VENEZUELA: O CONTRA ATAQUE MAIS EFICAZ

Na Venezuela está sendo decidido o futuro do processo bolivariano e, em certa medida, o curso da onda para a segunda independência continental e as transformações democráticas pós-neoliberais. Para isso, se faz necessário aprofundar a análise do que acontece nesse país irmão e nas opções que poderiam cortar pela raiz as recorrentes ofensivas contrarrevolucionárias de corte fascista e conjurar os riscos de uma virada favorável às direitas no terreno eleitoral.

É preciso olhar para além da curva e deste momento crítico, uma sucessiva cadeia desgastante e cada vez mais difícil de lidar que a anterior.

Por isso, entendo que é preciso ir às causas estruturais das sucessivas crises conjunturais. Às raízes do problema agravado e não apenas aos ramos que ocultam o bosque e impedem golpear na medula da subversão contrarrevolucionária.

E, seguindo esta linha de reflexão, penso que o necessário contra ataque revolucionário, ao invés de dirigido às massas de estudantes, setores das camadas médias e frágeis militantes políticos, ganhos pelo neofascismo, deveria, fundamentalmente, investir na forma bem pensada e planejada contra o grande capital, suas empresas e corporações, seus poderosos e mentirosos meios de comunicação, seus bancos, suas empresas importadoras, sua apropriação do mercado, seus latifúndios, seus anti-valores, suas universidades e colégios, sua cultura, sua ideologia…

Assim, dessa grande matriz, da burguesia transnacional e da grande burguesia dependente, emana o alimento espiritual e material da contrarrevolução, do fascismo em auge, da guerra econômica (desabastecimento, sabotagem interna, paralisações induzidas, roubo e desvio monetário, suborno à burocracia inescrupulosa, especulação…), da perversa guerra midiática, o paramilitarismo, a violência nas ruas e a conspiração militar sob a tutela da CIA, Pentágono, MOSSAD.

Muito se tardou em resolver esse grande problema.

A esse monstro – além de feri-lo com o resgate da soberania, a recuperação e redistribuição equitativa da renda petroleira, os programas sociais, a tomada do Estado em nome do popular, o anti-imperialismo, a criação da ALBA e da CELAC, as defesas anticapitalistas e pró-socialistas – é preciso promover, inteligentemente, sua ruptura visceral, é preciso expropriá-lo progressivamente, é preciso debilitá-lo social e politicamente até obter seu enfraquecimento no cenário nacional e reduzir ao máximo sua capacidade de trazer danos maiores de fora.

Não existe outra forma de desestimular definitivamente as velhas e as novas direitas políticas – transmutando-se cada vez mais em extremas direitas neonazistas –, senão enfraquecer a base da desestabilização e corroer o fascismo inoculado, utilizando o temor à hegemonia do popular, do proletário, do herege… (negro, mulato, sambo, indígena…), situados nas elites e setores médios acomodados e conservadores que escolheram Leopoldo López como líder da sedição violenta e Capriles como sua eventual opção eleitoral, ambos fichas de um imperialismo fascistóide.

Esgotamento da convivência do processo com a grande burguesia privada.

Parece esgotar-se a coexistência desse grande Estado distribuidor de uma enorme receita petroleira (com certo espírito de justiça e grande sentido nacional e latino-caribenho), com essa poderosa burguesia privada e dependente que foi deslocada dele, porém não liquidada; que inclusive se expandiu em conluio com a velha e a nova burocracia, e que ambiciona – junto à voracidade imperial – recuperar o Estado e sua volumosa receita real e potencial para extinguir todo o conquistado e engordar muito mais.

Esse Estado – herdado do passado e refundado em certa medida sob a liderança de Chávez para sentar as bases de uma democracia participativa e integral, e inclusive para legislar brilhantemente como o fez na direção ao criar o poder popular e comunal – ao seguir-se reproduzindo apenas na lógica de intervenção estatal e rentista petroleira, continuou se burocratizando.

Além disso, guardou em seu seio uma significativa e desgastante corrupção compartilhada por uma parte de seus novos gestores, se conformou com as enormes receitas do petróleo, engessou-se em si mesmo e em sua extraordinária capacidade de gastar para bem e para esbanjar, e descuidou-se de criar um modelo produtivo num período de forte consumismo e aumento do volume e dos preços das importações. Gastou muito além da conta em investimentos não reprodutivos.

