O apoio da mídia ao golpe e à ditadura

O senador Roberto Requião (PMDB-PR) está pedindo informações ao ministro da Comunicação, Paulo Bernardo, sobre um esqueleto há muito insepulto e que ainda cheira terrivelmente mal: a “aquisição” pela Globo da TV Paulista, pós-golpe de 1964. Sem a TV Globo de São Paulo, ex-TV Paulista, as Organizações Globo não se transformariam na potência de hoje. Para deixar de ser uma modesta emissora carioca e constituir uma rede nacional, os Marinho precisavam de uma sólida base em São Paulo. Daí o assalto à TV Paulista.

A resposta do ministro Paulo Bernardo a Requião é previsível. Não é o que importa. Interessa que o pedido do senador abre uma porta para a investigação do papel da mídia na articulação do golpe de 1964 e na sustentação da ditadura subsequente. Em 1964, a TV Globo não era nada. O que contava era o jornal “O Globo”, radicalmente engajado em todas as conspirações, desde a volta de Getúlio, em 1950. Da mesma forma, “O Estado de S. Paulo”, na vanguarda do atraso desde os tempos do Império.

Os Marinho, no Rio, e os Mesquita, em São Paulo fizeram parte do “núcleo duro” do golpe, arrecadando dinheiro, comprando armas, corrompendo militares hesitantes, fazendo listas de inimigos a serem presos ou “neutralizados”, articulando apoio externo para a quartelada. Enfim, com Assis Chateaubriand, e seus prepostos estaduais da cadeia Associados (como os de Minas, de Brasília e os do Nordeste), formaram a tríade midiática golpista.

Acrescente-se, não com o mesmo peso, os cariocas “Correio da Manhã”, o “Jornal do Brasil” e o paulistano “Folha de S. Paulo”, dos Frias, ainda insignificante mas de grande valia após o Ato n. 5, quando o endurecimento do regime constrange os Mesquitas e seus pruridos aristocráticos e abre caminho para a falta de escrúpulos dos adventícios e dos arrivistas (uso de carros de entrega de jornal para as operações do DOPS e do DOI-CODI, transformação da “Folha da Tarde” em porta-voz da ultra-direita).

Apenas relações muito próximas da repressão com as redações podem explicar a transformação delas em porta-vozes do acobertamento da tortura e do assassinatos de militantes, noticiando nos “jornais nacionais”, nos “repórteres esso”, nas manchetes e chamadas de capa dos jornais os tais “confrontos entre terroristas e a polícia”.

Não há quem não soubesse da farsa, mas lá estavam todas as noites os senhores Chapelin e Moreira, com vozes graves, anunciando a morte, em tiroteio, de mais um terrorista. O requinte de manchetear a morte de Eduardo Leite, o Bacuri, em tiroteio com a polícia política, e mostrá-lo, agonizando sob torturas, com a manchete anunciando a sua morte, não é diferente de armar tiroteios no “Jornal Nacional” para encobrir o assassinato de dezenas e dezenas de militantes sob tortura.

Enfim, o requerimento do senador Requião querendo saber como foi a trama para repassar a TV Paulista para a Globo, ponto de partida para a construção do império dos Marinho, é uma ótima oportunidade para que a Comissão Nacional da Verdade revele ao país a essencialidade da mídia para o golpe e a sustentação da ditadura, além do acobertamento dos assassinatos, da tortura e dos desaparecimentos.

Otto Filgueiras é jornalista e está lançando o livro Revolucionários sem rosto: uma história da Ação Popular.

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