseada em dois aspectos. Primeiro, a promotoria não apresentou nenhuma prova para a acusação de “conspiração para cometer um assassinato”. Assim, o acusado não foi beneficiado por um julgamento imparcial pela atmosfera hostil de Miami e, sobretudo, porque tinha sido descoberto que o governo dos Estados Unidos pagou jornalistas locais para difundir notícias negativas sobre Cuba e os 5. Até hoje, o Tribunal não tomou sua decisão.
44. Os familiares dos 5 sofreram vários casos de tortura psicológica e moral. Adriana Pérez O’Conor, esposa de Gerardo Hernández, não pôde visitar seu marido desde 1998. No dia 25 de junho de 2002, conseguiu um visto para exercer seu direito de visita em Los Angeles, onde Hernández estava. Mas, ao chegar aos Estados Unidos, o FBI a prendeu, a interrogou por 11 horas a expulsou para Cuba, sem que ela pudesse voltar a ver seu marido.
45. Para impedir as visitas consulares dos 5, eles estão em penitenciárias diferentes nos quatro cantos do país.
46. No dia 7 de outubro de 2011, René González saiu da prisão depois de cumprir sua pena. Como foi também condenado a 3 anos de liberdade condicional por causa de sua nacionalidade estadunidense, ficou nos Estados Unidos. Em maio de 2013, a juíza Lenard aceitou seu pedido de voltar a Cuba, desde que ele renunciasse a sua cidadania estadunidense, o que ele fez.
47. Wayne S. Smith, embaixador dos Estados Unidos em Cuba entre 1979 e 1982, expressou seu ponto de vista sobre este caso: “Desde sempre, os cinco, Gerardo Hernádez, Luis Medina, Antonio Guerrero, René González e Rubén Campa eram membros dos serviços de inteligência cubanos. Entretanto, [não] foram mandados para os Estados Unidos para espionar o governo americano, suas instalações ou seus funcionários, mas para se infiltrarem nas organizações dos exilados cubanos que mantinham atividades terroristas contra Cuba. A ideia naquela época era, uma vez reunidas as provas, convidar representantes do FBI para que fossem a Cuba, e entregar a eles o relatório, com a esperança de que os Estados Unidos tomassem as medidas necessárias para impedir essas atividades. De acordo com esse plano, em junho de 1998, representantes do FBI foram convidados a ir a Cuba e se reuniram com seus pares cubanos.
Em seguida, regressaram aos Estados Unidos com 64 relatórios sobre as atividades dos exilados. Os cubanos esperavam que os Estados Unidos tomassem medidas para deter essas atividades. Esperaram em vão. Não se tomou nenhuma providência. Ao contrário, alguns meses mais tarde, aparentemente graças aos documentos que foram entregues pelos cubanos, o FBI prendeu os cinco cubanos e, em 2001, os submeteu a um julgamento totalmente manipulado no qual o sentimento anticastrista era efetivamente tão forte que era impossível reunir um júri imparcial […]. A promotoria foi incapaz de apresentar qualquer prova de que os cinco estavam envolvidos em atividades de espionagem ou outros crimes (salvo o fato de serem agentes não declarados de uma potência estrangeira)”.
48. O coronel Lawrence Wilkerson, antigo chefe do Estado Maior do gabinete do ex- secretário de Estado Colin Powell (sob a administração Bush) também se expressou a respeito: “Esse caso leva o prêmio: castigar com prisão perpétua homens que vieram aqui para determinar como e quando seu país seria atacado por pessoas que violam as leis norte-americanas. Esses homens estavam desarmados, não tentaram cometer nenhum dano físico aos Estados Unidos, e seus motivos eram proteger seus concidadãos de uma invasão e de reiterados ataques por parte de cubanos-americanos que vivem na Flórida. E devemos nos perguntar também como é que nos tornamos um refúgio para supostos terroristas? Como é que nós —os Estados Unidos da América— podemos ter uma posição na nossa própria lista de Estados patrocinadores do terrorismo?”.
49. Pela primeira vez, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas condenou um julgamento dos Estados Unidos e apontou que o “clima tendencioso e preconceituoso contra os acusados” era tal que era impossível para um tribunal de Miami dar prova da “objetividade e da imparcialidade necessárias para cumprir suas obrigações de um juízo equitativo”. A Anistia Internacional considera também que os 5 não se beneficiaram de um julgamento imparcial.
50. O caso dos 5 ilustra os dois pesos e as duas medidas que os Estados Unidos aplicam em sua “luta contra o terrorismo”. Não obstante, parece também que os meios de comunicação ocidentais não apenas censuram esse escândalo judicial e político, ignoram a história do terrorismo contra Cuba, senão também absolvem midiaticamente Luis Posada Carriles, o mais perigoso terrorista do hemisfério americano segundo o FBI, se negando a classificá-lo como terrorista.
Preferem outros termos, tais como “militante”, “militante cubano”, “militante anticastrista”, “exilado cubano”, “exilado anticastrista”, “militante anticomunista”, “anticomunista”. Assim, os meios ocidentais aceitam, assimilam e promovem a doutrina do “bom e do mau terrorista” que Washington elaborou, e parecem dispostos a aceitar tacitamente e justificar um tipo de violência e denunciar o que qualificam de terrorismo arbitrário. O matiz varia de acordo com a vítima. Se é ocidental – mais precisamente se é originário de um país desenvolvido –, seus responsáveis são, com razão, criminais sem fé nem lei. Quando é do Terceiro Mundo, cubana, por exemplo, se transformam em “militante”, “militante cubano”, “militante anticastrista”, “exilado cubano”, “exilado anticastrista”, “militante anticomunista” ou “anticomunista”.
*Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor titular da Universidade de La Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e os Estados Unidos. Seu último livro se intitula Cuba. Les médias face au défi de l’impartialité, Paris, Editions Estrella, 2013, com um prólogo de Eduardo Galeano.
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Fonte: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/babel/32141/50+verdades+sobre+el+caso+de+los+5.shtml