Esse Estado bolivariano, a partir de uma liderança de profundo apelo popular, foi empregado para além da construção do partido da revolução ansiada (PSUV) e terminou fundindo-se com ele e burocratizando-o em boa dimensão junto a uma parte das organizações sociais alimentadas com seu paternalismo.

O modelo econômico, político, social e cultural resultante desses processos, está em crise e sob um intenso bombardeio desestabilizador.

Mais ainda, parece estar esgotando-se progressivamente, em certa medida presos em suas contradições e naquelas geradas em toda sociedade ao conviver com um capitalismo privado forte, agressivo e entroncado com a estratégia contrarrevolucionária imperialista.

Sua popularidade original diminui tendencialmente, com certas oscilações, embora ainda tenha bastante apoio, como demonstrado nas últimas eleições (mais nas municipais e dos estados, que nas presidenciais) e como se evidencia agora nas convocatórias em meio a esta crise. Sobretudo, porque enquanto ele encarna a pátria soberana, a oposição representa recolonização.

A tarefa atual e o imperioso “golpe de timón” de Chávez.

 

De toda maneira, é muito perigoso persistir em sua continuidade tal como tem evoluído e retrocedido esse modelo e todo o sistema estabelecido. Penso que o Comandante Chávez captou o perigo, que agora é maior, quando precedido do ALÓ PRESIDENTE AUTOCRÍTICO na apresentação do PLANO DA PÁTRIA, instou o GOLPE DE TIMÓN nestes e em outros termos:

Não nos enganemos: a formação socioeconômica que, todavia, prevalece na Venezuela é de caráter capitalista e burguês. Certamente, o socialismo apenas começou a implantar seu próprio dinamismo interno entre nós. Este é um programa precisamente para afiançá-lo e aprofundá-lo, direcionado para uma radical supressão da lógica do capital, que deve ser cumprido passo a passo, porém sem diminuir o ritmo do avanço para o socialismo.

Este é um programa que busca transpor a ‘barreira do não retorno’.

Para explicá-lo, conforme Antonio Gramsci, o velho deve terminar de morrer definitivamente para que o nascimento do novo se manifeste em toda sua plenitude.

A coerência deste Programa de Governo responde a uma linha de força do todo decisiva: nós estamos obrigados a transpor a barreira do não retorno, a fazer irreversível o caminho para o socialismo...

Para avançar para o socialismo, necessitamos de um poder popular capaz de desarticular as tramas da opressão, exploração e dominação que subsistem na sociedade venezuelana, capaz de configurar uma nova sociabilidade a partir da vida cotidiana, onde a fraternidade e a solidariedade casem com a emergência permanente de novos modos de planejar e produzir a vida material de nosso povo. Isto passa por pulverizar completamente a forma do Estado burguês que herdamos, o qual ainda se reproduz através de velhas e nefastas práticas e dar continuidade à invenção de novas formas de gestão política”.

Essa virada para um novo modelo – tomara estar equivocado – é quase impossível de ser feita formalmente a partir do Estado atual, muito menos convivendo e dialogando com o mundo do grande capital hostil.

Em tais circunstâncias, esse Estado, embora tenha capacidade de autodefesa se desgastando; não parece ter determinação para passar à ofensiva contra o grande capital, superar sua própria burocracia e sua lógica de coexistência com o grande capitalismo privado, que se apresenta ao enfrentamento com mais força que antes, visando romper o equilíbrio e assaltar todo o poder. Menos possível ainda fazê-lo depois da morte física de Chávez que, com sua enorme liderança, podia até destruir a pesada máquina estatal e, inclusive, subvertê-la.

Em termos de Estado-governo, também com oscilações, ainda reiterando o discurso socialista, permanece evidenciando uma tendência de inclinar-se a favor do modo capitalista ao abordar a crise econômica atual (desvalorizações, políticas monetaristas, pactos com um empresariado supertrapaceiro e, em grande parte, fascistóide, complacências consumistas, indecisões em penalizar os lucros capitalistas e controle cambial e recursos econômicos nas mãos do capital privado…).

Não é que dentro desse Estado não existam setores e líderes revolucionários/as capazes de entender e executar o testamento de Chávez, agora com caráter de mandato imperioso. Existem a nível civil e militar.

