Nem presos comuns, nem presos políticos
Existem no Brasil cerca de 500 mil presos, o que corresponde à quarta população carcerária do mundo, ficando atrás dos EUA, China e Rússia. A maior parte destes presos encontra-se em presídios superlotados (no Brasil estima-se que a ocupação estaria 66% acima da capacidade dos presídios) e com péssimas condições, o que leva a inúmeras enfermidades e, muitas vezes, à morte.
A Lei de Execuções Penais estabelece que cada preso ocupe seis metros quadrados, mas o que ocorre é que este espaço acaba se tornando algo em torno de 70 cm2 apenas! A população carcerária também é formada por pessoas que aguardam julgamento encarceradas, muitas das quais continuam presas mesmo depois de concluídas suas penas, além de carecerem até de acompanhamento jurídico básico.
Nós do PCB sabemos que isto é o resultado de uma política de segurança pública que se guia pelo rigor penal e pelo encarceramento, que ignora as verdadeiras raízes do fenômeno da criminalidade, consequência direta das profundas desigualdades sociais, do grau absurdo de concentração da riqueza e das precárias condições de vida de grande parte da população.
Soma-se a isso a crescente mercantilização da vida em todas as esferas, o que transforma o crime, também, numa empresa monopolista cujos chefões se escondem nos estratos da elite econômica e política, arregimentando, junto às camadas proletárias, os varejistas contratados para gerir e operar seus negócios milionários.
A situação dos réus da Ação Penal 470 é profundamente distinta. Primeiro porque, por interesse dos próprios réus, foi avocado o privilégio do Foro Especial para que fossem julgados no Supremo Tribunal Federal, onde tiveram ampla possibilidade de impetrar recursos para se defenderem, o que contrasta de forma brutal com a situação da maioria daqueles que caem nas malhas do sistema judiciário brasileiro. Confiava-se que este espaço lhes seria mais favorável por dois motivos essenciais. Primeiro, porque Lula foi o presidente que mais indicou ministros para o STF – no total de oito indicações, inclusive a de Joaquim Barbosa. Junto com Dilma, o ex-presidente da República indicou a maioria dos onze componentes do tribunal que acabou julgando a Ação 470. Segundo, porque acreditavam que as práticas realizadas, ainda que não licitas, sejam comuns no presidencialismo de coalizão que sempre reinou na república brasileira, práticas estas que foram fartamente utilizadas por todas as forças políticas que os antecederam.
O resultado desfavorável comprova que houve uso político do julgamento, forçando os limites da lei para resultar em condenações desproporcionais, mas simbólicas, a serem utilizadas como arma nas disputas políticas entre os dois grandes partidos do bloco conservador no Brasil: o PT e o PSDB.
Isto, no entanto, não os transforma em presos políticos. Ainda que não sejam simples presos, até pelos privilégios que gozaram no julgamento e no cumprimento das penas, não são presos políticos. Não foram envolvidos em uma ação penal quando organizavam a luta dissidente contra a ordem do capital e o domínio político burguês, a exemplo daqueles que combateram os regimes ditatoriais implantados em nosso país e foram perseguidos por se colocarem na oposição aos ditadores de plantão, que atuavam a mando da classe dominante. Presos políticos são os ativistas presos por se manifestarem abertamente contra a ordem burguesa.
Os réus da Ação Penal 470, pelo contrário, foram julgados pelo envolvimento em um enorme esquema de desvio de dinheiro público para operar a governabilidade pela via do favorecimento dos partidos aliados (mensalmente ou não é um mero detalhe), que resultou na aprovação da Reforma da Previdência (contra os interesses dos trabalhadores), na aprovação dos transgênicos, do Código Florestal e de tantas outras iniciativas que nem de perto atacam a ordem burguesa, pelo contrário, a favorecem e fortalecem.
Além de Romeu Queiroz (PTB), que já está na Penitenciária da Papuda (hoje um anexo do Congresso Nacional), há vários outros já condenados no mesmo processo que serão presos em breve, como o delator do esquema, Roberto Jefferson (também do PTB), e mais cinco parlamentares de outras legendas, como os atuais PP e PR, todos da eclética fauna política que dá sustentação ao governo.
Pergunta-se: estes também serão considerados presos políticos pelo PT? Haverá solidariedade a esses aliados comprados a peso de ouro?
Da mesma forma que o PT acredita na neutralidade do Estado, acreditou na neutralidade da justiça e está pagando o preço por isso e pela forma como optou por sustentar sua governabilidade. O PT acreditou que, por operar da mesma forma que os governos anteriores, isto o protegeria, e agora só lhe resta lamentar que outros esquemas igualmente corruptos e ilegais como os do PSDB não tenham sido apurados. Entretanto, o próprio governo petista fez a sua parte ao não denunciar as irregularidades do governo anterior, jogando para debaixo do tapete toda a sujeira do período FHC, como os escândalos da compra de votos para a aprovação da reeleição, as privatizações das telecomunicações e da Vale do Rio Doce. Beneficiou-se, enfim, dos mesmos métodos usados para buscar governabilidade no seio de uma aliança conservadora com os partidos que expressam o que há de pior na política brasileira.
Desta maneira, o PCB reafirma a certeza de que vivemos em um país no qual se opera uma justiça de classe contra os oprimidos, no quadro de um Estado Burguês que não hesita em torcer os limites do legal para adequar a ordem jurídica aos seus interesses, como fica cotidianamente comprovado nas favelas e bairros pobres deste país, de onde vem a esmagadora maioria daqueles que vão parar no sistema carcerário.
Reiteramos nossa solidariedade para com todos os presos políticos existentes hoje no Brasil, que não são os réus da Ação Penal 470, mas os militantes e ativistas presos (alguns mortos pelo aparato repressor como Amarildo) durante e depois das manifestações de massa deste ano, sequestrados em suas casas ou nas ruas e acusados de formação de quadrilha, enquadrados na Lei de Segurança Nacional ou na Lei das Organizações Criminosas, quando exerciam seu direito legítimo e inquestionável de protestar contra a ordem do capital. Da mesma forma que empenhamos nossa solidariedade para com as vítimas e familiares daqueles que todos os dias são perseguidos, atacados e assassinados nas periferias das grandes cidades, na luta pela terra ou em defesa dos povos indígenas, quilombolas e outros grupos sociais.
Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Comitê Central – novembro de 2013