Apenas me refiro aos limites do conjunto institucionalizado e da ideologia que o hegemoniza, o que é ressaltado concretamente vemos, observando o Estado e o partido hegemônico, que realmente “a formação socioeconômica que ainda prevalece na Venezuela é de caráter capitalista e burguêse, ao mesmo tempo, evadem tanto a necessidade de “uma radical supressão da lógica do capital que deve ser cumprida passo a passo”, como o critério de que “isto passa por pulverizar completamente a forma de Estado burguês que herdamos, o qual ainda se reproduz através de suas velhas e nefastas práticas, e dar continuidade à invenção de novas formas de gestão política”.

Agora, mais que antes, é imperioso entender a necessidade e modalidade possível da nova mudança revolucionária, da revolução dentro do processo bolivariano estanque e em declínio. Da grande virada.

Isto é: a ruptura definitiva com a medula capitalista do sistema, a consciência de que os pactos com seus componentes são mortais e que as tentativas de pacificá-los persuasivamente são infundadas.

Para evitar a derrota do processo é imprescindível a passagem a uma ofensiva bem pensada contra o grande capital. Portanto, um novo modelo que implique planejamento democrático e participativo, socializar o privado que está nas mãos da grande burguesia transnacional e local, e transferir grande parte do poder do Estado às comunas, ao poder popular, para dar corpo à diversificação da produção dentro de uma lógica não capitalista, bem mais comunal, associativa, cooperativa, coletiva, com autogestão e cogestão operária e popular.

O que Chávez no texto já citado definiu como “um poder popular capaz de desarticular as tramas da opressão, exploração e dominação que subsistem na sociedade venezuelana, capaz de configurar uma nova sociabilidade a partir da vida cotidiana, onde a fraternidade e a solidariedade casem com a emergência permanente de novos modos de planejar e produzir a vida material de nosso povo”.

Isto, nestas condições, exige pressionar e atuar desde baixo e de dentro na direção à expropriação e à socialização, não simplesmente estatizar meios fundamentais de produção, distribuição, serviços, comunicação, educação, saúde, cultura e poder…, mas estimular as massas civis, militares e milicianas revolucionárias a executar esse “golpe de Timon”, contragolpe do povo e a dar supremacia ao poder popular e cidadão.

E é preciso fazê-lo medindo bem as consequências, selecionando bem as áreas a expropriar e socializar, graduando os passos a serem dados, delimitando as formas de propriedade e gestão e as novas associações, definindo o que corresponde às pequenas e médias empresas privadas, prevendo as sanções e bloqueios imperiais, estabelecendo um orçamento racional das rendas e uso de câmbios, prevendo a substituição das fontes de abastecimentos externos e os novos convênios comerciais que impeçam a paralisia do socializado e os desabastecimentos por outras causas.

Porém, é necessário começar a fazê-lo sem perda de tempo, ampliando a democracia e o poder a partir de baixo com a presença das novas vanguardas revolucionárias, superando sua dispersão e suas limitações para articular a diversidade que a virada anseia.

Motivando os/as trabalhadores/as e o povo pobre a criar todo o novo, a romper a lógica consumista, exploradora, patriarcal, racista e adulto-cêntrica do capitalismo, a superar a mercantilização da vida na sociedade, a dar força aos mecanismos de autogestão, ao controle e cogestão operária e popular, e a superar o paternalismo e parasitismo estatal.

Motivando os jovens, professores/as, intelectuais, artistas, cientistas, os mais próximos e os mais distantes, a apropriarem e gerirem um novo sistema educacional e cultural, e a inovar a partir dele.

Estimulando as mulheres em geral a exercer o poder e derrotar o machismo.

Assumindo o internacionalismo revolucionário em todas suas vertentes.

Tudo isso parecia impossível, porém é hora de reagir apropriando-nos da lógica guevarista de “fazer possível o impossível”, ativando as enormes reservas acumuladas em nossa sociedade.

O contrário é perecer, em maior ou menor prazo, com terríveis consequências não apenas para a Venezuela, mas para nossa América e para o mundo, e especialmente para outros processos transformadores que passariam a serem alvos de ataque prioritários do imperialismo destruidor, sem contar com o generoso apoio venezuelano. E no caso de Cuba, nem se fala.

Nunca como agora a urgente defesa desse processo esperançoso tinha se entrelaçado tanto com a necessidade de seu aprofundamento. Nunca antes a sorte imediata de nossa América tinha estado tão fundida com a da Venezuela.

20-02-2014, Santo Domingo

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)